Fim à tortura e ao abandono médico de Assange
por Stephen Frost, Lissa Johnson, Jill Stein, William Frost,
em nome de 117 médicos signatários
Em 22/Nov/2019 nós, um grupo de mais de 60 médicos, escrevemos ao secretário do Interior do Reino Unido para manifestar nossas sérias preocupações acerca da saúde física e mental de Julian Assange. Na nossa carta [1] , documentámos um historial de negação de acesso a cuidados de saúde e prolongada tortura psicológica. Nós pedimos que Assange fosse transferido da prisão de Belmarsh para um hospital de ensino universitário a fim de receber avaliação e tratamento médico. Confrontados com a evidência de tortura não tratada e em curso, também levantámos a questão do preparo físico de Assange para participar em procedimentos de extradição para os EUA.
Não tendo recebido qualquer resposta sólida do Governo do Reino Unido, nem à nossa primeira carta [1] nem àquela que se seguiu [2] , escrevemos ao Governo Australiano pedindo que interviesse para proteger a saúde do seu cidadão. [3] Até à data, lamentavelmente, nenhuma resposta foi recebida. Enquanto isso, muito mais médicos de todo o mundo juntaram-se ao nosso apelo. Nosso grupo actualmente chega a 117 médicos, representando 18 países.
O caso de Assange, o fundador da WikiLeaks, é multifacético. Ele relaciona-se à lei, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, ao jornalismo, à publicação e à política. Ele também se relaciona à medicina. O caso sublinha vários aspectos preocupantes que justificam a atenção estreita da profissão médica e a acção concertada.
Fomos instados a actuar a seguir aos angustiantes testemunhos oculares relatados pelo antigo diplomata britânico Craig Murray e pelo jornalista de investigação John Pilger, o qual descreveu o estado de saúde deteriorado numa audiência de gestão do caso em 21/Out/2019. [4] , [5] Assange apareceu na audiência pálido, com baixo peso, envelhecido e a mancar, e ele havia visivelmente lutado para lembrar informação básica, centrar seus pensamentos e articular suas palavras. No fim da audiência, ele "disse à juíza distrital Vanessa Baraitser que não havia entendido o que acontecera no tribunal" [6]
Nós redigimos uma carta ao secretário do Interior do Reino Unido, a qual rapidamente reuniu mais de 60 assinaturas de médicos da Austrália, Áustria, Alemanha, Itália, Noruega, Polónia, Sri Lanka, Suécia, Reino Unidos e EUA, concluindo: "É nossa opinião que o sr. Assange exige urgente avaliação média tanto do seu estado de saúde físico como psicológico. Qualquer tratamento médico indicado deveria ser administrado num hospital de ensino universitário (cuidados terciários) adequadamente equipado e com staff qualificado. Caso tal avaliação e tratamento urgente não se verifique, temos preocupações reais, com a evidência actualmente disponível, de que o sr. Assange poderia morrer na prisão. A situação médica é portanto urgente. Não há tempo a perder". [1]
Em 31/Mai/2019 o Relator Especial da ONU sobre Tortura, Nils Melzer, informou sobre a sua visita de 09/Mai/2019 a Assange em Belmarsh, acompanhado por dois peritos médicos. "O sr. Assange mostrava todos os sintomas típicos de exposição prolongada a tortura psicológica, incluindo stress extremos, ansiedade crónica e trauma psicológico intenso". [7] Em 01/Nov/2019, Melzer advertiu: "A continuada exposição do sr. Assange à arbitrariedade e ao abuso pode em breve custar-lhe a vida". [8] Exemplos das comunicações imperativas a governos do Relator Especial da ONU sobre Tortura são mostrados no apêndice.
Tais advertências e a apresentação de Assange na audiência de Outubro talvez não devessem ser uma surpresa. Assange havia, afinal de contas, antes da sua detenção na prisão de Belmarsh em condições equivalentes a confinamento solitário, passado quase sete anos restringido a algumas salas na embaixada do Equador em Londres. Ali, ele foi privado de ar fresco, luz do sol, da capacidade de se mover e exercitar livremente e do acesso a cuidados médicos adequados. Na verdade, o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU sustentou que o confinamento equivalia a "privação arbitrária da liberdade". [9]
O Governo do Reino Unido recusou-se a conceder a Assange transferência segura para um hospital, apesar de pedidos de médicos que puderam visitá-lo na embaixada. [10] Havia também um clima de medo em torno da provisão de cuidados de saúde na embaixada. Um médico que visitou Assange na embaixada documentou o que um colega de Assange informou: "Tem havido muitas dificuldades em encontrar médicos praticantes que estivessem dispostos a examinar o sr. Assange na Embaixada.
