Assange revolucionou o jornalismo e a elite nunca o perdoará

                                                                               

 Robert Bridge [*]

Privado de asilo pelo Equador e procurado pela Suécia e pelos EUA por crimes duvidosos, o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, é um dos homens mais perseguidos do planeta, o preço que tem de pagar pela sua devoção à verdade numa era de enganos. 

Quando se considera a verdadeira finalidade do jornalismo, resumida pela falecida repórter americana Helen Thomas como "procurar a verdade e aplicar pressão constante sobre os nossos líderes até obter respostas", torna-se mais compreensível quão inestimável é Julian Assange para antiga profissão. Isto também explica porque algumas pessoas consideram-no uma ameaça profunda. 

Nestes tempos cínicos, quando muitos jornalistas estão contentes por servirem como porta-vozes para os poderes instalados, este modesto australiano ocupava-se a expor a superpotência americana quanto a questões relativas a crimes de guerra, tortura e corrupção em alto nível. 

Aquela implacável busca da verdade, sem se importar com os riscos pessoais que envolvia, explica porque este jornalista de 47 anos e programador informática está hoje sujeita a tanta fúria e perseguição patrocinada pelo Estado.

Na verdade, a simples perversidade da Embaixada equatoriana de revogar seu asilo humanitário, permitindo dessa forma que as autoridades britânicas prendessem Assange, será recordada como um dos dias mais negros dos anais do jornalismo. E a situação promete piorar. O destino do co-fundador da WikiLeaks pende na balança, com responsáveis britânicos a decidirem se sim ou não o extraditam para os EUA. Uma vez ali, ele poderia enfrentar a pena capital. 

Enquanto isso, a Suécia reabriu um processo contra Assange por causa de uma alegação de violação em 2010, um processo em que o sistema legal britânico tem sido acusado de interferência flagrante. 

O que isto demonstra é que as potências ocidentais estão determinadas a ensinar uma dura lição para qualquer outra pessoa que considerasse praticar o bom e tradicional jornalismo, para não mencionar a ética, o que é exactamente o que Assange e a WikiLeaks têm estado a fazer. 

Mas o heroísmo e a bravura não começam e terminam magicamente com Julian Assange. De facto, os heróis reais desta tragédia que se desdobra são os muitos denunciantes –Chelsea Manning, Edward Snowden e William Binney, para mencionar apenas alguns – que assumiram grande risco pessoal ao revelarem milhões de documentos classificados num esforço para provar que alguma violação da lei havia ocorrido ou ainda estava a ocorrer. 

Como compensação pelo seu sacrifício pessoal, o qual quase sempre resulta em pesado tempo de prisão, os denunciantes só pedem que os media revelem a informação de modo a que a sociedade civil possa responder consequentemente. Mas os media mainstream parece ter perdido o seu apetite pela confrontação com o establishment.

Na verdade, como poderiam eles não perder quando o próprio establishment possui os media, aferrolhados para o obedecerem ao pé da letra? E se eles possuem os media, então é lógico que eles possuam os repórteres, os quais nada têm em comum com pessoas como Julian Assange. 

Hoje, há um tipo muito particular de jornalistas que os media mainstream preferem; pessoas que têm um grande ponto fraco nos seus corações e cérebros quanto a sangue e violência não provocada. Tome-se por exemplo Brian Williams, da MSNBC, o qual em 2017 chamou de "belo" o lançamento de um míssil contra a Síria a partir de um navio da US Navy.

Ou o apresentador da CNN Fareed Zakaria que, ao comentar o mesmo ataque de míssil, disse: "Penso que Donald Trump tornou-se presidente dos Estados Unidos na noite passada". Será a abertura de agressão militar contra um estado soberano o que é preciso hoje para ganhar o apoio dos media mercadores da morte? 

Na verdade, os media afastaram-se muito daquele momento dourado em 13 de Junho de 1971 quando o New York Times publicou os 47 volumes do Pentagon Papers, os documentos top secret que revelavam o processo de tomada de decisão na Guerra do Vietname, porque, nas palavras do editor do Times, Arthur Ochs Sulzberger, "o povo ter o direito de saber". 

Compare-se agora aquele apelo ético ao julgamento com o modo como Julian Assange, um jornalista com muitos prémios acumulados, está a ser maltratado hoje exactamente pela mesma publicação quando ela o liga, sem qualquer prova, ao assim chamado escândalo do "Russiagate", indubitavelmente a mais fantástica teoria da conspiração a captar a imaginação do público desde a Guerra do Iraque.

O Reino Unidos contribuiu com a sua parte para enlamear e silenciar Assange, cortando-o da Internet na Embaixada equatoriana após o tweeter dele a dizer que a Grã-Bretanha estava empenhada numa "propaganda de guerra" contra a Rússia. 

Pessoalmente, acredito que o que está a acontecer em relação a Julian Assange e à WikiLeaks é apenas o último capítulo da "herança" dos media mainstream a tentarem reafirmar o poder e influência que têm estado a perder desde há muitos anos. De facto, a fundação da WikiLeaks em 2006 podia ser encarada como um momento decisivo na moderna história dos media, o ano em que Assange ajudou a revolucionar o trabalho de jornalistas em todo o mundo nos seus esforços para sujeitar autoridades públicas a responsabilizarem-se pelas suas acções. 

Contudo, é importante recordar que o nascimento da WikiLeaks não ocorreu num vácuo. Mais ou menos ao mesmo tempo, plataformas de media sociais como o Facebook começaram a aparecer em cena como vanguarda dos geradores de notícias, opinião e informação, como fontes de notícias alternativas internacionais, as quais davam aos consumidores de notícias fontes adicionais de informação vital. 

Embora a lógica e o senso comum nos diga que mais informação é naturalmente uma vantagem, pois permite às pessoas tomarem decisões melhor informadas, nem tudo é excitante na paisagem dos novos media, como o lamentável caso de Julian Assange pode confirmar. 

Hoje, quaisquer pessoas com espírito aberto, qualquer indivíduo idealista que espera proporcionar um espaço informacional melhor informado e menos concentrado, são encarados como os inimigos de uma tecnocracia rastejante que tem como objectivo trazer todas as notícias e informações para debaixo do seu domínio.

Para os monstros do universo dos media, não há qualquer outra opção excepto maior controle uma vez que esta é a única realidade que eles sempre conheceram. E com a tecnologia disponível agora à sua disposição, incluindo a manipulação de algoritmos para controlar o que o público pode ver, o trabalho jornalístico de pessoas como Julian Assange é mais crítico do que nunca. Nada menos do que a verdade está em causa. 

14/Maio/2019

Ver também: 
https://twitter.com/wikileaks 

[*] Jornalista, americano, foi editor-chefe de The Moscow News, é co-autor do livro Midnight in the American Empire, @Robert_Bridge 

O original encontra-se em www.rt.com/op-ed/459324-assange-elite-journalism-sweden/

(Com  resistir.info/)

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