Declaração Política do XVI Congresso do PCB realizado em São Paulo
7 de dezembro de 2021
O Partido Comunista Brasileiro realizou, em novembro de 2021, seu XVI Congresso, num contexto de crise profunda do sistema capitalista, que atinge a todos os países e setores sociais, de crise política e econômica no Brasil, com oposição e insatisfações crescentes por parte da maioria da população brasileira ao Governo Bolsonaro, em virtude do agravamento da carestia, da fome, do desemprego e da recessão na economia. Esse quadro se acirrou ainda mais com a crise sanitária global da pandemia da Covid-19.
Nesse contexto, o grande capital, para manter seus ganhos, atua em meio aos Estados nacionais para seguir retirando direitos da classe trabalhadora, privatizando empresas públicas, demitindo e reduzindo salários, fragilizando as relações de trabalho, restringindo liberdades democráticas, lucrando com a degradação ambiental. Como resultado, temos o brutal aumento de concentração da riqueza, guerras contra os povos que não aceitam as imposições do imperialismo, o desemprego de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, a ampliação da barbárie e da miséria.
Milhões de pessoas morreram com a pandemia, sobretudo nos países periféricos e nas camadas mais exploradas da classe trabalhadora nos países centrais, principalmente por conta das condições materiais de vida. Há enormes contingentes de deslocados de seus países em consequência das guerras de rapina, do aumento da exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras e de cada vez mais precárias condições de vida da população. Essa crise desvenda de maneira objetiva a contradição entre o capitalismo e os interesses da imensa maioria da humanidade, bem como os próprios limites e contradições desse sistema.
O Capitalismo hoje
O modo de produção capitalista, como forma de organizar a produção e a distribuição da riqueza, está em processo acelerado de esgotamento. A continuidade desse sistema representa uma grave ameaça à própria existência da humanidade e à vida em todo o planeta.
O século XXI marca definitivamente o período em que a crise sistêmica do capitalismo tem se tornado mais intensa e profunda, atingindo todos os setores da vida social, processo que se intensificou com a crise sanitária global. Como em outros momentos da história, o grande capital e seus representantes na institucionalidade buscam uma saída para essa grave crise atacando povos, destruindo os direitos e garantias dos trabalhadores e das trabalhadoras, rebaixando os salários, realizando demissões em massa, devastando o meio ambiente, atacando as liberdades democráticas e avançando contra o fundo público, com o objetivo de recuperar as taxas de lucro colocando todo o ônus da crise que eles próprios criaram na conta dos trabalhadores, da juventude e a população pobre em geral.
Está cada vez mais evidente que as transformações sociais necessárias para a superação desse quadro não podem ser realizadas nos limites do sistema capitalista, e a única forma de abrir caminho para uma nova etapa na história da humanidade é superar o capitalismo e construir a sociedade socialista.
Mesmo abalado pela crise, o imperialismo, que é a expressão orgânica e política do grande capital, procura de todas as formas sair da crise e manter essa velha ordem apodrecida e desumana. Os governos capitalistas intensificam e radicalizam as políticas neoliberais e colocam trilhões de dólares para privilegiar os setores rentistas, salvar bancos e empresas privadas, ampliam o saque aos recursos públicos, intensificam a sabotagem, as sanções internacionais e a promoção de guerras como forma de fortalecer o complexo industrial militar e reduzir a crise de hegemonia imperialista.
Na América Latina, os Estados Unidos e seus aliados intensificam o bloqueio criminoso contra Cuba e as sanções contra a Venezuela e criam bases militares em vários países.
Os EUA reativaram a IV Frota para chantagear as nações e ter o poder de intervenção rápida na região, promovem golpes contra governos para garantir a defesa dos seus interesses e controlar as riquezas naturais, como a biodiversidade da Amazônia e o pré-sal.
Para os comunistas se torna cada vez mais explícito que esse sistema não cairá de podre, nem será modificado estruturalmente através de reformas graduais para torná-lo mais humano. Pelo contrário, quanto mais se aprofunda a crise mais o sistema resiste da forma mais agressiva possível, sem quaisquer escrúpulos, para defender seus interesses. A grande burguesia já apoiou o nazifascismo de Hitler e Mussolini, militares genocidas nas ditaduras latino-americanas e hoje se alia a bandos fascistas em vários países.
É tarefa dos comunistas derrotar, através da luta organizada do proletariado e seus aliados, esse sistema explorador do ser humano, predador da natureza e fomentador da barbárie e da miséria no planeta.
