Sahara Ocidental, o papel de Espanha face a um Estado que viola os direitos humanos

                                                            

 Ramón Pérez Almodóvar   

O silêncio e a hipocrisia internacional em relação aos direitos do povo saharaui é muito semelhante ao que sucede com o povo palestino. Decisões da ONU, sentenças do Tribunal Europeu de Justiça, a tão apregoada defesa dos “direitos humanos”, tudo é silenciado face ao Estado ocupante de Marrocos, um narco-Estado que exporta para a Europa 38% da sua produção de haxixe.

A 23 de Janeiro de 2017, Marrocos está a dar outra patada na legalidade internacional com a celebração de um julgamento contra 21 presos políticos saharauis (inicialmente eram 25) em relação com os acontecimentos de Gdeim Izik (2010), acampamento de protesto levantado pelos saharauis dos territórios ocupados onde se iniciou a falhada ‘primavera árabe’.

Uma recente sentença do Tribunal Europeu de Justiça determina que Marrocos carece de legitimidade sobre territórios exteriores às suas fronteiras reconhecidas e que o Sahara não está dentro delas, estabelecendo a proibição de incluir produtos saharauis no acordo comercial comunitário com Marrocos. ¿Que faz o Estado espanhol para cumprir essa sentença para que não seja, por exemplo, descarregado nos seus portos óleo de peixe embarcado nos territórios ocupados de El Aaiún?

Igualmente, a incapacidade da ONU para impor a Marrocos a celebração do referendo de autodeterminação, aprovado mediante o Plano de Paz de 1990, denuncia a chamada comunidade internacional, que nos habituou a fazer vista grossa a regimes onde diariamente são violados os direitos humanos dos seus povos, como México e Marrocos, que também se caracterizam por ser narco-estados.

¿Por que se permite que quilos e quilos de haxixe produzidos em Marrocos se distribuam pela Europa, o que supõe 38% de um negócio que factura entre 21 e 31 mil milhões de euros ao ano?

¿São Espanha-UE e Marrocos cúmplices e responsáveis pelas mortes de milhares de migrantes que saem em barcaças das costas marroquinas?

¿Por que se permite a Marrocos a violação sistemática dos direitos humanos? ¿Por quê essa impunidade de um dos nossos principais vizinhos, com quem compartilhamos a fronteira sul? ¿Que faziam dois altos dirigentes do Governo marroquino e Emilio Botín num jantar com Colin Powell e o ex. secretário-geral da NATO em casa da ex. ministra Ana Palacio, no contexto da Conferencia de Países Doadores criada após a invasão do Iraque?

¿Por que não se suspendem os tratados comerciais com Marrocos enquanto o seu regime não acatar o Plano de Paz 1990 da ONU? ¿Por que não figura este assunto como ponto fundamental na agenda eleitoral francesa? ¿Por que tão pouco é um ponto prioritário na agenda internacional no Estado espanhol? ¿Continua Espanha sendo a potência administradora do Sahara, como indica a ONU num relatório de 2002? Se é assim, ¿por que não se envolve na resolução do conflito?

“No seu Auto 40/2014, a Audiência Nacional declarou-se competente para investigar a actuação das forças de segurança marroquinas em 2010 contra os habitantes do assentamento saharaui de Gdeim Izik, na base de que Espanha é de jure a potência administradora do Sahara Ocidental e deve portanto dar protecção, inclusivamente jurídico, aos seus cidadãos contra todo e qualquer abuso”, recorda-se na pergunta parlamentar de Unidos Podemos ao Governo
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¿Que investigou a Audiência Nacional nestes mais de seis anos com relação ao ataque marroquino ao acampamento saharaui de Gdeim Izik? ¿Vai o Governo espanhol dizer alguma coisa acerca da farsa de julgamento que se celebra em Rabat contra o grupo de presos políticos de Gdeim Izik, um deles com estatuto de refugiado político concedido por Espanha contra quem Marrocos – por razões obvias - retirou a acusação ao ser-lhe concedido asilo político?

O julgamento contra os presos políticos saharauis que se realizou segunda-feira em Rabat é uma verdadeira farsa. A comunidade internacional deve fazer cumprir a resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o referendo no Sahara Ocidental e não pode continuar a alhear-se da sua responsabilidade para com um Estado que viola os direitos humanos do seu próprio povo e de seres humanos de outros povos como o saharaui. Ou são mais importantes os interesses económicos, como sucede no caso das relações com a ditadura da Arábia Saudita, e então reconhecemos que nem o Direito Internacional, nem resoluções da ONU, nem a Carta dos Direitos Humanos se aplicam…que tudo é pura hipocrisia.

O novo Conselho de Segurança da ONU tem uma última oportunidade para emitir uma nova e última resolução para cumprir com os acordos do Plano de Paz de 1990 e promover a celebração do referendo do Sahara Ocidental. Ou a sua credibilidade, tal como no caso palestino, cairá definitivamente por terra.

El diario

(Com Odiario.info)

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