As razões dadas eram a incerteza sobre se o seguro médico cobriria a Embaixada Equatoriana (uma jurisdição estrangeira); se a associação com o sr. Assange poderia prejudicar seus meios de vida ou atrair atenção indesejada para eles e suas famílias; bem como desconforto respeitante à exposição desta associação quando entrando na Embaixada. Um praticante médico manifestou preocupação a um dos entrevistados depois de a polícia tomar notas do seu nome e do facto de que estava a visitar o sr. Assange. Um praticante médico escreveu que concordava em produzir um relatório médico só sob a condição de que o seu nome não ficasse disponível para o público, temendo repercussões". [11]
De modo perturbador, parece que este ambiente de insegurança e intimidação, mais uma vez comprometendo o cuidado médico a Assange, era intencional. Assange foi sujeito a uma cobertura de vigilância 24 horas por dia dentro da embaixada, como mostrou a emergência de vídeo e registos secretos de áudio. [12] Ele foi vigiado em privado e com visitantes, incluindo família, amigos, jornalistas, advogados e médicos. Não só foram violados seus direitos a privacidade, vida pessoal, privilégio legal e liberdade de expressão como, também, o seu direito à confidencialidade médico-paciente.
Condenamos a tortura de Assange. Condenamos a recusa ao seu direito fundamental de cuidados de saúde adequados. Condenamos o clima de temor em torno da provisão de cuidados de saúde para ele. Condenamos as violações do seu direito à confidencialidade médico-paciente. Não se pode permitir que a política interfira com o direito à saúde e à prática da medicina.
Na experiência do Relator Especial da ONU sobre Tortura, a escala de interferência do estado é sem precedente: "Em 20 anos de trabalho com vítimas de guerra, violência e perseguição política nunca vi um grupo de estados democráticos conspirarem para deliberadamente isolar, demonizar e abusar de um indivíduo isolado por tão longo tempo e com tão pouco respeito pela dignidade humana e pelo estado de direito". [7]
Convidamos médicos nossos pares a juntarem-se como signatários a nossas cartas e acrescentar mais vozes aos nossos apelos. Desde que médicos começaram a avaliar Assange na embaixada equatoriana em 2015, a opinião médica e as recomendações urgentes de médicos foram sistematicamente ignoradas. Mesmo quando as autoridades designadas do mundo sobre detenção arbitrária, tortura e direitos humanos acrescentaram seus apelos a advertências de médicos, governos marginalizaram a ética médica, a autoridade médica e o direito humano à saúde.
Esta politização de princípios médicos fundamentais é de grave preocupação para nós, pois isto traz implicações para além do caso de Assange. Abuso por negligência médica politicamente motivada estabelece um perigoso precedente, pelo qual a profissão médica pode ser manipulada como uma ferramenta política, minando em última análise a imparcialidade da profissão, o compromisso para com saúde para todos e a obrigação de não prejudicar.
Caso Assange morra numa prisão do Reino Unidos, como advertiu o Relator Especial da ONU sobre Tortura, ele efectivamente terá sido torturado até à morte. Grande parte daquela tortura terá tido lugar numa ala prisional médica, sob observação de médicos. A profissão médica não pode permitir-se permanecer em silêncio, do lado errado da tortura e do lado errado da história, enquanto tal farsa se desdobra.
No interesse da ética médica, da autoridade médica e do direito humano à saúde, e tomando uma posição contra a tortura, juntos podemos desafiar e despertar a consciência dos abusos pormenorizados nas nossas cartas. Nossos apelos são simples: estamos a conclamar governos a finalizarem a tortura de Assange e a assegurarem o seu acesso ao melhor cuidado de saúde disponível antes que seja demasiado tarde. Nosso pedido a outro é isto: por favor juntem-se a nós.
Somos membros do Doctors for Assange. Declaramos não ter interesses conflitantes. Os signatários desta carta estão listados no apêndice .
17/Fevereiro/2020
1. First letter to the UK Government. Concerns of medical doctors about the plight of Mr Julian Assange
2. Second letter to the UK Government. Re: medical emergency – Mr Julian Assange
3. First letter to the Australian Government. Re: medical emergency – Mr Julian Assange
4. Murray C., Assange in court
5. Pilger J., Pilger - Julian Assange could barely speak in court!
6. Agence France Presse, Julian Assange's health is so bad he 'could die in prison', say 60 doctors
7. UN Human Rights Office of the High Commissioner, UN expert says "collective persecution" of Julian Assange must end now
8. UN Human Rights Office of the High Commissioner, UN expert on torture sounds alarm again that Julian Assange's life may be at risk
9. UN Human Rights Office of the High Commissioner, Working Group on Arbitrary Detention deems the deprivation of liberty of Mr Julian Assange as arbitrary
10. Love S., Access to medical care, a human right, must also be guaranteed to Julian Assange
11. Dr [Redacted]. Medical report, evaluation of Mr Assange
12. Irujo JM, Russian and US visitors, targets for the Spanish firm that spied on Julian Assange
O original encontra-se em www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30383-4/fulltext . Para descarregá-lo em formato PDF clique aqui .
Este documento encontra-se em https://resistir.info/ .
https://www.resistir.info/varios/assange_medicos_17fev20.html
https://www.resistir.info/varios/assange_medicos_17fev20.html
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