As condições em que se dá a luta pelo Socialismo no Brasil
O desenvolvimento do sistema capitalista como um todo e, em particular, no caso brasileiro, elimina a possibilidade histórica de qualquer aliança entre uma suposta “burguesia nacional” e a classe trabalhadora, para a realização de uma revolução “nacional-libertadora”, ou seja, o enfrentamento, num primeiro momento, do capital estrangeiro presente no país para, numa etapa posterior, realizar-se a revolução socialista. A burguesia brasileira, sócia subalterna do grande capital internacional, não tem interesse em alterar o atual padrão de desenvolvimento do Brasil, excludente e concentrador de renda. O proletariado é o inimigo principal da burguesia brasileira e contra o proletariado a burguesia realiza uma luta permanente.
Mudanças estruturais só ocorrerão se dirigidas pelas forças socialistas, anticapitalistas e anti-imperialistas. Não há qualquer possibilidade de alianças com a burguesia brasileira, que está integrada ao grande capital internacional e, portanto, umbilicalmente ligada aos interesses do imperialismo. A revolução brasileira é, portanto, de caráter socialista, e este é o objetivo central da ação do PCB. A revolução socialista, uma vez vitoriosa no Brasil, será de fundamental importância para o processo revolucionário em muitos outros países.
A estrutura da economia brasileira inclui uma infraestrutura robusta, com estradas, portos, aeroportos, telecomunicações e outros segmentos de grande porte. Mesmo estando hoje em processo de desindustrialização, o Brasil dispõe de um parque industrial desenvolvido de grande dimensão, que cobre praticamente todos os setores da produção, uma agricultura mecanizada, com grande volume de produção e trabalho assalariado, voltada para a exportação e integrada ao mercado mundial, num modelo extremamente lesivo ao meio ambiente, invasor de terras indígenas e quilombolas e de povos tradicionais, que gera desmatamento, deslocamentos forçados de populações, destruição de biomas inteiros e esgotamento de recursos hídricos.
Outras formas de organização da produção no campo, como os milhares de pequenos proprietários, que têm papel fundamental para a segurança e a soberania alimentar dos brasileiros, estão também subordinados à lógica do capital e ao mercado capitalista, vivendo em condições de estrangulamento e carência de políticas de apoio. O Brasil dispõe, também, de um amplo e forte setor de serviços, incluindo-se os serviços financeiros e bancários e de um sistema de comunicações integrado nacionalmente.
Esse conjunto de elementos permite o entendimento de que, mesmo com imensas dificuldades a serem superadas, como boicotes externos e enfrentamentos de classe no plano interno, sob uma estrutura de poder socialista, será possível, com a reorientação do sistema produtivo para o atendimento às necessidades da grande maioria da população, suprir, para todos os brasileiros e brasileiras, os bens e os serviços necessários ao bem-estar, com infraestrutura geral, moradia, saúde, educação e outras demandas essenciais. Muitas plantas produtivas hoje inativas poderão ser reativadas, gerando muitos empregos. Nesse contexto, o desenvolvimento científico será enfatizado, e o esforço tecnológico deverá ser voltado, prioritariamente, para o atendimento às necessidades de trabalhadores e trabalhadoras, com a expansão das universidades e institutos de pesquisa.
O padrão vigente do desenvolvimento capitalista brasileiro – como no caso geral do padrão capitalista – vem gerando condições de mais desigualdade, desemprego estrutural, fome e desespero, que, aliados à falta de perspectivas para a maioria, compõem, igualmente, o conjunto de condições objetivas que viabilizam o processo revolucionário socialista. No entanto, as condições subjetivas para a revolução ainda não estão presentes na dimensão necessária para a deflagração do processo revolucionário no Brasil.
A economia brasileira é dominada pelos oligopólios e grandes grupos econômicos, e os 100 maiores grupos econômicos têm um volume de vendas anual correspondente a 56% do PIB, o que demonstra o alto grau de concentração e centralização do capital no país.
O capital estrangeiro hegemoniza os ramos mais dinâmicos da economia, como automobilístico, eletroeletrônica, químico e farmacêutico. Na maioria dos setores econômicos, é o grande capital internacional que provê as tecnologias e responde pelos fluxos financeiros e comerciais.
