Noventa anos de Elizabeth Teixeira comemorados na Paraíba
Elizabeth Teixeira: 90 anos de luta
Renata Ferreira
"Elizabeth Teixeira é a face feminina das lutas camponesas da metade do século passado. Junto ao marido, João Pedro Teixeira, fundou, no município de Sapé (PB), o maior sindicato de trabalhadores agrários do país até então"
Ela abriu mão do conforto para viver o amor ao lado de um trabalhador pobre e analfabeto. Com ele, formou família e ajudou a construir a história do movimento sindical agrário no Brasil. A paraibana Elizabeth Teixeira é a face feminina das lutas camponesas da metade do século passado. Junto ao marido, João Pedro Teixeira, fundou, no município de Sapé (PB), o maior sindicato de trabalhadores agrários do país até então. E assumiu a liderança do movimento depois do assassinato dele, em 1962.
A trajetória de Elizabeth foi lembrada na próxima sexta-feira (13/2), quando ela completou 90 anos de vida. A celebração ocorreu no Memorial das Ligas Camponesas, fundado no antigo sítio onde a camponesa viveu com João Pedro e os 11 filhos, no distrito de Barra das Antas, em Sapé (município a 65 quilômetros da capital do Estado, João Pessoa).
O imóvel de sete hectares foi tombado em 2012 pelo governo do Estado da Paraíba e transformado em um espaço de resgate da memória e homenagem aos trabalhadores que dedicaram a vida a lutar por dignidade no campo e reforma agrária.
No sábado (14/2), houve o lançamento do documentário "A família de Elizabeth Teixeira", do cineasta Eduardo Coutinho, morto em 2014 e diretor de “Cabra Marcado para Morrer”, obra que conta a história de João Pedro, Elizabeth e das ligas camponesas do Nordeste. O lançamento do documentário foi no Centro de Formação João Pedro Teixeira, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, no município de Lagoa Seca (PB).
Prisão e fuga
Depois da morte de João Pedro, em 2 de abril de 1962, Elizabeth assume a liderança do movimento, ao lado de nomes como Pedro Fazendeiro e Nego Fuba. Foi presa por várias vezes e, numa delas, retorna à casa para se deparar com a tragédia do suicídio da filha mais velha, Marluce, que não suportou conviver com a possibilidade de a mãe ter o mesmo destino do pai.
Em 1964, com a instalação do regime militar, Elizabeth é presa pelo Exército e passa oito meses na cadeia. Na volta, precisa fugir para não ser morta. Esconde-se na cidade de São Rafael, no interior do Rio Grande do Norte, com apenas um dos 11 filhos – Carlos, que é rejeitado pelo avô por se parecer muito com o pai. Passa 17 anos afastada da família, vivendo com a identidade de Marta Maria da Costa.
Isso até 1981, quando o cineasta Eduardo Coutinho resolve retomar as gravações de “Cabra Marcado para Morrer”, interrompidas pela truculência da ditadura. Por intermédio de um dos filhos de Elizabeth, Coutinho reencontra a líder camponesa e conclui o trabalho. A viúva de João Pedro vem, então, morar em João Pessoa, no bairro de Cruz das Armas, em uma casa que lhe é presenteada pelo próprio Eduardo Coutinho.
Heranças da luta
As ligas camponesas e a história de João Pedro e Elizabeth são lembradas não apenas como registro histórico. A luta chegou aos dias atuais, trouxe heranças e desafios futuros. Embora a sonhada reforma agrária ainda não tenha se concretizado, o homem do campo está consciente dos próprios direitos e busca cada vez mais organizar-se em cooperativas e associações para potencializar ações e iniciativas.
Para o presidente do Memorial das Ligas Camponesas, o agricultor Luiz Damázio de Lima (o Luizinho), os líderes João Pedro e Elizabeth Teixeira deram o primeiro passo, mas a luta camponesa continua se atualizando. E várias são as heranças desse movimento. Uma delas, segundo Luizinho, é o crescimento da organização dos pequenos produtores.
Ele cita a experiência da Ecovárzea (Associação dos Agricultores e Agricultoras da Várzea Paraibana), uma entidade que reúne cerca de 300 assentados. “Esse tipo de iniciativa nasceu com as ligas”, afirma. Juntos, os pequenos produtores são mais fortes do que se estivessem trabalhando de forma independentes.
No caso da Ecovárzea, eles optaram por um modelo de cultivo limpo e saudável: a agroecologia. Longe dos agrotóxicos e aditivos químicos, os trabalhadores ganham em qualidade de vida e levam verduras, hortaliças e frutas de melhor qualidade ao consumidor. A comercialização é feita sempre às sextas-feiras, na UFPB, e a estimativa de venda é de R$ 7 mil a R$ 8 mil por semana
Segundo Luizinho, a Paraíba já conta com 45 feiras de pequenos produtores com a da Ecovárzea. “Não são todas agroecológicas, mas isso já demonstra o processo organizativo dos agricultores”. Nessas feiras, são comercializadas entre 90 e 100 toneladas de produtos semanalmente. “Isso dá uma rentabilidade imensa”, afirma.
