Bücherverbrennung
Por Ricardo Viveiros (*)
Em alemão, “Bücherverbrennung” é o termo que significa queima de livros. Os nazistas entre 10 de maio e 21 de junho de 1933, após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, queimaram livros em vários pontos de algumas cidades da Alemanha, em especial Berlin e Munique. Era a censura buscando impedir a liberdade do saber, do refletir e do lutar pelo direito à opinião.
Foram destruídos cerca de 20.000 livros que, segundo os padrões impostos, fugiam ao pensamento nazista. A grande maioria dos autores perseguidos era formada por estrangeiros, denominados “undeutsch”. As “fraternidades estudantis”, notadamente do Destacamento Tempestade (SA) e da Tropa de Proteção (SS), participaram desses crimes contra o livre pensar, disputando quem conseguia um maior resultado.
Entre as 3.000 obras condenadas a ser “queimadas” estavam livros de: Thomas Mann, Heinrich Mann, Walter Benjamin, Bertolt Brecht, Lion Feuchtwanger, Leonhard Frank, Erich Kästner, Alfred Kerr, Robert Musil, Carl von Ossietzky, Erich Maria Remarque, Joseph Roth, Nelly Sachs, Ernst Toller, Kurt Tucholsky, Franz Werfel, Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, Albert Einstein, Karl Marx, Heinrich Heine e Ricarda Huch.
O novelista alemão Oskar Maria Graf, é curioso e cabe destacar, não foi incluído na lista dos inimigos do nazismo. Seus livros não foram queimados, como até “recomendados” pelos incendiários. Graf, então, publicou um artigo intitulado “Verbrennt mich!” (“Queimem-meǃ”) no “Arbeiter-Zeitung” (“Jornal dos Trabalhadores”), editado e publicado em Viena, na vizinha Áustria. Um ano depois, o seu dramático apelo foi atendido pelos nazistas e os seus livros também destruídos.
O mais triste é que a grande maioria da população, e até os intelectuais, talvez impactados e não vislumbrando futuras drásticas consequências, não ofereceram resistência à destruição do saber. Editoras e distribuidoras reagiram com oportunismo comercial, e a sociedade distanciou-se, limitando-se apenas a observar os lamentáveis fatos. A comunidade internacional, por sua vez, ficou na simples aceitação desse absurdo, que à época classificou como “pontual fanatismo estudantil”.
Thomas Mann, romancista alemão que havia conquistado o Prêmio Nobel de Literatura (1929), foi um dos poucos que se pronunciou publicamente denunciando ao mundo tal barbárie, e os péssimos sinais em relação ao futuro. Ele havia se refugiado espontaneamente na Suíça em 1933 e, seis anos depois, foi para os EUA.
Em Davos, visitei o hotel onde ele viveu e escreveu o livro “A montanha mágica” (vale a leitura). Quando a Faculdade de Filosofia da Universidade de Bonn cassou seu título de doutor honoris causa, declarou Mann: “Nestes quatro anos de exílio involuntário, nunca parei de meditar sobre minha situação. Se tivesse ficado ou retornado à Alemanha, talvez já estivesse morto. Jamais sonhei que, no fim da minha vida, seria um emigrante, despojado da nacionalidade, vivendo desta maneira!”
Como disse o poeta alemão Heinrich Heine: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas.” E foi o que aconteceu nas câmaras de gás dos campos de concentração do nazismo. Assim, neste dia 10 de maio em que o Mundo recorda os 88 anos desse criminoso ato contra a liberdade de saber, refletir e transformar cabe a análise de atitudes de nossos governantes que consideram livros supérfluos, entretenimento de poucos ricos e que podem, e devem, ser tributados em um País no qual a se lê muito pouco.
Governantes que não querem o povo educado, culto, informado devem merecer, no mínimo, nossa desconfiança e repúdio. Livros são instrumentos de liberdade, independência, soberania e desenvolvimento. Povo educado, culto, informado adoece menos, morre menos, produz mais, evolui sempre e garante o progresso dele próprio e do País.
Quando tiver um tempo, assista o belo filme do premiado diretor francês François Truffaut (ícone do movimento “Nouvelle Vague”), baseado no romance do escritor e roteirista norte-americano Ray Bradbury, “Fahrenheit 451”. Você sentirá emoção ao ver o que pessoas responsáveis e sensíveis são capazes de fazer contra o obscurantismo da queima de livros.
Não se admire ao constatar que o tempo passa, mas ideias medíocres ressurgem mostrando que as lições do passado não foram aprendidas. É a falta que a leitura faz…
(*) Ricardo Viveiros é conselheiro da ABI, jornalista, professor e escritor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro honorário da Academia Paulista de Educação (APE) e autor, entre outros, dos livros “Justiça Seja Feita”, “A Vila que Descobriu o Brasil” e “Educação S/A”.
(Com a Associação Brasileira de Imprensa)
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