Massacre de Felisburgo completa oito anos
No dia 20 de novembro de 2004, cinco sem-terra morreram e 20 ficaram feridos após ataque de 17 pistoleiros contra um acampamento do MST; passados tantos anos, os criminosos ainda estão impunes. Julgamento de Adriano Chafik (foto), líder da ação e dono da fazenda ocupada, está marcado para o dia 17 de janeiro de 2013
O dia do Massacre foi 20 de novembro de 2004. Período: Manhã. A cidade: Felisburgo, em Minas Gerais. Local: Acampamento Terra Prometida. Saldo: Cinco homens mortos, 20 pessoas gravemente feridas, 200 famílias com suas casas e escola em cinzas, e um longo período de resistência e coragem, de luta contra a impunidade.
O dono da fazenda Nova Alegria, ocupada havia dois anos pelo Movimento dos Sem Terra, é Adriano Chafik (foto). Ele e mais 17 pistoleiros invadiram o acampamento em uma manhã de sábado atirando aleatoriamente contra os que ali viviam. Foram assassinados Iraquia Ferreira da Silva, 23 anos; Miguel José dos Santos, 56 anos; Juvenal Jorge da Silva, 65 anos; Francisco Ferreira Nascimento, 72 anos; e Joaquim José dos Santos, 48 anos, todos trabalhadores do campo.
O sobrevivente e morador do acampamento Jorge X presenciou o massacre. Ele conta que Adriano Chafik e os pistoleiros não queriam conversar, já chegaram atirando. “Eles estavam muito bem armados, os que tinham menos armas, tinham duas”, revela. Ele conta que o episódio não durou muito.
Após pouco tempo já se viam corpos no chão, muitos feridos e um cenário de horror no acampamento. “Eles estavam tão bem organizados, foi tão premeditado, que depois dos tiros eles voltaram e de lá de cima, já saindo, eles atiraram de novo. A turma ia rodando e atirando, rodando e atirando, todos juntos”, relata Jorge. O massacre foi finalizado com o incêndio dos barracos, incluindo a escola da comunidade.
Nos dias que se seguiram ao do massacre, os moradores do acampamento Terra Prometida receberam visitas de apoiadores, políticos e jornalistas de todo o país. A repercussão do caso chegou até outros países, de onde vieram diversos tipos de manifestação de apoio. Um dos dirigentes do MST em Minas Gerais Silvio Netto conta como foram os primeiro passos de mobilização. “A luta pela Reforma Agrária não é uma luta só dos camponeses, é uma luta de todo o conjunto da sociedade. Por isso, o MST convocou toda a sociedade pela condenação de Adriano Chafik e em denuncia àquilo que vinha acontecendo.”
O então Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto foi até Felisburgo e chegou a dar um emocionado depoimento: “Trata-se de um crime absolutamente brutal e premeditado. Nesse momento, o governo federal e todas as nossas estruturas de segurança estão colaborando com as estruturas estaduais para responsabilizar os criminosos. A expectativa é que, em curto prazo, os responsáveis sejam identificados. Não há nenhuma hipótese de impunidade frente a casos como esse”.
Os pistoleiros e Adriano Chafik foram presos logo após o ocorrido, quando o latifundiário confessou em depoimento ter participado do massacre. Mas poucos dias depois foram postos em liberdade. Hoje, oito anos após o ocorrido, os criminosos ainda estão impunes. Recentemente, o julgamento de Adriano Chafik foi marcado para o dia 17 de janeiro de 2013.
O dirigente do MST conta que foram feitas diversas investidas para a punição dos culpados, mas explica que Chafik tem um aparato de advogados forte, o que vem garantindo esses anos de impunidade. O movimento, porém, também obteve conquistas. O julgamento, que seria na comarca de Felisburgo, foi marcado para a cidade de Belo Horizonte.
“No entendimento do Ministério Publico, se Adriano Chafik fosse julgado em Felisburgo teria muito mais chance de sair impune, devido ao seu poderio econômico e influência política que o ajudaria no julgamento”, declara Silvio.
Sobre os 17 pistoleiros, ele explica que todos já foram acionados e seus julgamentos não serão realizados juntamente com o de Chafik. Alguns já estão mortos, e outros foragidos, mas Silvio acredita que a partir da condenação de Adriano Chafik, eles devam ser julgados condenados um a um.
O acampado e membro do MST, Jorge X, diz que durante os dois anos de acampamento que antecederam massacre, as famílias já haviam sido ameaçadas diversas vezes, tendo alguns de seus membros sido perseguidos nos meses prévios ao ataque. Ao longo deste tempo, diversos setores do poder público da cidade de Felisburgo foram alertados, mas em nenhum momento se mostraram estar do lado dos trabalhadores. Ainda assim, o massacre aconteceu.
Violência no campo, uma realidade
Este não é o primeiro caso de violência no campo que segue impune. Casos como o Massacre de Eldorado dos Carajás, em que 19 sem-terra foram assassinados e os culpados seguem em liberdade, retratam o cenário.
“A nossa história é marcada por essa pratica das elites brasileiras de combater com o isolamento, com a criminalização e com a truculência das armas aqueles que ousarem se organizar e lutar contra elas.
