A propósito das comemorações dos 110 anos de Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade aborda a Batalha de talingrado. O texto na íntegra encontra-se em O Globo, edição de  ontem
                                                
PCB e os intelectuais
 

Fernando Perlatto (*)



Surgido em 1922, logo após o bem-sucedido ciclo de  greves do período de 1917 a
1919, o PCB aparece com uma proposta de superação da práxis anarco-sindicalista e sob a
influência direta da revolução soviética. O partido não nasce, portanto, de um cisma de
intelectuais socialistas, como ocorrera em muitos países europeus, mas, pelo contrário, vem
ao mundo sem a adesão de uma intelligentsia que buscasse ampliar suas interpretações sociais
e o credenciasse à elaboração de uma interpretação  marxista do país. Abandonando para
segundo plano a reflexão teórica, o PCB guia-se nos seus primórdios mais pela prática política
do que propriamente pelo debate de idéias (VIANNA, 1988). Apesar de Astrojildo Pereira, o
principal fundador do PCB, ter sido uma personalidade intelectual, este partido não se
constituirá, a princípio, como um  lócus privilegiado de atração da intelectualidade
progressista.
Embora a emersão da classe operária e da intelectualidade enquanto atores relevantes
no processo da transição para a modernidade fizessem parte de um mesmo processo,
diretamente relacionado à crise do sistema oligárquico, ambas não se tocavam e avançavam
em linhas paralelas (VIANNA, 1983). Durante toda sua história, o espectro do “obreirismo”
rondou o PCB e o processo de “proletarização” acabou por afastar intelectuais de relevância,
como Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, da direção partidária, tendo conseqüências diretas
para a definição dos rumos do partido.
A dialética da aproximação / distanciamento será uma marca estruturante da relação
dos intelectuais e de personalidades do mundo da cultura com o PCB. Em alguns momentos, a 3
tônica da aproximação prevalecerá – como no decorrer dos anos 30 –, quando setores
significativos da intelectualidade, como Caio Prado Junior, Oswald de Andrade e Jorge
Amado, chegaram às fileiras do Partidão. Conforme destaca Celso Frederico, períodos como
aqueles entre os anos 1945-1947 – que testemunharão a entrada de Carlos Drummond de
Andrade, Monteiro Lobato, Oscar Niemeyer, entre outros – e entre o final dos anos 50 até o
golpe de 64 – após a Declaração de Março de 58, a participação na frente nacionalista das
reformas de base e a criação dos Centros Populares de Cultura da UNE, que atraíram setores
da jovem intelectualidade, como Luiz Werneck Vianna, Leandro Konder, Carlos Nelson
Coutinho, entre outros – marcarão as melhores fases da relação dos intelectuais com o PCB
(FREDERICO, 1999).
Pelo fato de ter hegemonizado a esquerda até os anos 60, o PCB aparecia como o
legítimo portador do marxismo, trazendo para suas fileiras setores importantes da
intelectualidade progressista. Ao organizar todo um espaço cultural alternativo para os
intelectuais filiados e próximos, o partido cativava figuras do meio intelectual, dentre as quais
havia aquelas que viam no partido a possibilidade da constituição de carreiras intelectuais
(RUBIM, 1988).
Porém, nem tudo foram flores. Durante a maior parte da história do PCB, a
convivência entre intelectuais e o partido foi caracterizada por intensas divergências e
conflitos. Períodos marcados pela repressão – como  após o levante de 1935, o início do
Estado Novo e o golpe de 64 – levaram o PCB à ilegalidade e contribuíram para afastar
setores da intelectualidade simpáticos a ele. Além das causas externas, convém ressaltar que
práticas internas também atuaram com peso decisivo  para complicar esta relação.
Primeiramente, convém destacar que, apesar da influência do PCB sobre a intelectualidade
brasileira, fato é que os intelectuais de prestígio não tiveram espaço no interior da estrutura do
partido, permanecendo afastados de cargos da direção (RODRIGUES, 1977). Em segundo
lugar, a fase de proletarização – do final dos anos 20 e início da década de 30 – somada à
radicalização stalinista dos anos 48-56, contribuíram para aumentar a tensão entre os
intelectuais próximos ao PCB e o partido (FREDERICO, 1999). Por fim, vale lembrar que
após o golpe de 64, alguns setores da intelectualidade distanciaram-se ou foram expulsos do
partido, se opondo à via democrática adotada pelo PCB, preferindo o caminho da luta armada
(GORENDER, 2005 e RIDENTI, 2007).
Podemos encontrar na história do PCB variados exemplos que confirmam a idéia da
difícil convivência entre intelectuais e partidos.  Astrojildo Pereira, fundador do partido,
acabou por ser afastado da organização em 1931, retornando somente mais tarde, mediante 4
um doloroso processo de autocrítica. Octávio Brandão, que exerceu enorme influência sobre
os comunistas brasileiros, sobretudo após a publicação de seu livro  Agrarismo e
Industrialismo, dedicou toda sua vida ao PCB. Carregando as alcunhas de “traidor” e
“pequeno-burguês”, enfrentando sessões de autocrítica por ter se contraposto à lógica da
“revolução soviética imediata” advinda da Internacional Comunista, Brandão nunca
conseguiu recuperar o importante papel de referência que havia desempenhado nos anos 20,
apesar de reiteradas tentativas. Caio Prado Junior também enfrentou embates significativos no
interior da estrutura partidária ao se contrapor à  idéia prevalecente da existência do
feudalismo no país, sustentada por Nelson Werneck Sodré, referendado como uma espécie de
“historiador oficial” do PCB. Carlos Drummond de Andrade e Oswald de Andrade, assim
como tantos outros, também atravessaram difíceis momentos no processo de aproximação e
distanciamento do partido.
Esta difícil relação era agravada pelo fato da estrutura centralizada do PCB ter aberto
possibilidades para interferências diretas da direção partidária sobre as atividades
desempenhadas pelos intelectuais, o que, obviamente, a muitos desagradava profundamente.
A idéia da existência de um marxismo único e verdadeiro, que tinha sua fonte nos manuais
produzidos na URSS, fortalecia a percepção da existência de um pensamento único, fora do
qual o militante corria o risco de ser acusado de “revisionista”. Essa rigidez teórica teve
conseqüências óbvias sobre setores da intelectualidade, que optaram por se afastar do partido.
Após a revelação dos crimes de Stálin, teve início  uma tímida renovação do marxismo no
país, que se não teve oposição direta da direção do PCB, também não obteve seu estímulo.
Essa renovação passou principalmente pelas revistas e jornais publicados por
intelectuais militantes do PCB.
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 Durante toda sua existência, diversos foram os aparelhos
culturais criados pelo partido ou sob sua influência, que serviram de formação e mobilização
para novos militantes, nos quais membros da intelectualidade tiveram intensa participação.
Seja através da literatura, das artes plásticas ou  de atividades cinematográficas, setores da
intelligentsia  buscavam executar uma arte que fosse revolucionária e atuasse de maneira
significativa na transformação da sociedade. Segundo Rubim, no período de sua
reorganização dos anos 1945-1947, o PCB contava com oito jornais diários e inúmeros
semanários nas principais capitais e cidades brasileiras, uma agência de notícias.
                                               