As classes fundamentais do país, tanto a burguesia quanto o proletariado, estão perfeitamente definidas. A burguesia industrial concentra suas atividades na região Sudeste, mas tem parcelas importantes no Sul do país e alguns estados do Nordeste. A burguesia financeira é o setor em que os grupos de capital nacional são majoritários, e os 10 maiores bancos são responsáveis pela dinâmica financeira no país. A burguesia comercial e de serviços está hegemonizada pelas grandes cadeias de supermercado, lojas de departamento e centros de logística, muito embora existam dezenas de milhares de pequenos negócios espalhados por todo o Brasil. A burguesia agrária é hegemonizada pelo agronegócio e existem ainda frações burguesas nas áreas da saúde e da educação.
O proletariado brasileiro é gigantesco, o segundo maior do continente. Os trabalhadores e as trabalhadoras ligados/as diretamente à produção correspondem a 36,89 milhões de trabalhadores ocupados, sendo que grande parte desse contingente é jovem, entre 16 e 35 anos. Trabalhadores/as da área comercial e de serviços somam 53,8 milhões, os/as quais, em sua grande maioria, estão concentrados na região Sudeste e especialmente nas regiões metropolitanas, o que significa dizer que é exatamente nas grandes cidades onde pulsa mais intensamente a luta de classes em nosso país. Entre os/as trabalhadores/as ocupados/as, cerca de 38 milhões atuam em atividades informais, sem direitos e garantias trabalhistas.
O Estado brasileiro sempre se caracterizou por uma construção política pelo alto, mediante a ação de grupos dominantes no interior do poder. Temos uma classe dominante integrada ao imperialismo, que sempre procurou afastar a classe trabalhadora e a população em geral das decisões econômicas e políticas e que assume, no essencial, um perfil truculento e reacionário. As instituições do Estado burguês brasileiro – Executivo, Legislativo e Judiciário – seguem em funcionamento, sem rupturas, desde a queda da ditadura empresarial-militar, com muitas limitações e fragilidades, de acordo com a lógica e os interesses centrais da burguesia, estando hoje mais legitimadas no corpo da sociedade. No entanto, as liberdades democráticas existentes, conquistadas com muita luta, vêm sendo mais restringidas e sofrem frequentes e intensos ataques.
A Revolução brasileira
O capitalismo brasileiro, por seu peso econômico e político, se constitui como parte integrante do sistema de dominação do imperialismo. O Brasil, país com elevado índice de industrialização, concentração e centralização do capital, apresenta uma estrutura definida entre burguesia e proletariado, onde as relações de assalariamento são hegemônicas, tanto nas cidades quanto no campo, com concentração das duas classes fundamentais em polos antagônicos nas regiões metropolitanas e grandes cidades, além de elevado índice de urbanização – 80% da população vive nas cidades.
A definição do caráter socialista da revolução brasileira significa que subordinamos as táticas que utilizamos à nossa estratégia, de forma a evitar as ilusões reformistas ou a aceitação ilusória da possibilidade de humanização do capitalismo.
Todas as conquistas dos trabalhadores e das trabalhadoras na sua luta diária devem ser parte de uma estratégia para derrotar o bloco burguês e conquistar o socialismo, o que impõe a necessidade de a classe trabalhadora conscientizar-se plenamente de que somente com a socialização dos meios de produção será possível a construção de uma nova sociedade, livre da exploração e da opressão. Essa opção evidencia que não há hipótese alguma de construção de alianças espúrias com nossos inimigos de classe.
O caráter socialista da revolução significa também reafirmar o direito de rebelião das massas contra a exploração e a opressão e estar presente em todos os espaços de lutas, dentro e fora da ordem, dentro e fora da institucionalidade, mantendo a independência orgânica, política e de classe de nossa organização revolucionária. O caráter socialista da revolução brasileira não significa ausência de mediações nas lutas do proletariado, da juventude e da população pobre nos locais de trabalho, nos locais de moradia e de estudo e nos diferentes espaços de atuação e luta que se abrem em meio à luta de classes. As lutas cotidianas de nosso povo se chocam também diariamente com os interesses do capital e servem de elemento pedagógico para as mobilizações populares. São parte integrante do longo processo de construção da revolução brasileira.
Os aliados dos comunistas no processo revolucionário
O processo de contraposição revolucionária à dominação burguesa no Brasil tem, como núcleo central, o proletariado ligado às cadeias de produção do valor. Este é o setor mais interessado e mais consequente da revolução brasileira, pela própria posição que ocupa no interior do sistema econômico – os trabalhadores e as trabalhadoras da cidade e do campo. Somam-se a este contingente, no processo revolucionário, setores da pequena burguesia, pequenos agricultores e trabalhadores autônomos. Podem aliar-se ao processo movimentos juvenis, movimentos sociais e populares, os intelectuais progressistas, além de todos aqueles e aquelas que se incorporarem objetivamente na luta anticapitalista e anti-imperialista. Os inimigos da revolução brasileira são a burguesia monopolista nacional e internacional, o imperialismo, a burguesia financeira, a burguesia rural.
