Pré-sal, sonhos e realidades


                                                    
 José Goldemberg ( *)

«Agora que o preço do petróleo caiu para menos de US$ 50 por barril, o problema aparece com toda a clareza: como e por que viabilizar o sonho de tornar o Brasil um grande exportador de petróleo?»

O que a experiência mostra é que a produção de qualquer recurso mineral começa lentamente e vai crescendo até atingir um pico após o que começa a declinar. Isto acontece ou porque o recurso mineral se esgota ou porque o custo de produzi-lo aumenta muito.

As minas de ouro do Brasil colonial que enriqueceram Portugal passaram por este ciclo. Apesar de tudo que já foi extraído, há ainda ouro em muitas minas, mas sua exploração se tornou economicamente inviável. Às vezes novas tecnologias são desenvolvidas e um novo ciclo de produção se inicia.

O que aconteceu com a produção de petróleo no Brasil não foge à regra. Pouco petróleo foi encontrado em terra firme no país, e a exploração se dirigiu quase toda para a plataforma continental do oceano em baixas profundidades, na região de Campos, Espírito Santo. Graças a ela, o país se tornou autossuficiente na produção de petróleo que era o velho sonho da década dos 50 do século XX, que mobilizou tantos de nós e resultou na criação da Petrobras.

Converter a descoberta do pré-sal em defesa de soberania nacional foi uma decisão política das mais duvidosas

A campanha do “petróleo é nosso” defendia a produção de petróleo pelos brasileiros antes que esse petróleo tivesse sido localizado. Só por volta da década de 1970, no governo Geisel, é que a produção começou a aumentar e nos tornou praticamente autossuficientes no nível de consumo de dois milhões de barris de petróleo por dia. Acabaram, portanto, os pesadelos de que ficaríamos à mercê de importações de petróleo que praticamente sufocavam o país. Ao atingir esta meta, o sonho do “petróleo é nosso” havia se tornado realidade.

Daí para frente, expandir a produção de petróleo não mais para garantir o consumo interno e a independência deveria ter passado a ser puramente uma decisão de natureza empresarial e comercial, e não mais ideologia ou estratégia.

Não foi o que aconteceu: a partir de 2005, o governo estimulou uma nova onda nacionalista baseada na descoberta de petróleo a grandes profundidades na plataforma continental (pré-sal). Tal descoberta se deve a avanços tecnológicos louváveis dos técnicos da Petrobras e das universidades brasileiras. Converter, porém, a descoberta do pré-sal no Brasil em defesa de soberania nacional foi uma decisão política das mais duvidosas porque o preço do petróleo produzido nessa área poderia ser muito elevado e não competir com o petróleo barato produzido no Oriente Médio.

Além disso, não era evidente que haveria mercado internacional para ele. Produção de petróleo em águas profundas também estava sendo feita em outras regiões do mundo - principalmente no Mar do Norte, na Europa.

Apesar disso, o país foi envolvido por uma nova onda nacionalista como a da campanha “petróleo é nosso”, e a riqueza do pré-sal parecia abrir caminho para a redenção nacional já que poderíamos até nos converter numa nova Arábia Saudita, segundo alguns. Os recursos que adviriam do petróleo (”royalties”) foram divididos entre os Estados antes mesmo que eles existissem, e leis foram adotadas para desencorajar empresas estrangeiras a participar da exploração do pré-sal com regras para conteúdo nacional mínimo e garantia de que a Petrobras conduziria a exploração, o que levou a empresa a se endividar a ponto de se tornar quase inviável.

Os resultados dessa política são bem conhecidos. Corrupção, é claro, contribuiu para estes problemas, mas não foi a causa principal para a desvalorização brutal das ações da Petrobras. O que a provocou foi a impossibilidade da empresa atingir as metas mirabolantes impostas a ela, apesar de toda a competência técnica dos seus engenheiros.

A partir de 2005, e por quase dez anos, o país poderia ter se beneficiado do preço do petróleo acima de US$ 100 por barril se tivesse atraído empresas internacionais para dividir com elas os custos e riscos da exploração em grandes profundidades.

Este era um problema empresarial que deveria ter sido tratado como tal e não como estratégico ou de defesa da soberania nacional, que não estava em jogo. Só para dar um exemplo da falta de visão dos governantes na época: desde 2008 não foram licitados novos campos para exploração no pré-sal. Se estas licitações forem feitas agora não é provável que empresas internacionais se interessem em participar delas.

Agora que o preço do petróleo caiu para menos de US$ 50 por barril, o problema aparece com toda a clareza: como e por que viabilizar o sonho de tornar o Brasil um grande exportador de petróleo?

Existem fortes indícios de que o preço do petróleo não vai tornar a subir aos níveis anteriores de US$ 100 dólares por barril pelas seguintes razões:

? Há hoje um excesso de produção porque surgiram outros produtores e eventuais exportadores de petróleo além dos tradicionais países da Opep (Organização de Países Exportadores de Petróleo): o Irã, a Líbia e os produtores de petróleo e gás de xisto nos Estados Unidos, que até deixaram de importar petróleo do Oriente Médio.

? A Arábia Saudita está disposta a “quebrar” seus concorrentes, inclusive os produtores de tipo pré-sal e xisto, já que seu custo de produção é baixo e suas reservas imensas.

A situação poderia mudar se o consumo de petróleo estivesse aumentando no mundo, mas isto não está acontecendo. A China, grande importadora, deixou de crescer a taxas de 10% ao ano e nos países industrializados o consumo de petróleo começou a cair porque não há necessidade de mais automóveis, os quais, além do mais, estão se tornando mais eficientes. Os próprios padrões de consumo dos americanos em particular estão mudando e se afastando do uso ilimitado de automóveis, principalmente devido aos problemas de congestionamento, o que favorece o transporte coletivo.

A realidade hoje é muito diferente da realidade que alimentou os sonhos dos últimos anos.

(*) José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo e presidente da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo).

Com Valor Economico/Odiario.info)

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