José Porfírio de Souza

                                  

Galeria de heróis do campesinato

(Nesta galeria ocuparia lugar de honra também o militante sindical Nestor Veras, morto pós ser sequestrado  à entrada de uma drogaria na Av. Olegário Maciel, em BH.José Carlos Alexandre)


Em 1972, após uma denúncia de fazendeiros da região, José Porfírio de Souza foi capturado e levado ao DOI-CODI, em Brasília.

Rafael Soriano
Da Página do MST

José Porfírio de Souza foi um militante camponês que participou de revoltas no interior de Goiás, em Trombas e Formoso na década de 1950. Com o Golpe Civil-Militar de 1964, teve que entrar na clandestinidade. Após denúncias de fazendeiros, foi capturado e torturado. Ao ser liberado, teve um encontro com sua advogada e, logo em seguida, desapareceu. Até hoje sua família luta para resgatar seus restos mortais.


José Porfírio de Souza é filho de Maria Joaquina e Teófilo de Souza Gil, nascido em Pedro Afonso (atualmente Tocantins) em 27 de julho de 1912. Casou-se com Rosa Amélia de Farias, com quem teve nove filho. Mudou-se para o Norte de Goiás no final da década de 1940 com a campanha de ocupação do território feita pelo Governo. Ao se deparar com uma colônia lotada em Ceres, Porfírio e sua família se deslocaram para a região de Uruaçu, onde se localizam os povoados de Trombas e Formoso.


Lá, a posse de pequenas propriedades de terras estava em pleno vapor e, com a especulação causada pela construção da rodovia Transbrasiliana no início da década de 1950, conflitos por terra começaram a eclodir. Grileiros, privilegiados pela justiça localmente, iniciavam uma ofensiva sobre os posseiros, os camponeses. 

Por sua vez, homens e mulheres da terra se organizaram política e militarmente para combater estes ataques. Muito se conta do nível de organização dos posseiros de Trombas e Formoso, que resistiam a investidas policiais, eventualmente ferindo muitos deles. José Porfírio logo se torna interlocutor dos camponeses com o poder público, tendo sido recebido pelo Governador de Goiás e pelo próprio presidente Vargas.


A partir de 1954, filia-se ao Partido Comunista (PCB), período também marcado pelo avanço dos posseiros e relativa derrota e esvaziamento do Estado na região. Neste contexto, os camponeses organizados fundam a “República de Trombas e Formoso”, com o advento da Associação dos Trabalhadores Agrícolas de Trombas e Formoso, cujo presidente eleito foi José Porfírio de Souza. 

Rompido com o PCB desde o XX Congresso do PC Soviético, Porfírio é eleito deputado estadual pela coligação PTB-PSB, em 1962, mesmo período em que o então Governador de Goiás, Mauro Borges Teixeira, emitiu mais de 20 mil títulos de terras para trabalhadores da região de Trombas e Formoso.

Perseguições

Com o Golpe de 1964, as perseguições se intensificaram na região. Os títulos de terras foram revogados e o nome de Porfírio foi logo levantado como inimigo público, tendo seu mandato cassado. O camponês teve que se render à clandestinidade, retornando para sua região natal a partir de então. 

Muitos foram presos e torturados para revelar seu paradeiro, mas nenhum companheiro ou companheira cedeu aos agentes da pistolagem ou da repressão oficial. Um dos casos de tortura foi do filho de José Porfírio, Durvalino, que é brutalmente torturado aos 17 anos, adquirindo transtornos psiquiátricos. Após ficar internado por um período, o jovem desapareceu.

José Porfírio de Souza passa então a atuar junto à Ação Popular, fundada ao lado de Alípio de Freitas, dissidência que daria origem ao Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Adotou o nome de Feliciano e construiu sua casa de taipa em Riachão (Sul do Maranhão). Teve atuação marcante na alfabetização de filhos de trabalhadores rurais.

Em 1972, após uma denúncia de fazendeiros da região, José Porfírio de Souza foi capturado e levado ao DOI-CODI, em Brasília, onde ficou preso por seis meses. No dia 07 de junho de 1973 foi liberado, teve um encontro com sua advogada e foi visto pela última vez por ela na rodoviária de Brasília, onde pegaria um ônibus para Goiânia. José desapareceu neste dia e nunca mais foi encontrado.

Em 2015, o caso de José Porfírio e outros lutadores de Trombas e Formoso que sofreram com o regime militar foram resgatados em Audiência da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Amigos e familiares deixaram claro que não vão deixar de lutar para reaver seus restos mortais e poder enterrar seu ente querido, bem como lutarão para que venha à tona as verdades sobre o caso. 

Uma sala com o nome de José Porfírio de Souza foi inaugurada na Assembléia Legislativa de Goiás, no mesmo dia, em homenagem ao mártir. Um monumento memorial foi prometido de ser erguido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Trombas.

Memória camponesa

A História recente do Brasil, sob o manto do regime de ditadura Civil-Militar, está sendo reconstituída e recontada, a partir do marco da busca de uma perspectiva dos lutadores, militantes e movimentos reprimidos. Neste processo de reconstituição, é possível notar um vácuo de informação quando se pensa no resgate de perfis daqueles militantes que enfrentaram a repressão a partir do lócus do campo brasileiro. 

Nomes como de Carlos Marighella, Manoel Lisboa e outros militantes do meio urbano ocupam o conjunto das narrativas sobre a resistência e a luta contra a ditadura e pela democracia, entretanto personagens que combateram e morreram porque enfrentavam ambos, latifúndio e ditadura, estão em sua grande maioria esquecidos.

Em diversas regiões do país, o poder oligárquico dos latifundiários teve papel preponderante na consolidação do regime e perseguição de lideranças e movimentos de esquerda, no campo. Por conseguinte, a recíproca do regime era dar legitimidade e sigilo à verdadeira guerra que se travava no meio rural contra os camponeses, por meio de toda sorte de perseguições, pistolagem, assassinatos.

Dados divulgados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) estimam em mais de 97% o índice de omissão do Estado para com os casos de camponeses perseguidos, mortos ou desaparecidos. Segundo a pesquisa, de autoria de Gilney Viana, apenas 29 casos são reconhecidos pelo Estado brasileiro, num universo de 1.196 assassinatos. Essa lógica de deliberadamente desassociar os crimes ocorridos no campo brasileiro durante o período ditatorial às necessidades e manobras de repressão do regime, pode ser um dos motivos para a falta de memória e justiça para com o campesinato que foi reprimido.

(Com o MST)

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