São muitos os históricos de massacre, mas também é uma realidade de hoje”, aponta o dirigente. Silvio conta que Minas Gerais sofre com a violência no campo em diversas regiões. No Triângulo Mineiro há a presença de milícia armada, carros da Polícia Militar usam o emblema do sindicato patronal dos latifundiários para, em plena luz do dia, combater trabalhador.
“No Norte de Minas e vale do Jequitinhonha temos o caso de Felisburgo. Mas em outras regiões nós continuamos enfrentando os pistoleiros e jagunços”, afirma Silvio, que exemplifica com o caso do Brejo dos Crioulos, que recentemente foi palco de mais assassinatos por conta de que um decreto quilombola não é respeitado pelo latifúndio, que se juntou a pistoleiros para matar quilombolas. O membro do MST ainda conta que a criminalização pode ter outras vias. “No Sul de Minas enfrentamos cotidianamente o Poder Judiciário que, orientado pelo agronegócio e pelo latifúndio, não permite nenhum tipo de avanço na organização dos trabalhadores, seja sindical ou seja no campo”, aponta.
Questões da terra
Em maio de 2002, quando foi realizada a ocupação da fazenda Nova Alegria, o Instituto de Terra de Minas Gerais (ITER) já havia decretado 567 hectares da propriedade como terra devoluta, que é propriedade do Estado e a ele deve ser devolvida.
A ocupação foi realizada para questionar e pressionar o governo sobre a decisão do ITER, além de todo o restante da fazenda não estar cumprindo sua função social, ou seja, produzir respeitando as legislações trabalhistas e ambientais.
A partir da ocupação, o MST iniciou um processo de negociação com o governo do Estado de Minas Gerais e o governo federal. Somente cinco anos após o massacre, em 2009, o então presidente Lula assinou um decreto de desapropriação da Fazenda Nova Alegria por crimes ambientais. Sendo o primeiro no país com tal motivação, não há regulamentação devida no Poder Judiciário. Assim, o latifundiário Adriano Chafik questionou o documento, que tramita no Supremo Tribunal Federal, até hoje sem resposta.
O Terra Prometida hoje
Tendo voltado ao território poucas semanas após o massacre, vivem lá atualmente apenas 62 famílias, do que teve início com mais de 200. Os trabalhos foram retomados, e assim também foi a vida dos acampados.
A moradora do acampamento e dirigente regional do MST, Kely Gomes Soares, tinha apenas 15 anos quando tudo aconteceu. Desde então, se organiza e luta no movimento pela justiça e dignidade das famílias. “Depois que aconteceu o massacre, nós conseguimos voltar para a fazenda e levantar nossa bandeira e começar a trabalhar. Mas foi um movimento de resistência nossa, e é até hoje. São dez anos morando embaixo de um barraco, porque até hoje não conseguimos nossa terra de direito”, conta.
Kely reconhece que ainda há muitas dificuldades. Ela conta que pessoas acordam chorando, muitos tomam remédios controlados por problemas de insônia e depressão, alguns não resistiram e se tornaram alcoólatras para fugir do pesadelo e diversos outros casos. “Nós não temos a imissão de posse da terra, então, estamos em uma terra insegura. Sofremos ameaças até hoje, Adriano Chafik e os pistoleiros estão soltos. Dois pistoleiros moram na cidade de Felisburgo, então somos obrigados a conviver com eles”, mostra.
“Mas há muita coisa bonita”, diz. Hoje, o Terra Prometida se organiza em três grupos de moradia. Estão sendo montadas agrovilas para a melhoria da qualidade de vida no acampamento e fortalecimento da resistência. O acampamento tem um grupo de teatro e uma escola, onde são realizadas aulas de alfabetização e Educação de Jovens e Adultos.
Todo o trabalho dos moradores, na terra e artesanal, resulta em mercadorias que abastecem a maior parte do mercado de Felisburgo. Ali é produzido mel de abelha, licores, hortaliças e outros alimentos. “As famílias que estão lá saíram da extrema pobreza e hoje, apesar de tantos conflitos e ameaças que ainda ocorrem, estão lá trabalhando, criando seus filhos. Estamos lá resistindo, produzindo, construindo nossa dignidade”, declara Kely.
Luta pela punição do assassino
A sociedade civil está se mobilizando para fazer do julgamento de Adriano Chafik, já marcado para acontecer em Belo Horizonte no dia 17 de janeiro de 2013, um grande evento pela Reforma Agrária e contra a impunidade no campo. Foi criado o comitê Justiça Para Felisburgo que une diversos setores da sociedade que se indignam com a violência e estão se mobilizando para a realização de diversas atividades durante o julgamento.
“O Massacre de Felisburgo hoje motiva as famílias a fazer de forma mais qualificada e mais forte a luta, e ao mesmo tempo é um oportunidade para denunciar a falta de política de Reforma Agrária e a impunidade no campo. No período do julgamento, o MST se compromete a fazer a maior luta de sua história em Minas Gerais para condenar Adriano Chafik, desapropriar de fato a fazenda Nova Alegria e avançar na Reforma Agrária no estado”, conclui o dirigente do movimento. (Com o Brasil de Fato)
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