O dia em que a razão saiu às ruas

                                                                                                                Agência Pública

Marina Amaral (*)

Que o governo Bolsonaro tem o caos como método, como definiu o filósofo Marcos Nobre, não é novidade para os mais atentos. Poucas vezes, porém, ficou tão evidente o contraste entre os ensandecidos ideólogos do governo e a multidão serena que ocupou as ruas de mais de 200 cidades em todos os estados brasileiros para defender o direito à educação.

Enquanto o presidente da República, em Dallas, insultava os manifestantes - “idiotas úteis que não sabem a fórmula da água”, estudantes, professores, pais, mães e cidadãos preocupados com a balbúrdia - real - que se instalou no país, protestavam pacificamente, armados de cartazes incisivos como há muito não se via. “Sem educação, basta o presidente”, sintetizava um deles.

Na Câmara dos Deputados, o ministro da Educação protagonizava novo vexame, depois do lamentável vídeo do chocolate, ironizado nas ruas e objeto de interessante interpretação do psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP, Christian Duker (recomendo a leitura). 

Difícil de engolir, na apresentação de Weintraub, é que o corte - ou contingenciamento, como prefere o governo - na Educação seja imperativo orçamentário, uma vez que o próprio ministro investiu com fúria ideológica explícita contra determinados cursos e três universidades federais específicas  - UFF, UnB e UFBA - as primeiras a serem alvos do corte de 30% dos recursos discricionários, depois estendido a todas.

Os jornais já haviam se encarregado de mostrar que essas três universidades estão entre as 20 melhores do país em desempenho acadêmico, ao contrário do que disse o ministro. Coube à deputada Tábata Amaral, na Câmara, desmentir outras teses expostas por ele, além da inútil tentativa de transformar 7,4 bilhões de reais de corte de recursos, em “pequeno contingenciamento de verbas”.

“São tantos absurdos, tantas arbitrariedades. 

A primeira delas é dizer que há uma concentração nas (ciências) humanas. Não é verdade, ministro. Apenas 1,4% da verba do CNPQ vai para as ciências sociais. Apenas 23,7% das bolsas da Capes vão para humanas e ciências aplicadas”, disse a deputada, que também desmentiu a alegação do ministro de que estaria favorecendo o ensino básico e técnico.

 "Logo se diz que o corte é para destinar para educação básica, mas vemos mais uma mentira. Até agora, já foram R$ 914 milhões (bloqueados), impactando também educação infantil e creches.” E se prioridade é ensino técnico: “Então como cortar dos IFs (institutos federais), ao invés de apoiá-los?", questionou a jovem deputada.

Talvez tenha passado batido a mais perigosa das teses expostas pelo ministro ao prometer a rever o corte para determinadas pesquisas. “Mostra as pesquisas, põe na tela. Pesquisa, pesquisa a gente libera. Cura da Dengue, por favor, siga adiante. Cura do Mal de Chagas, siga adiante. Aí vai aparecer coisas que a gente não pode mencionar porque isso é público e pode agredir algumas pessoas, então tem algumas áreas de, entre aspas, pesquisas que são feitas, entre aspas porque eu não considero científico, a gente pode postergar para um segundo momento”.

O Ministério da Verdade está ligando os motores. É hora de deter essa máquina, como sabem os milhares que foram às ruas.

(*) Marina Amaral é codiretora da Agência Pública

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