A revolução brasileira, para os comunistas, deverá ser um fenômeno de massas, a ser realizada pelos milhões de explorados/as e oprimidos/as. Como as classes dominantes brasileiras sempre utilizaram a violência e a repressão para barrar a luta da classe trabalhadora e dos/as comunistas, não descartamos nenhuma forma de resistência à violência da burguesia na luta revolucionária.
O processo revolucionário brasileiro tem, como tarefa central, a construção da sociedade socialista através do poder popular, uma bandeira cada vez mais incorporada à luta real das massas e nas manifestações de rua por todo o país. O poder popular não é uma aliança entre partidos de esquerda, mas uma construção que envolve as batalhas cotidianas dos trabalhadores e das trabalhadoras, da juventude e dos setores populares por dentro e por fora da ordem. É necessário superar a fragmentação social e política da classe trabalhadora e fortalecer as lutas das massas para construir um programa unitário e um instrumento organizativo que unifique as demandas populares, com vistas à construção de um bloco alternativo de poder da classe trabalhadora em contraposição ao bloco burguês.
A crise brasileira
A crise brasileira é parte da crise sistêmica global, com as singularidades e especificidades próprias de um país periférico e com economia subordinada aos grandes centros do capitalismo internacional. Essa crise ocorre num momento em que se encerra um longo ciclo iniciado com as greves do ABC e fechou com o impeachment da presidenta Dilma. O governo de coalizão, que foi representado hegemonicamente pelo Partido dos Trabalhadores, tem responsabilidade nesta crise porque desenvolveu uma política de fortalecimento do capitalismo brasileiro – gerada e mantida em função, essencialmente, dos interesses da burguesia, que sustentou o tripé macroeconômico neoliberal com austeridade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante –, e não realizou as medidas necessárias para promover mudanças estruturais no país em favor da classe trabalhadora, limitando-se a implementar políticas de compensação social para os setores mais pobres da população, como no caso do programa Bolsa Família e outros.
A conjuntura mundial favorável, vigente naquele período, principalmente pelo aumento internacional dos preços das commodities agrícolas e minerais exportadas pelo Brasil, proporcionou ao governo de coalizão, na sua primeira década, as condições para um crescimento médio anual maior que o do período anterior, com o aumento da oferta de emprego e a elevação do salário-mínimo.
No entanto, em função da crise sistêmica global que se seguiu e da queda dos preços internacionais dessas matérias-primas, o governo começou a apresentar fortes sintomas de crise. Um dos marcos desse processo foram as manifestações de junho de 2013, todas realizadas por fora do governo e das entidades controladas ou cooptadas pelo PT, sendo hostis a elas e a outras organizações combativas. A crise mundial, a queda nas receitas com exportação e as tensões da política interna, a orientação e os erros na condução da política econômica, além do descontentamento popular em função da ausência de medidas para resolver os problemas reais da população, foram fenômenos que geraram uma dinâmica desagregadora, levando à crise que estamos vivendo atualmente.
Estavam presentes nas manifestações de 2013 grupos de extrema-direita que já atuavam para insuflar segmentos descontentes da população a ir às ruas, com palavras de ordem conservadoras e reacionárias, somando-se aos ataques ao governo do PT. Esses grupos aumentaram, pouco a pouco, a partir de então, a ofensiva contra o PT e as esquerdas em geral, e dariam sustentação à movimentação política de Bolsonaro pelo Brasil, iniciada logo a seguir, no caminho da construção de sua candidatura à presidência da República em 2018.
Os líderes do governo de conciliação de classe não compreenderam o significado da insatisfação popular, não entenderam as implicações da crise mundial e seus reflexos no Brasil e foram vítimas das próprias ilusões de classe. Enquanto isso, as classes dominantes, cientes da mudança rápida da conjuntura e das debilidades do governo, resolveram descartar o PT e construir um governo “puro sangue”, pois os petistas não controlavam mais o movimento popular e não podiam realizar, de maneira rápida e intensa, o ajuste neoliberal que a burguesia reivindicava. A presidenta Dilma, reeleita com estreita margem de votos, ainda tentou uma virada ortodoxa ao nomear um banqueiro ultraliberal, uma latifundiária e um representante dos industriais para os ministérios, além de outros representantes da direita clássica. O resultado dessa nova conciliação foi o aumento do desgaste da administração, uma recessão brutal, o aumento acelerado do desemprego e a desmoralização do governo.
