Os Bárbaros(*)


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Na Mesquita o culto também a João Baptista


Gustavo Carneiro 

«O surgimento de um novo vírus, combatido aliás com impressionante determinação pelas autoridades chinesas, tem dado azo a múltiplas e variadas expressões de racismo e arrogância de timbre neocolonial. Ao mesmo tempo que nada se diz sobre a dramática realidade do sistema de saúde norte-americano, que deixa milhares sem acesso por não terem recursos económicos ou seguro.»

Na Antiguidade, os gregos cunharam o termo bárbaro para designar todos quantos falassem outras línguas, para si incompreensíveis. Eram bárbaros povos tão avançados quanto os persas, os fenícios, os egípcios. Já os romanos (eles próprios bárbaros para os gregos) alargaram o âmbito do conceito para todos os estrangeiros que não partilhassem a tradição cultural greco-romana, mas referiam-se principalmente às várias tribos que ameaçavam as suas fronteiras – e que acabariam por derrubar o seu império: os francos, os lombardos, os godos… A História fixou esta última definição, exacerbada: os bárbaros passaram a ser, mais do que diferentes, inferiores.

A dicotomia nós-civilizados versus eles-bárbaros, sustentada na preponderância económica e supremacia militar das potências europeias, serviu ao longo de séculos para justificar o colonialismo. E, com ele, a escravatura, o saque de recursos, a pilhagem de tesouros culturais. 

Hoje, com o predomínio económico das potências imperialistas ocidentais seriamente ameaçado (mas não o poderio ideológico e militar), ela ressurge em força: a missão civilizadora do Ocidente é associada, de forma mais ou menos subtil, às agressões militares, aos bloqueios, às ingerências perpetradas pelos EUA e seus aliados.

Que importa se o Irão descende da riquíssima civilização Persa e se aí estão localizadas duas dezenas de sítios classificados pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade? Ou que as numerosas comunidades cristãs existentes na Síria convivam pacificamente com xiitas e sunitas e que na grande Mesquita dos Omíadas, em Damasco, se preste culto também a São João Baptista? 

Ou ainda o facto de os refugiados que rumam à Europa (uma fatia ínfima do total) fujam, na sua maioria, das guerras que nós instigamos nos seus países de origem? Nada!
O que parece contar é que eles, os bárbaros islâmicos, não partilham dos nossos valores e da nossa civilização e que, por isso, são uma ameaça.

O caso da China, com uma História milenar e um desenvolvimento económico e tecnológico impressionante, é a este respeito paradigmático. O surgimento de um novo vírus, combatido aliás com impressionante determinação pelas autoridades chinesas, tem dado azo a múltiplas e variadas expressões de racismo e arrogância de timbre neocolonial. Ao mesmo tempo que nada se diz sobre a dramática realidade do sistema de saúde norte-americano, que deixa milhares sem acesso por não terem recursos económicos ou seguro.

A Cultura não constitui nunca uma ameaça, antes é uma fonte de enriquecimento da Humanidade. A disputa não é entre o Ocidente e os bárbaros… É entre o imperialismo e os povos, entre capital e trabalho! E é deste combate que é preciso que saia vencedora a Humanidade e a Cultura.

(*) Este artigo foi publicado no “Avante!”, nº 2410, 6.02.2020

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