A situação financeira dos estados e a crise dos presídios
Guilherme C. Delgado (*)
Menos de um mês após a promulgação da chamada PEC do Teto (55/2016), explodem de forma autônoma duas crises na prestação de serviços públicos, para o que a referida PEC pode funcionar como combustível no fogo.
No primeiro caso, temos a situação de endividamento dos Estados com a União, dívidas essas renegociadas à época do segundo governo FHC e cujas formas de correção monetária e juros (juros reais abaixo da taxa SELIC) foram suportáveis enquanto a economia crescia, mesmo que lentamente.
Já para a situação do quadro real de arrecadação do ICMS em declínio em níveis iguais ou superiores à evolução da arrecadação federal ( - 4% ao ano, cumulativo no biênio 2015/2016), o cumprimento das obrigações contratuais fica inviável, independentemente de erros de gestão anteriores ou de atos de corrupção praticados em quaisquer âmbitos das administrações estaduais. Estas não podem emitir moeda ou dívida pública, prerrogativa exclusiva da União.
Diante dessa situação, o governo Temer-Meirelles comparece cobrando renegociação de tais dívidas, desde que os Estados venham a se adequar à regra do teto, do contrário lhes imporia, como de fato tem ocorrido – o resgate compulsório (e contratual) das verbas de origem federal do Fundo de Participação de Estados e Municípios.
No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, um dos três com calamidade financeira decretada (Minas e Rio Grande do Sul, idem), houve mesmo uma liminar da ministra presidente do STF, suspendendo esse sequestro, alegando razões de estado de necessidade e caráter excepcional, em razão da iminência da cessação da prestação de serviço público.
Nesse ínterim, explode uma outra crise – a dos presídios superlotados e mal administrados no estados do Amazonas e de Roraima, com assassinatos em série de cerca de uma centena de detentos. O CNJ, também presidido pela ministra Carmem Lúcia, do STF, estima para os presídios estaduais um déficit de investimentos da ordem de 10 bilhões de reais, além de várias outras falhas de gestão, morosidade judicial etc.
Diante desse quadro crítico, vejo com grande suspeição editoriais da grande mídia a culpabilizar as vítimas como responsáveis pelas crises geradas; dos presídios, supostamente, de responsabilidades do crime organizado; dos Estados, supostamente, por má gestão e corrupção dos dirigentes estaduais. São todas meias verdades, que se prestam a justificar um sinistro discurso do neologismo ‘austericídio’, que aqui significa austeridade + homicídio.
O campo ultraconservador que bancou a PEC do Teto, ora banca a aética reforma da previdência e investe na culpabilização das vítimas do conflito social exacerbado. Seria tudo isto apenas fruto de reacionarismo obtuso; ou há uma aparente estratégia, muito suspeita, do “quanto pior melhor”.
Apostam, provavelmente, quaisquer que sejam suas motivações, na situação de barbárie social, com reações conflitivas de massa em sequência, com que apelariam à solução de força em nome da “Lei e da Ordem”.
Esse cenário não pode nos iludir; quebra radical da ordem democrática não é compatível com sociedade justa, defesa da nação e de sua coesão interna e obviamente de quaisquer valores democráticos.
Quem viveu o período 1964-1985 não tem direito a ilusões!
(*) Guilherme C. Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
http://www.correiocidadania.com.br/
(Com o Correio da Cidania
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