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 A Editora Civilização Brasileira, sob a liderança do intelectual comunista Enio Silveira, publicou vários livros
e editou a Revista Civilização Brasileira, desempenhando papel fundamental para o processo de renovação do
marxismo, em particular, e do pensamento da esquerda brasileira, em geral. Diversos textos seminais foram
publicados nestes espaços, trazendo reflexões de autores como Lukács e Gramsci, que até então passavam ao
largo dos cânones do PCB.  5
revistas – como a Literatura, dirigida por Astrojildo Pereira –, duas editoras, um serviço de
cine-jornal e vários outros meios de comunicação (RUBIM, 1988). É surpreendente
contrastarmos o pequeno espaço reservado à cultura nos documentos oficiais do partido com
as diversas manifestações culturais existentes na base partidária.
Convém ressaltar, entretanto, que a relação entre intelectuais e partidos se dá em via
dupla. Da mesma forma que os primeiros buscam as estruturas partidárias por variados
motivos, os partidos também se beneficiam da presença da intelectualidade e estimulam sua
participação, desde que esta se dê sob determinadas condições. O PCB fez um “uso
ornamental” – nas palavras de Carlos Nelson Coutinho e Rubim – dos intelectuais, na medida
em que se valia não tanto das suas capacidades/habilidades, mas, sobretudo, do prestígio por
eles desfrutado, visando dar credibilidade às ações do partido (CAMURÇA, 1998). A direção
do PCB valia-se de nomes como os de Niemeyer, Jorge Amado, Portinari, Graciliano Ramos,
para que estes assinassem manifestos e documentos, bem como participassem de congressos
nacionais e internacionais, de modo a proporcionar maior prestígio ao partido (PERALVA,
1960).
A difícil arte da convivência fez-se presente durante toda a história do PCB e os
intelectuais comunistas viram-se constrangidos a optar por três caminhos, todos eles com
conseqüências marcantes: a) aceitavam acriticamente as propostas do partido, seguindo suas
orientações tal qual soldados altamente disciplinados; b) permaneciam no partido, embora
fizessem críticas aos métodos e posições adotados pelo mesmo, com grande probabilidade de
não serem ouvidos ou, na pior das hipóteses, sob o  risco de sofrerem punições, como a
expulsão da organização; e 3) saírem ou serem expulsos do partido. Independente do caminho
escolhido, fato é que o PCB atuou como um importante espaço de formação política,
fornecendo para a posteridade quadros intelectuais altamente qualificados, muitos dos quais
permaneceram militando em outros espaços no período pós-redemocratização.

(*) Sociólogo. Este artigo encontra-se na internet é é parte de um texto maior em que o autor analisa a relação entre os intelectuais, o PCB e o PT. A parte referente ao PT deixamos de publicar devido ao  seu tamanho.

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