Estrondos, Europa, regressos


                                                                   
 Correia da Fonseca    

Os países da União Europeia não parecem incomodados com a gigantesca repressão na Turquia, mas protestam indignados contra o eventual restabelecimento ali da pena de morte. Ignoram contudo que a pena de morte existe nos Estados Unidos.


Liga-se o televisor e, se não tivermos sorte, logo os nossos olhos e ouvidos são invadidos pelas imagens e sons de atentados a tiro ou à bomba, quando não por meios menos clássicos como no caso do autocarro de Nice. Porém, há ainda outro tipo de brutalidades, menos ruidosas mas não menos estrondosas em sentido figurado, e nesta modalidade o mais impactante é o que se passou e continua a passar-se na Turquia, esse país associado a uma aliança de que o nosso país também faz parte.

O número de cidadãos turcos presos em poucos dias parece constituir um recorde absoluto, mas a qualificação de milhares de entre eles (juízes, generais, jornalistas, funcionários públicos de diversas áreas, dirigentes políticos) constitui um outro máximo.

Quanto a tudo isto e a avaliar pelo que a televisão nos conta, as pacientes democracias euroatlânticas não parecem importar-se muito, por vezes até parecendo que o que mais as inquieta é o risco, aliás ténue, da Turquia que saia desta gigantesca purga decidir melhorar o seu relacionamento com a Rússia. 

O que as escandaliza e gera advertências, isso sim, é a possível reintrodução da pena de morte na Turquia, o que radicalmente colidiria com os excelentes princípios humanistas do Ocidente. É certo que a pena de morte existe nos Estados Unidos e não há indícios sérios de por lá deixe de existir, para mais com Donald Trump a surgir cada vez mais como possível vencedor das próximas presidenciais. 

Mas, à semelhança do que foi dito por um decerto eminente dirigente da Europa, tal como a França pode transgredir regras «porque é a França», a Grande América, de se pode mesmo dizer que é grandessíssima, pode aplicar a pena de morte (sobretudo aos negros, como bem se sabe) porque é a «América».

Breivik, quantos e porquê? 

Voltando, porém, ao estrondo mediático que a TV está a introduzir diariamente nas nossas casas e nas nossas cabeças, aos crimes organizados pelo Daesh ou pelo Daesh assumidos posteriormente porque isso obviamente lhe convém, recordemo-nos de que eles não ocorrem apenas na Europa: nós é que estamos muito mais atentos e sensíveis ao que acontece aqui, na velha senhora Europa que sempre achamos que devia ser muito respeitada, tanto e de tal modo que quase encolhemos os ombros perante uma centena de iraquianos que morrem nos arredores de Bagdad e ficamos impressionados porque um alemão de ascendência turca assassinou em Munique uma dezena de cidadãos inocentes e descuidados.

Convém atender, porém, ao facto de este crime se situar averiguadamente na linha do regresso do nazismo a esta Europa ainda tão sensível à memória de Estaline e tão esquecida da memória de Hitler. De facto, o jovem assassino de Munique era admirador do neonazi norueguês Anders Breivik que há cinco anos assassinou dezenas de jovens noruegueses de moderada esquerda, e era-o de tal modo que visitara a Noruega numa espécie de romagem e escolheu para os seus crimes o exacto aniversário dos crimes do seu admirado predecessor. 

É certo que os seus próprios crimes, aliás aparentemente autopunidos pelo suicídio, forem uma sinistra gota de água em confronto com o mar de crimes de que o nazismo é capaz, mas foram mais um sinal de que o nazismo boche está de volta e ameaça crescer, convindo perguntarmo-nos como e porquê.

É claro que a generalidade das gentes anda naturalmente preocupada com o Daesh e seus similares, como aliás bem se justifica, mas seria adequado e prudente que se preocupasse também com esta ressurreição do nazifascismo, seja qual for a forma que ele assuma. 

Porque, como a nossa memória pode recordar, o nazifascismo infiltra-se melhor e mata ainda mais intensamente que o terrorismo islâmico cuja sinistra floração decorre, como sabemos, da sementeira «made in USA» feita há uns anos no Iraque e arredores. Com a minúscula e servil ajuda de um sujeito português que, tantos anos depois, continua a envergonhar-nos.

Este artigo foi publicado pelo jornal Avante! em 28.07.16

(Com odiario.info)

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