A partir daí as classes dominantes resolveram abertamente conspirar para a queda do governo. Para tanto, ativou-se a Operação Lava a Jato, com denúncias diárias de corrupção no governo. Criou-se um clima no qual o PT era visto como os únicos responsáveis pela corrupção no Brasil. Logo as denúncias de corrupção e a insatisfação popular foram capturadas pelos movimentos de direita e transformadas em movimento de massas nas ruas pelo impeachment da presidenta, processo ampliado pelos meios de comunicação, que cumpriram o papel de comitê de comunicações das classes dominantes. Essas articulações viabilizaram o golpe institucional de 2016 e o impeachment da presidenta Dilma, que foi substituída pelo vice Michel Temer.
O governo Temer se encarregou de aplicar o ajuste neoliberal como as classes dominantes desejavam, aprovando diversas contrarreformas no Congresso. O documento “Ponte para o Futuro”, apresentado pelo governo golpista, representou fielmente a reconfiguração da dominação burguesa e imperialista no país, apontando para a recuperação das taxas de lucro e de rentabilidade e impulsionando um violento processo de centralização de capitais em setores como do varejo, agronegócio e financeiro. Estes elementos estariam presentes no governo Bolsonaro, deixando clara uma linha de continuidade.
Mas a tarefa das classes dominantes ainda não estava completa, pois haveria eleições em 2018, e o ex-presidente Lula estava liderando em todas as pesquisas de opinião. Mesmo estando muito descaracterizado em relação às suas origens populares e sindicais e à postura combativa de antes, o PT ainda se mantinha como referência em muitas bases sociais, e Lula congregava em torno de si um conjunto de apoios ainda maior na sociedade.
A Operação Lava a Jato se transformou no braço jurídico do golpe, com as delações premiadas e prisões de vários dirigentes do PT, tudo isso diariamente reportado com ênfase pelos meios de comunicação. O desfecho desse processo foi a condenação do ex-presidente e, posteriormente, sua prisão, além do impedimento de participar das eleições. A Operação Lava a Jato foi uma trama das classes dominantes, aliadas com os Estados Unidos, para afastar o líder das pesquisas da eleição. O juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba agiam abertamente para fraudar o processo eleitoral no Brasil, como depois ficou provado pela divulgação das conversas entre eles. O resultado de todo esse processo foi a eleição de Bolsonaro.
As lições são de que governos de conciliação de classe num mundo globalizado, onde as burguesias de cada país estão umbilicalmente ligadas ao capital internacional, tendem a fracassar porque não conseguem atender as reivindicações populares e, quando deixam de ser funcionais para o capital, são descartados. A experiência histórica tem demonstrado que os partidos de esquerda que realizaram alianças com a burguesia terminaram sendo cooptados pelo projeto burguês e transformados em instrumento da ordem capitalista. É praticamente impossível realizar uma política econômica e social voltada para os interesses populares sem a mobilização e o apoio organizado das grandes massas do povo e sem romper com a subordinação ao capital internacional. Essa é a natureza do fracasso dos chamados governos reformistas-progressistas na América Latina.
O significado do governo Bolsonaro
A eleição de Bolsonaro significou uma profunda derrota para a classe trabalhadora, a juventude e a população pobre porque seu governo radicalizou as políticas antipopulares neoliberais, a pauta reacionária dos costumes, as contrarreformas, o entreguismo do patrimônio público mediante as privatizações, a ofensiva contra os direitos e salários de trabalhadores e trabalhadoras, a destruição do meio ambiente, a perseguição aos indígenas e quilombolas, as agressões racistas, machistas e lgbtfóbicos, os ataques à educação pública, à ciência e a ameaça permanente às liberdades democráticas e aos direitos humanos. A emergência da pandemia veio escancarar outra face desse governo: o negacionismo científico, a campanha contra a vacina e o uso de máscaras e a propaganda de medicamentos ineficazes para o combate à Covid. As ações do governo provocaram mais de 615 mil mortes entre os brasileiros, o segundo país com mais mortos por Covid no mundo.