"As ligas camponesas e a história de João Pedro e Elizabeth são lembradas não apenas como registro histórico. A luta chegou aos dias atuais, trouxe heranças e desafios futuros"
Outra herança das ligas, segundo o agricultor, está no maior acesso à educação. “Hoje temos filho de agricultor fazendo Pedagogia, Enfermagem, Ciências Agrárias, Agroecologia, Agronomia, por exemplo. Nossos filhos estão lutando para conquistar um espaço na universidade”, garante. “Há uma quantidade muito grande de jovens do campo que estão conseguindo sua formação e estão atuando em cooperativas e associações”, reafirma a professora da UFPB, Fátima Rodrigues, que é colaboradora do Memorial das Ligas Camponesas.
Ela e Luizinho citam ainda como ganhos decorrentes das ligas camponesas o maior acesso à saúde e o crescimento da participação e do protagonismo das mulheres nas ações das comunidades rurais.
“Ainda precisamos melhorar bastantes, por exemplo, ampliando a assistência médica, as políticas públicas para os jovens, a infraestrutura, as escolas”, afirma Luizinho. E para se alcançar essas melhorias, segundo ele, é necessário que o homem do campo continue ciente da importância do processo organizativo.
Sobre qual conquista seria a mais difícil de alcança, Luizinho se mostra convicto: “difícil é conquistar a consciência da sociedade em apoio a essa luta”, declara. Para ele, o aniversário de Elizabeth Teixeira é a consagração de 90 anos de luta. “Ela não começou a lutar depois de casada com João Pedro, mas quando nasceu. Ela enfrentou o próprio pai, que era latifundiário. Essa celebração é uma honra para nós. Se João Pedro é o cabra marcado para morrer, Elizabeth é a mulher marcada para viver”, declara.
Marchemos para o futuro sem temer quaisquer desafios
João Stédile (líder nacional do MST): A espoliação dos camponeses tem raízes desde o período colonial.
Agassiz Almeida: Viver é o constante encontro e desencontro com os homens e as circunstâncias.
Luiz Couto: O latifúndio fez do Brasil capitanias hereditárias.
Organizado pelo Memorial das Ligas Camponesas de Sapé, e com apoio de universidades, sindicatos, entidades defensoras dos direitos humanos, realizou-se em Barra de Antas, Sapé, Paraíba evento comemorativo pelo transcurso dos 90 anos da líder camponesa Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, assassinado em abril de 1962.
Vindos das mais variadas regiões do Nordeste, camponeses e líderes sindicais se deslocaram a fim de homenagear Elizabeth Teixeira, símbolo da luta pela reforma agrária no país. Personagens históricos das lutas camponesas estiveram presentes, entre eles, João Stédile, líder nacional do MST, deputado federal Luiz Couto, ex-deputado federal constituinte Agassiz Almeida, deputado Frei Anastácio, Edival Cajá e Anacleto Julião.
As comemorações iniciaram-se com o coral da UFPB cantando, sob a batuta do maestro Geraldo Menucci, o hino das Ligas Camponesas, com letra de Francisco Julião, acompanhado pela Orquestra Santa Cecília, de Sapé.
Antônio Alberto Pereira, um dos coordenadores do evento e professor na UFPB disse: Neste momento, vamos demonstrar a nossa gratidão por todos os que lutaram pela reforma agrária.
Oradores marcados por suas lutas em defesa dos camponeses e dos direitos humanos discursaram. João Stédile disse: A luta pela reforma agrária teve nas ligas camponesas lições de coerência e resistência, tão bem personificadas em João Pedro Teixeira, Pedro Fazendeiro, Francisco Julião, Nego Fuba e Elizabeth Teixeira.
Luiz Couto acentuou: Desde o período colonial que o latifúndio fez verdadeiros feudos, através de ocupações de vastas extensões de terra. A nossa luta simbolizada em Elizabeth Teixeira é contra a opressão que esmaga os camponeses do país.
O deputado Frei Anastácio, um vigilante lutador pelos camponeses, ressaltou: Desde os meus anos de mocidade estou incorporado nas lutas dos camponeses. Elizabeth Teixeira, como tantos outros vultos que marcaram a nossa recente história, dentre eles Dom Helder Câmara, Dom José Maria Pires, Gregório Bezerra, Agassiz Almeida, Francisco Julião, João Pedro Teixeira e Pedro Fazendeiro deixaram os seus exemplos de dedicação à causa camponesa, e recentemente este imbatível lutador João Stédile.
Encerrando, discursou o ex-deputado federal constituinte Agassiz Almeida: Companheira Elizabeth Teixeira, em nome dos resistentes e sofridos camponeses, ofereço esta lembrança emoldurada em madeira do Cristo Crucificado. Dele se irradia a luz da verdade para a consciência dos justos e dos homens que labutam nos campos.
Sob esta visão temos abraçado a causa que possibilita aos camponeses o imperativo direito de um pedaço de terra para trabalhar.
Desde o final da década de 1950, como deputado estadual, assumi a causa da luta pela reforma agrária. No trágico 2 de abril de 1952, as garras do latifúndio assassinaram João Pedro Teixeira; no dia seguinte, requeri CPI a fim de apurar os mandantes e executores do traiçoeiro crime. O golpe militar de 64 libertou e escancarou o poder aos covardes homicidas do imolado líder pela causa agrária, João Pedro Teixeira.
Neste momento, valente Elizabeth Teixeira, os teus anos se confraternizam com o hoje e o passado e bradam: marchemos para o futuro sem temer quaisquer desafios.
(Com a assessoria do escritor Agassiz Almeida e com Caros Amigos)
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