EUA/CUBA: QUE MUDANÇAS?



                                                          

Rémy Herrera [*]


O presidente Barack Obama começou o seu discurso histórico de 17 de Dezembro de 2014 por isto: reconhecer que a política conduzida desde há meio século por Washington "em relação ao povo de Cuba fracassou em fazer avançar os interesses dos Estados Unidos". Ou, para ser mais preciso, segundo ele, "a abordagem" (ou seja, o método escolhido, os meios postos em marcha) é que se revelou ineficaz para atingir o objectivo que o governo estado-unidense se havia fixado. E que ele continua a fixar-se. Este objectivo (por que teria ele mudado?) é a destruição da revolução cubana. 

Relações conflituosas ou pontos de vista conciliáveis? 

Uma revolução entrada, desde de 1º de Janeiro de 2015 no seu 57º ano, simultaneamente anti-imperialista e anti-capitalista, que desafiou as lei da história instalando um socialismo original a 90 milhas [145 km] dos Estados Unidos. Que soube resistir só, que provou ao mundo que é possível uma alternativa ao capitalismo e que se propagou na América Latina, da Venezuela à Bolívia, onde outras revoluções estão em curso, reclamando-se, também elas, do socialismo.

Esta confissão de impotência do presidente B. Obama é, em si, uma vitória para Cuba. A libertação dos três últimos cubanos que ainda estavam presos nos Estados Unidos e a reunião dos cinco heróis anti-terroristas cubanos em Cuba após mais de 15 anos de detenção ampliou e encheu de alegria esta vitória. 

Como é altamente provável que o objectivo do governo tão pouco tenha mudado, que ele se mantenha o mesmo de antes da declaração feita pelo presidente Raúl Castro em 17 de Dezembro – a saber, garantir ao povo cubano os direitos adquiridos da sua revolução (segurança, saúde, educação, concepção ampla dos serviços públicos...), procurar soluções para os problemas básicos da vida quotidiana, criar empregos satisfatórios para a juventude... –, é também muito provável que os pontos de vista dos Estados Unidos e de Cuba sejam inconciliáveis. 

Assim será, pelo menos, por tanto tempo quanto o povo cubano continue a demonstrar seu apoio à direcção da revolução e seu apego ao projecto socialista. E enquanto a população estado-unidense – como igualmente aquelas dos outros países do Norte em geral – aceite ver seus próprios dirigentes comportarem-se como representantes dos interesses da finança e, para melhor servir esta última, lançar seus exércitos numa guerra permanente contra o Sul (e o Leste). 

Sabe-se que as relações entre os Estados Unidos e Cuba caracterizam-se, desde há muito, e bem antes de 1959, pela sua dureza. Estes dois países têm histórias (e geografias) estreitamente ligadas [1] . Foi sob o constrangimento destas relações que a revolução cubana teve de realizar seus avanços. Ao invés de se limitar a um resíduo da confrontação Leste-Oeste, o conflito que opõe Cuba aos EUA deve ser encarado sob o prisma das relações bilaterais. São elas que explicam o tratamento diferente reservado à ilha em relação a outros países que continuam reivindicar o socialismo (China, Vietname, ...). 

E que explicam a longevidade da agressividade de Washington. Uma agressividade que adopta a forma do terrorismo de Estado: tentativas de assassinato de dirigentes cubanos (mais de 630 visando Fidel Castro), actos terroristas conduzidos pela CIA e pelos exilados contra-revolucionários de Miami (contra um avião de carreira da Cubana de Aviación em 1976, escolas em 1981, hotéis em 1997, ...), além de múltiplos ataques biológicos contra a população, o gado, as culturas. E mesmo uma invasão mercenária (na Baía dos Porcos em 1961) e uma ameaça de conflagração nuclear (a crise dos mísseis em 1962)! 

Condições de um restabelecimento das relações diplomáticas... 

Ainda assim, será preciso aprender a coexistir. E para isso, que sejam satisfeitas determinadas condições. Primeiro, que a retirada de Cuba da lista dos "State Sponsors of Terrorism" se torne realidade – e não apenas mais uma declaração de intenção de B. Obama. No momento em que são escritas estas linhas, Cuba, que, como acabámos de recordar, desde 1959 sofre sem interrupções o terrorismo dos Estados Unidos, figura sempre no número dos "Estados que apoiam o terrorismo", ao lado do Irão, do Sudão e da Síria, conforme os critérios do Departamento de Estado.