A eleição de Bolsonaro também revelou de maneira nítida mais uma vez que as classes dominantes brasileiras não têm escrúpulos. Basta lembrar que no passado apoiaram a ditadura e não têm nenhum problema em apoiar os bandos fascistas do governo Bolsonaro, desde que estas forças sirvam aos seus interesses econômicos e políticos. Trata-se de um governo de extrema-direita, que flerta com o fascismo e o golpe, representa o grande capital, os ricos e poderosos e é totalmente subserviente ao imperialismo. Mesmo que setores burgueses apresentem contradições pontuais com o governo, porque Bolsonaro com suas fanfarronices está atrapalhando os negócios, todos estão de acordo com a política neoliberal, as contrarreformas, o ataque aos direitos e salários de trabalhadores e trabalhadoras, a política de assalto ao patrimônio público e o saque ao fundo público.
O resultado concreto dessa política em três anos de governo foi o aumento da concentração de renda, o desemprego, o trabalho informal, a miséria e a fome. Mais de 50% da população vive em insegurança alimentar, mais de 20 milhões de brasileiros e brasileiras se encontram nas filas da fome e cada vez mais famílias se postam diante dos açougues e terminais de descarte de lixo para conseguir ossos de boi, pelancas de carne e carcaças de frango para se alimentar.
A classe dominante demonstra, mais uma vez, extrema perversidade no tratamento da questão da pobreza no Brasil, como no episódio em que os ministros da Economia e da Agricultura recomendaram que restaurantes e supermercados oferecessem restos de comida e alimentos vencidos para a população como forma de resolver o problema da fome.
A retomada das lutas nas ruas
A situação em que a população está vivendo, por outro lado, tem acirrado e tornada aberta a luta de classes no Brasil. Trabalhadores e trabalhadoras, a juventude e a população pobre não deixaram de se manifestar contra a candidatura e o governo Bolsonaro, tendo, como um dos pontos mais emblemáticos, a manifestação das mulheres na campanha do Ele Não, que reuniu centenas de milhares de manifestantes em todo o Brasil antes das eleições de 2018.
A crise sanitária, porém, fez com que as manifestações de massa fossem bruscamente interrompidas. Por mais de um ano, Bolsonaro chantageou o país com ameaças de golpe, manifestações fascistas em vários Estados, elogiando torturadores e pedindo a intervenção militar. Bolsonaro surfou nesse período na pandemia porque sabia que seus opositores estavam praticando o distanciamento social e defendendo as vacinas.
No entanto, a rápida deterioração das condições – já dramáticas – da vida da população, o reconhecimento mais generalizado da gravidade da pandemia e o avanço da vacinação permitiram que a população voltasse novamente às ruas a partir do final de maio, iniciativa na qual nosso Partido teve um papel importante, tanto no chamado às manifestações quanto na presença organizada e disciplinada nos atos convocados. Essas manifestações vêm tendo importância fundamental na conjuntura não só porque representaram a retomada da luta nas ruas, mas principalmente porque incorporaram aos protestos centenas de milhares de lutadores e lutadoras em cerca de 400 das maiores cidades do país.
Ao contrário de 2013, os atos foram organizados e dirigidos pelos movimentos sociais e populares e partidos políticos de esquerda. Os setores revolucionários conseguiram imprimir tamanha intensidade à luta nas ruas que mesmo os reformistas foram compelidos a aderir às manifestações. Contudo, guiadas por uma tática oportunista de reconciliação com a burguesia, limitada à sangria eleitoral de Bolsonaro, as forças predominantes no movimento de massas foram incapazes de travar a luta pelo impeachment de modo consistente e com independência de classe. Mesmo assim, as manifestações contribuíram para ampliar o isolamento nacional e internacional de Bolsonaro, cujos reflexos se expressam na perda de popularidade do governo. O desgaste de Bolsonaro se estende à sua família e a diversos membros de seu governo, e o relatório da CPI da Covid aumentou ainda mais esse desgaste.
No entanto, não se pode subestimar Bolsonaro e seus aliados. Seu governo ainda conta com apoio de vários setores das classes dominantes, de contingentes expressivos das camadas médias e até mesmo de setores populares incentivados por um grupo de pastores inescrupulosos de igrejas neopentecostais. Conta também com apoio de segmentos das Forças Armadas e, em especial, de setores das polícias militares e das milícias. Bolsonaro não cairá de podre. Seu governo só será derrotado se conseguirmos aglutinar um poderoso movimento de massas, que envolva grandes manifestações de rua, aliadas à paralisação da produção e da circulação.
