A lei de terras é último prego no caixão da solução de dois Estados
Jonathan Cook (*)
O parlamento israelita aprovou uma lei que “legaliza” toda a criminosa apropriação de terra palestina na Cisjordânia que há décadas vem fazendo. O que Israel pretende com esta lei é dar um passo no sentido da anexação formal. Os colonatos em território ocupado constituem um crime de guerra à luz do direito internacional, mas a extrema-direita sionista não tem razões para temer sanções.
Na noite de segunda-feira o Parlamento israelita aprovou a lei de legalização, uma peça de legislação tão suspeita como seu próprio título indica. A lei amplia as competências dos responsáveis israelitas para apropriar os últimos fragmentos de terra palestina na Cisjordânia que se supõe estarem fora dos limites.
Os líderes palestinos advertiram que a lei martelou o último prego no caixão de uma solução de dois Estados. Os ministros do Governo estiveram alegremente de acordo. Para eles esta é a extensão da lei israelita à Cisjordânia e o primeiro passo no sentido da sua anexação formal.
A lei de legalização - também traduzida em hebreu comum como a lei de regulação ou validação - foi a contundente resposta da direita ao desalojamento na semana passada de poucas dezenas de famílias de um “posto avançado” no colonato chamado Amona. Foi um revés raro e breve para os colonos, provocado por uma decisão judicial que demorou três anos a ser cumprida.
A evacuação de 40 famílias transformou-se numa dispendiosa peça de teatro político de 40 milhões de dólares. Foi coreografada como um trauma nacional para garantir que tal evento nunca se repita.
Os uniformes usados pela policia nas demolições de habitações palestinas - pistolas, bastões, coletes anti-bala negros e viseiras – foram arrecadados longe. Em troca os agentes, vestidos com amistosas camisetas azuis e bonés gorras de beisebol, trataram com luvas de seda os transgressores da lei judia, mesmo quando tiveram que enfrentar uma chuva de pedras, lixivia e garrafas. No final dezenas de agentes necessitaram de tratamento hospitalar.
Enquanto os confrontos se desenvolviam Naftali Bennett, ministro da Educação e líder do partido dos colonos Lar Judeu, tratou as famílias de Amona de “heróis”. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfatizou: “Todos estamos conscientes da magnitude da sua dor”.
Foi prometida aos colonos uma solução de realojamento ampliada e serão generosamente compensados. Numa reparação mais generalizada foram dados a conhecer planos de milhares de habitações adicionais para colonos na Cisjordânia.
Mas o prémio principal para o senhor Bennett e a extrema-direita era a própria lei de legalização, que reverte a restrição imposta na década de 1970 - e posteriormente violada pela dos “postos avançados” como dezenas de Amona - delineadas para evitar um “vale-tudo” por parte dos colonos.
O direito internacional é claro: uma potência ocupante pode tomar terra apenas para necessidades militares. Israel cometeu um crime de guerra com a transferência de mais de 600.000 civis judeus para os territórios ocupados.
Os sucessivos governos ignoraram as suas obrigações legais ao pretender que os territórios estavam em disputa e não ocupados. Mas para acabar com o mal-estar dos tribunais israelitas os funcionários acordaram proibir aos colonos construção em terrenos de propriedade privada de palestinos.
Não era nem de longe uma restrição. Sob a lei otomana e os domínios britânico e jordano, uma grande parte da terra palestina nunca havia sido formalmente registada. A propriedade deriva principalmente do seu uso. Grande parte da restante terra era comum.
Israel capturou estas vastas extensões que careciam de títulos de propriedade declarando-as “terras do Estado” para as tratar efectivamente como parte de Israel e de uso exclusivo para o colonato judeu. Mas mesmo esta gigantesca apropriação de terras não era suficiente.
A fome territorial dos colonos levou à construção de dezenas de “postos avançados” na Cisjordânia, frequentemente em terra palestina privada. Apesar do facto de violarem a lei israelita os postos receberam imediatamente serviços do Estado, desde electricidade e água a meios de transporte e escolas.
Muito tardiamente, os tribunais traçaram uma linha em Amona e exigiram que a terra fosse devolvida aos seus proprietários palestinos. A lei de legalização sobrepõe-se aos juízes, o que permite que terras privadas roubadas aos palestinos sejam branqueadas como propriedade do Estado israelita.
O promotor público de Israel negou-se a defender a lei, ¿Irá o Supremo Tribunal aceitá-la? Possivelmente. O objectivo das cenas “traumáticas” em Amona foi apresentar o Tribunal como o vilão deste drama por ter ordenado o desalojamento.
Não obstante a lei de legalização poderá deparar-se com contrariedades.
Nunca houve na prática um limite sério para o roubo da terra palestina. Mas agora, com a lei, o apoio do Governo de Israel ao saque estará à vista. Será impossível culpar os postos avançados de colonos como “delinquentes” ou afirmar que Israel está a tratar de salvaguardar os direitos de propriedade palestinos.
Dan Meridor, ex-ministro do Governo do partido Likud de Netanyahu, designou a lei de “má e perigosa”. Israel, acrescentou, apenas pode ter jurisdição sobre a terra palestina privada se os palestinos votarem o Parlamento de Israel. Em poucas palavras, trata-se de anexação por outros meios. Fecha-se a porta a qualquer tipo de Estado palestino.
Com o tempo, acrescentou, trará consequências não desejadas. Em lugar de tornar legais os postos avançados, sublinhará a natureza criminosa de todos os colonatos, incluídos os de Jerusalém Leste e os chamados “blocos de colonatos”, áreas cuja anexação a Israel anteriores administrações estado-unidenses insinuaram poder aceitar num futuro acordo de paz.
O outro grande perigo foi apontado pelo líder opositor Isaac Herzog, “O comboio que sai deste ponto terá apenas uma paragem, em Haia”, disse, referindo-se à sede do Tribunal Penal Internacional.
Se os promotores do TPI levam a sério as suas obrigações, a lei de legalização aumenta significativamente a pressão sobre eles para processar os responsáveis israelitas - incluindo Netanyahu - por cumplicidade no crime de guerra de estabelecer e encorajar os colonatos.
(*) Jonathan Cook é jornalista e escritor britânico, radicado em Nazareth
Fonte: http://www.jonathan-cook.net/2017-02-07/land-law-is-final-nail-in-the-two-state-solution-coffin/
(Com odiario.info)
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