A seguir, para que as negociações prossigam, a administração estado-unidense deverá consentir a levantar os obstáculos ao funcionamento da Secção de interesses cubanos em Washington, nomeadamente deixando-a efectuar no imediato as operações bancárias normais e necessárias ao tratamento do dossiers da comunidade originária de Cuba que vive nos EUA, como se verificava ainda há alguns meses.

Há mais de 400 mil residentes estado-unidenses de origem cubana que a cada ano visitam a ilha. Finalmente, Washington deverá dar garantias sólidas quanto ao respeito estrito das convenções internacionais por parte dos seus diplomatas e funcionários colocados na Secção de interesses em Havana. 

O ex-conservador Paul Craig Roberts já preveniu: na medida em que o dólar tentará tomar o controle da economia, "a embaixada americana será o ponto de apoio dos agentes da CIA para subverter o governo cubano, fornecerá a base a partir da qual os Estados Unidos implantarão ONGs que no momento oportuno convocarão os membros crédulos para manifestações de rua, como se viu em Kiev, e tornarão possível a maquilhagem de uma série de novos líderes políticos". Na sua carta de 26 de Janeiro de 2015, Fidel Castro também preveniu: "Não tenho confiança na política dos Estados Unidos...". 

... às condições de uma normalização destas relações 

Se estas condições forem reunidas, será possível um restabelecimento das relações diplomáticas. Mas não de uma normalização. Para avançar neste sentido, condições mais decisivas e pejadas de consequências serão exigidas. Em primeiro lugar, que tenha fim o bloqueio, tal como o reclama a quase totalidade dos membros da ONU, mas também que indemnizações sejam dadas a Cuba para compensar o que este lhe custou. 

Os intercâmbios entre os dois países poderão então operar em todos os sectores e não unicamente nas telecomunicações, nas quais tanto insiste a presidência dos Estados Unidos com o objectivo evidente de acelerar os fluxos de propaganda anti-comunista difundidos de Miami para a ilha pelas ondas de rádio e pelos canais de televisão piratas. Depois, é a adesão do povo cubano ao socialismo que deverá ser tolerada por Washington. E em Havana Raúl Castro reiterou, apenas três após os 17 de Dezembro, diante da Assembleia Nacional do Poder Popular: "o sistema económico que prevalecerá continuará a repousar sobre a propriedade socialista de todo o povo sobre os meios de produção". 

Restará finalmente satisfazer uma reivindicação fundamental: restituir a parte do território cubano ocupada pelos Estados Unidos desde há mais de um século, Guantánamo. Barack Obama foi recentemente constrangido a reconhecer a evidência: a base naval de Guantánamo, zona de não-direito, não serve aos democratas Estados Unidos "senão" como centro de tortura.

Recordar-se que ele havia outrora prometido encerrar esta prisão. Em contrapartida ele não disse nem uma palavra sobre a restituição a Cuba deste território que é seu. A ovação que em 28 de Janeiro último acolheu, aquando da 3ª conferência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e das Caraíbas (CELAC), o discurso do presidente Raúl Castro formulando estas exigências foi suficiente para ilustrar a muito ampla solidariedade que a revolução cubana conseguiu construir em torno de si. Hoje, sobre todas estas questões – levantamento do bloqueio, não-ingerência nos assuntos de países terceiros e respeito da soberania nacional, encerramento da base militar estado-unidense e restituição de Guantánamo – são claramente os Estados Unidos, e não Cuba, que estão isolados no cena internacional. 

O processo iniciado, devendo conduzir do restabelecimento à normalização das relações cubano-estado-unidenses, não está portanto senão nos seus primórdios. Levará tempo, tal como as negociações em curso, para chegar a um diálogo de igual para igual. Aquelas e aqueles que mais uma vez imaginavam a revolução cubana derrotada deverão ainda esperar; e reflectir no facto de que o mundo está em vias de mudar, muito profundamente. E talvez também na ideia de que a actual hegemonia estado-unidense, financiarizada e militarizada, não é ela própria todo poderosa, nem eterna...

[1] Convidamos o leitor a reportar-se a vários livros do autor: Os avanços revolucionários da América Latina (Avante, 2010);   Les Avancées révolutionnaires en Amérique latine (Parangon, 2010);   e Cuba révolutionnaire – 2 tomes (L'Harmattan, 2006 et 2003). 

[*] Investigador do Conseil National de Recherche Scientifique (CNRS) 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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