Mesmo com o desgaste e a eventual retirada de Bolsonaro do poder pelo “impeachment”, indiciamento criminal ou pela derrota nas eleições de 2022, o chamado “bolsonarismo” tende a se manter como uma aglutinação de conservadores, negacionistas, obscurantistas, fascistas e outros grupos, com segmentos organizados e desorganizados da população. No que diz respeito aos seus interesses centrais, a burguesia segue ganhando com esse governo, que, mesmo na pandemia, já conseguiu aprovar a independência do Banco Central, a reforma da previdência, a privatização da Eletrobras e atualmente tenta privatizar os correios e aprovar a reforma administrativa.
As classes dominantes, em princípio, não têm interesse em derrubar Bolsonaro e preferem desgastá-lo até 2022 e, nesse intervalo, encontrar um candidato com viabilidade eleitoral para representá-las, compondo a chamada “terceira via”. Determinadas forças políticas, incluindo-se algumas que se situam no campo da oposição pela esquerda ao governo, no entanto, parecem também apostar no desgaste de Bolsonaro para enfrentá-lo nas eleições de 2022, deixando em segundo plano a mobilização para a sua derrubada imediata.
O PCB e as mediações táticas
O PCB busca enraizar-se junto ao proletariado, construindo-se como organização revolucionária de acordo com a vida real da população, presente em todos os organismos vivos da sociedade. As lutas pela revolução brasileira devem ser aglutinadas no Bloco Revolucionário do Proletariado, uma construção contra-hegemônica ao polo do capital, capaz de organizar o conjunto de ações transformadoras de emancipação do proletariado e pela construção do socialismo. Politicamente, esse processo se expressa na Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, pois as lutas contra a exploração, contra os monopólios econômicos e financeiros e contra o latifúndio são essencialmente lutas anticapitalistas, dado que o grande capital exerce seu domínio em todas as esferas da vida social e que as lutas de resistência de trabalhadores e trabalhadoras na defesa dos direitos e salários, por educação e saúde públicas, moradia, direitos previdenciários, mobilidade urbana, as lutas no campo, as reivindicações por acesso à informação e aos bens culturais e ao lazer se chocam com a lógica privada e do mercado.
As lutas anticapitalistas se unem à luta contra o imperialismo, pois o sistema capitalista brasileiro está associado aos centros imperialistas mundiais, e a burguesia brasileira é parte integrante e aliada do imperialismo e de seus interesses no Brasil.
A atuação do PCB se desdobra em dois movimentos táticos que se articulam: travamos as lutas defensivas das massas dos trabalhadores, das trabalhadoras e da juventude em unidade de ação com outras forças que se opõem às políticas neoliberais, na defesa das liberdades democráticas e contra o fascismo, bem como buscamos construir uma frente social e política de caráter classista revolucionária, tendo como espinha dorsal a classe trabalhadora, a juventude e os movimentos sociais e populares que, juntos, representam a absoluta maioria do povo brasileiro. O PCB mantém sua independência política, orgânica e de classe, rejeita as articulações de frentes amplas com a burguesia e não participará de governos comprometidos com o capital.
As organizações sindicais hoje hegemônicas, atualmente dirigidas pelos partidos da conciliação de classes, se institucionalizaram, perderam a combatividade e, com a eleição do presidente Lula, se transformaram em instrumentos da ordem, tendo perdido a combatividade e se burocratizado. Hoje representam um freio à luta de classes e à reorganização dos trabalhadores e das trabalhadoras. Esse processo de adaptação à ordem iniciou-se a partir da chegada do PT ao governo federal. O novo bloco do poder deixou de lado a mobilização de trabalhadores e trabalhadoras, substituindo as lutas sociais nas ruas por acordos institucionais e de gabinetes, cooptando, simultaneamente, lideranças dos movimentos sociais para controlar as ações das massas. O resultado foi o apassivamento e a despolitização dos/as trabalhadores/as e da juventude, desarmando esses segmentos para as lutas contra o capital. Esse apassivamento se refletiu na baixa mobilização para a luta contra o impeachment da presidenta Dilma.
O PCB atua no movimento de massas com Coletivos abertos à participação de pessoas que, embora alinhadas às nossas concepções, ainda não são militantes partidários. Nosso objetivo prioritário é o fortalecimento da Unidade Classista como instrumento de organização e luta no movimento sindical e popular, especialmente nas categorias estratégicas da produção e da circulação de mercadorias e serviços.
