O que aconteceu com o arrependimento?

                                                                        Sêfer
                                                                                               
Faço esta pergunta porque acabamos de começar a contagem regressiva para os dias mais sagrados do judaísmo: Rosh Hashaná, o Ano Novo,  (…), e Iom Kipúr, nosso Dia do Perdão, que é o momento no qual procuramos aqueles a quem possamos ter causado algum mal e pedimos seu perdão, para que, assim, Deus possa nos perdoar também.

Foi a antropóloga Ruth Benedict que apontou a diferença entre as culturas de vergonha e as culturas de culpa. Numa cultura de vergonha, o que importa é a forma como as outras pessoas veem você, sua imagem pelos olhos delas. Hoje em dia, a nossa é uma cultura de vergonha, e é por isso que existem tantos relações públicas e tanta preocupação com nossa imagem.

Culturas de culpa não se preocupam com as aparências. Elas se baseiam na voz interior da consciência, que nós costumávamos chamar de voz de Deus. Numa cultura de culpa, não importa como os outros nos veem. O que importa é fazermos a coisa certa. O que conta não é a opinião alheia, mas se estamos em paz conosco. 

O real problema com as culturas de vergonha é que elas são implacáveis. Uma vez que você tenha caído em desgraça, acabou. Não tem mais volta. Assim, o mais importante numa cultura de vergonha é tentar esconder os erros. Isso nunca aconteceu, ou, se aconteceu, não fui eu, e se fui eu, não foi tão mau assim.

Mas nas culturas de culpa há sempre um caminho de volta por causa do arrependimento e da pessoa chamada Deus. Deus perdoa. Acho que esse foi o mais importante dos conceitos singulares que a Bíblia Hebraica já deu ao mundo. Apesar de errarmos muitas vezes, sempre podemos recomeçar. 

Ao nos conceder o livre arbítrio, Deus nos deu a permissão de cometer erros. Ele nunca pediu que fôssemos perfeitos. Tudo o que Ele pediu foi que tentássemos fazer o melhor que pudéssemos, que assumíssemos nossos erros quando os cometêssemos e melhorássemos sempre. Quando acreditamos num Deus que perdoa, não importa se as outras pessoas perdem a fé em nós. Não importa nem se perdemos a fé em nós mesmos. Porque em algum lugar Alguém tem fé em nós e Deus nunca perde a fé.

Eu gostaria de ver o arrependimento voltar. Pensem na diferença que faria se os políticos, homens de negócios ou qualquer um de nós pudéssemos simplesmente dizer “me desculpe, eu errei”, em vez de fingir que acertamos. Não haveria muito mais honestidade na vida pública e talvez na vida privada também se realmente nos lembrássemos de que, independente do que tenhamos feito, Deus nos ajuda a começar de novo?

(Extraído de DO OTIMISMO À ESPERANÇA, do Rabino Lord Jonathan Sacks)

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