Argentina, 6 de abril: greve geral de alcance histórico
Roberto Ramírez, de Buenos Aires para o Correio da Cidadania
11/04/2017
Duro golpe no governo neoliberal
A greve nacional de quinta-feira passada, 6, na Argentina foi histórica, pelas suas dimensões e também alcances e prováveis consequências políticas. Argentina tem uma longa tradição de greves gerais, assim como de jornadas de mobilização que contribuíram para a queda de governos nacionais e provinciais, ou ainda de enfraquecimentos que marcaram o início da “ladeira abaixo”.
Nem todas as greves gerais da Argentina foram iguais. Esta do dia 6 se diferenciou por sua massividade, e não só em Buenos Aires, mas também nas cidades do interior do país. As parcelas mais profundas dos trabalhadores expressaram de forma contundente sua raiva crescente contra um governo no qual muitos votaram, por acreditar em promessas como “pobreza zero”, um slogan do qual hoje tiram sarro abertamente até os próprios ministros do presidente Macri.
Por isso a greve geral não veio sozinha. Foi coroação de seis históricas jornadas de mobilizações durante o último mês e meio. Algumas delas como nas marchas de professores ou a jornada de 24 de março (celebração anual da luta contra a ditadura militar de 1976-82), reuniram centenas de milhares de manifestantes. Só em Buenos Aires, sem levar em conta as numerosas e concorridas mobilizações no interior do país, calcula-se em mais de 300 mil manifestantes que desfilaram até a Plaza de Mayo, tradicional centro de convergência dos protestos na Argentina.
Tudo, somado ao caráter avassalador da greve de 6 de abril em todo o país, abriu novas perspectivas, que apontam para mudanças na situação política nacional. Concretamente, o governo da direita neoliberal do bilionário Mauricio Macri está ameaçado de ver aberta uma crise política de consequências difíceis de prever...
É que o governo de Macri não só começa a sofrer os efeitos do crescente descontentamento pelos imparáveis aumento de preços, ao mesmo tempo em que tenta congelar salários, como também por muita gente culpá-lo pelo desemprego que se agrava.
Frente a essas nuvens tormentosas que ameaçam abrir uma crise política que pode colocar em jogo sua continuidade, Macri atua como um “autista”. Podem se fazer muitas coisas diante dessa grande greve nacional, menos ignorá-la. Mas esse parece o caminho escolhido por Macri e sua equipe.
Inclusive sua jogada de reprimir os piquetes de greve levados adiante pela esquerda o ativismo sindical deu errado. Porque se finalmente conseguiu despejar os piquetes de algumas estradas, isso aconteceu quando os manifestantes já estavam se retirando. Já tinham conseguido seu objetivo de paralisar totalmente o transito nos pontos mais nevrálgicos de todo o país.
Tampouco para os burocratas sindicais que dirigem a CGT (1) as coisas são fáceis. Convocaram o que na Argentina se chama “greve domingueira” (passiva como um dia qualquer de domingo). Quer dizer, sem mobilização. Mas a greve não foi exatamente assim. Teve uma presença relevante a mobilização dos piquetes de greve, conformados em grande medida por militantes de esquerda.
Isso indignou os burocratas da CGT e também alguns das CTA’s. É que o papel da esquerda lhe estabelece limites de diversas maneiras. Por isso, tanto os burocratas da CGT como também dirigentes da CTA saíram a condenar abertamente os bloqueios de ruas e avenidas, além dos próprios piquetes.
A verdadeira vitória da jornada de quinta-feira está em que os trabalhadores, com seus próprios métodos de luta como é uma greve nacional, podem levar as coisas a uma nova situação política que signifique uma crise governamental em regra.
Porque essa greve geral (e os 45 dias precedidos por enormes mobilizações), já marcam um antes e um depois para o governo Macri. Os elementos sociais e político-eleitorais se realimentam (não se anulam), evidenciando um governo que não só já está em minoria desde o ponto de vista eleitoral, mas também e encontra diante de mobilizações de grande tamanho.
O macrismo e também seus opositores alinhados com a ex-presidenta Cristina Kirchner quer fazer a armadilha de uma falsa polarização, mas tanto Macri como a “oposição” que encabeça a ex-mandatária são duas opções de cia, ambas a serviço do capitalismo. São duas faces de uma mesma moeda, com o objetivo de que os de baixo não possam seguir um caminho independente.
Porém, a realidade recente mostra uma coisa: que a verdadeira polarização é a que está se produzindo entre governos (e a casse capitalista) como todo e os trabalhadores; tal qual vimos observando nas últimas mobilizações.
Mesmo assim, a realidade política é mais variada e complexa. Abriu-se uma brecha política. É que nem todos os que se afastam do governo reacionário de Macri querem voltar aos dozes anos de kirchnerismo. É uma brecha política que a esquerda está em crescentes condições de postular-se a preencher em alguma medida.
A combinação desses dois elementos, mas principalmente a contundênciada bronca popular e os protestos que crescem desde baixo parecem estar abrindo uma nova situação política. Mas, frente a essa perspectiva que se esboça no horizonte político, não devemos nem por um instante perder de vista um grave perigo: o papel traidor e desmobilizador das direções sindicais tradicionais, tanto a CGT como as duas CTAs.
Depois dessa imensa greve, o que está colocado como objetivo possível de alcançar é a derrota do ajuste de Macri e suas políticas reacionárias neoliberais. Mas o caráter conservador dessas direções (inclusive das que se reclamam “opositoras”) ainda é um difícil obstáculo a ser superado. É imprescindível para concretizar os objetivos da luta, entre eles da luta dos professores, que ainda está aberta.
Trata-se de uma luta que não será fácil. Mas ao mesmo tempo deve-se constatar que estamos muito provavelmente diante de um governo autista. Macri não só enfrenta mobilizações enormes fazendo-se de surdo, mas está eleitoralmente em minoria, por conta da guinada de boa parte de seus eleitores para a oposição. E sua política pretende seguir no mesmo rumo...
Ainda assim, essa situação perigosa nem sequer lhes concede uma mesa de dialogo a burocratas sindicais desesperados para chegar a alguma composição que livre-os de continuar com as medidas de luta. Assim é o caso do sindicato dos professores.
Dito de outro modo: o governo de Macri aposta em uma polarização muito perigosa. A combinação de tensões sociais e exasperação popular embaixo da sociedade, com ouvidos surdos acima, geralmente têm consequências sérias na Argentina. E as pessoas começam a lembrar que o último governo neoliberal antes de Macri – o de Fernando de la Rúa – terminou em dezembro de 2001 com o presidente no teto do palácio presidencial (a Casa Rosada) subindo num helicóptero para escapar da multidão enfurecida que tinha dominado as ruas de Buenos Aires e já rodeava sua guarida.
Não afiramos que será o inevitável fimde Macri e sua turma de CEOs (2) que integra o governo. O que, sim, advertimos é que as coisas apontam para esse lado, pela combinação de descontentamento cada vez mais furioso embaixo e ouvidos cada vez mais surdos em cima.
Notas:
1) Na Argentina existem tres centrais sindicais, que nesta ocasiao concordaram em convocar a greve de quinta, 6 ed abril: a CGT (Confederação Geral do Trabalho) e as CTAs (Central dos Trabalhadores da Argentina), atualmente dividida em duas direções, a de Hugo Yasky e Pablo Micheli.
2) CEO, Chief Executive Officer ou “diretor gerente” ou “diretor executivo” de uma grande empresa.
(*) Roberto Ramirez é editor do site Socialismo ou Barbárie, produzido na Argentina.
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(Com o Correio da Cidadania)
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