Priorizamos a participação nas entidades sindicais e nos movimentos populares e a atuação nos locais de trabalho, moradia e estudo. Defendemos a utilização de formas alternativas de organização, como a ocupação e recuperação de fábricas e empresas, de terras dos latifúndios, moradias e terrenos para a habitação, sempre buscando politizar e organizar os trabalhadores e as trabalhadoras para a luta pelo poder popular.
Apoiamos e lutamos pela realização de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, a ser construído a partir do campo sindical classista, para desenvolver a unidade de ação necessária, um programa de lutas e uma Frente ou Central Sindical classista de âmbito nacional. Os militantes do PCB e de seus coletivos participam de todos os fóruns unitários de mobilização e lutas nos Estados, buscando organizar a frente social e política classista, especialmente no interior do Fórum Sindical, Popular e da Juventude por Direitos e Liberdades Democráticas, um dos principais instrumentos para a reorganização de nossa classe.
Tem sido intenso o crescimento e o fortalecimento da União da Juventude Comunista, hoje organizada em todo o país, com presença marcante nas manifestações nacionais. O PCB busca fortalecer e expandir essa frente de luta nas universidades públicas e privadas e especialmente na juventude secundarista, com destaque para as escolas técnicas, Faetecs e institutos federais, a partir de suas entidades de base. A UJC deve reforçar e desenvolver sua atuação junto a jovens trabalhadores e trabalhadoras e atuar com intensidade nos movimentos culturais.
O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, o Coletivo Minervino de Oliveira – voltado para a luta antirracista – vêm crescendo e intensificando a sua atuação. O Coletivo LGBT Comunista vem se organizando em nível nacional. Avançamos nossa participação nas lutas dos povos indígenas e em comunidades populares. O PCB dá especial atenção ao trabalho cultural, especialmente entre os jovens e busca a aproximação com intelectuais progressistas para o fortalecimento da luta cultural e ideológica contra os valores burgueses, conservadores e reacionários.
Como partido internacionalista, o PCB empreende ações de solidariedade com todos os povos do mundo atacados pelo imperialismo e pelo fascismo, especialmente com os povos cubano e palestino, cuja resistência aos bloqueios e às sabotagens imperialistas tem sido referência para todos os revolucionários e revolucionárias do mundo.
Na luta contra o reformismo e o revisionismo, o PCB respeita a diversidade de opiniões que existem no movimento comunista internacional e busca fortalecer o bloco revolucionário em seu interior, bem como contribuir para a construção desse pólo revolucionário na América Latina e no Caribe.
O PCB participa dos processos eleitorais porque entende que esta é uma frente de luta importante, mesmo sob as condições de extrema dificuldade para os partidos revolucionários por conta do poder econômico e da legislação eleitoral cada vez mais restritiva à participação nos meios de comunicação e acesso aos fundos públicos eleitorais. Nas eleições é possível dialogar com as massas, realizando a denúncia do capitalismo, a defesa das ideias socialistas e comunistas e a apresentação de propostas e eixos de luta em defesa dos interesses da classe trabalhadora e dos setores populares contra a burguesia. São momentos em que a população está mais aberta ao debate político.
Os resultados eleitorais dos comunistas expressam, em grande parte, a inserção do Partido nos movimentos sociais e populares. A política de alianças do PCB no terreno eleitoral se realiza com os partidos do campo anticapitalista e anti-imperialista e com movimentos sociais e populares, resguardando-se a possibilidade de chapas e candidaturas próprias. O PCB considera importante eleger representantes na institucionalidade, ampliando a esfera de atuação do Partido, compreendendo que os eleitos e as eleitas devem estar a serviço da classe trabalhadora, sendo sua atuação balizada pela linha do Partido e suas resoluções políticas.
O PCB completará 100 anos de existência em 2022. O XVI Congresso do PCB reafirma o seu compromisso com a revolução brasileira e com a construção do socialismo em nosso país, na perspectiva da sociedade comunista. Lutaremos com todos os meios possíveis para a derrota da hegemonia burguesa no Brasil, pela socialização dos meios de produção e o controle do poder popular, como forma de criar a sociedade da igualdade, da fraternidade, da solidariedade, da abundância para todos e da felicidade humana: a sociedade comunista!
Viva a revolução brasileira e o socialismo!
Viva o internacionalismo proletário!
Viva o Partido comunista Brasileiro!
XVI Congresso Nacional do PCB
(Com o jornal "O Poder Popular". Destaques e novos parágrafos são meus, José Carlos Alexandre. Não custa lembrar que este jornalista não necessariamente concorda com o conteúdo total do texto aqui reproduzido)
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