ATENTADO AOS DIREITOS INDÍGENAS
Latuff
Desde a sua origem histórica, o capitalismo, para se implementar e para se desenvolver precisou, antes de mais nada, expropriar os meios de produção e de subsistência das populações nativas. Das nações africanas ao Brasil, a necessidade de produzir lucro através da exploração da força de trabalho transformou a violência colonial em uma prática sistemática.
Dessa forma, as populações originárias desses países sofreram diversos ataques para que, com a construção dos Estados coloniais, a propriedade privada pudesse se tornar a base de sustentação do capitalismo. As terras, antes constituídas como bens coletivos e comuns dos povos autóctones, transformaram-se, gradativamente, pelo uso crescente da violência, em propriedades de grandes empresas capitalistas transnacionais.
Se essa marca sempre foi ressaltada na história da formação capitalista brasileira, o atual governo golpista, capitaneado por Michel Temer, avança ainda mais nesse processo. Há pouco menos de duas semanas, no dia 23 de março de 2017, foi publicado o decreto n. 9.010 que, sob a insígnia fantasiosa de “reestruturação”, afeta diretamente o direito das populações indígenas brasileiras. Esse decreto governamental, que trata do estatuto e dos cargos da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), serve, na prática, para reduzir drasticamente a capacidade de trabalho dessa instituição.
Todas as instâncias do Órgão Indigenista estão sendo afetadas. Serão fechadas 51 Coordenações Técnicas Locais (CTLs), que representam as instâncias mais próximas dos Povos Indígenas, responsáveis pela área finalística do Órgão.
Em Brasília a coordenação que mais sofreu cortes foi a de Licenciamento Ambiental. Isso significa dizer que os empreendimentos nas Terras Indígenas virão “a rodo” nesse momento de avanço da política de desmonte e de extinção da FUNAI. As coordenações regionais e as Frentes de Proteção Ambiental também sofreram cortes.
O efeito mais expressivo desse decreto será, portanto, a deterioração de formas de proteção e de promoção dos direitos indígenas brasileiros. Na região Nordeste, por exemplo, o aumento do déficit dos recursos necessários para atender as demandas da população indígena brasileira fica destacado pela tentativa de fechamento das CTL (Coordenação Técnica Local) de Piripiri/PI e de Natal/RN. Assim, se já eram poucos os recursos disponíveis para a defesa dos direitos das etnias indígenas desses locais, a situação tende a piorar ainda mais, caso esse decreto não seja prontamente anulado.
Dentro desse cenário, o movimento indígena reagiu em diversas partes do país. No Piauí acionou-se o MPF; no Ceará, a Coordenação regional está sendo ocupada há mais de 14 dias (contra também a nomeação de uma nova coordenadora regional, por indicação do deputado Aníbal Gomes do PMDB), dentre outros exemplos. Em Natal (RN) o movimento indígena ocupou a casa da CTL em 03de abril, construindo atividades de resistência e luta contra o fechamento da CTL, fazendo a defesa de sua permanência e do seu fortalecimento.
O PCB/RN, ao passo que denuncia mais esse atentado do atual governo golpista aos direitos sociais, cerra fileiras ao lado da população indígena brasileira na luta pelos seus direitos e pela democratização da terra. Além da questão específica de povos que sofrem históricas agressões e violências, esse novo atentado aos direitos indígenas no Brasil não afeta apenas os integrantes dessas etnias, mas todo o povo brasileiro na luta pelos seus direitos.
EM DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS!
NÃO AOS ATAQUES DO GOVERNO TEMER!
Comitê Regional do PCB/RN
Manifesto divulgado pelos Servidores da FUNAI:
MANIFESTO POLÍTICO CONTRA O DESMONTE DA POLÍTICA INDIGENISTA
“Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes”. Abraham Lincoln
Os servidores da Fundação Nacional do Índio, lotados na Coordenação Regional Nordeste II e nas Coordenações Técnicas Locais a ela subordinadas, expressam sua indignação em relação ao decreto nº 9.010, publicado no dia 23 de março de 2017.
Como se não bastassem os inúmeros ataques que os Povos Indígenas vêm sofrendo (PEC 215, Portaria 303/2012, Portaria 80/2017; inércia na demarcação de Terras Indígenas; limitação dos recursos orçamentários da FUNAI, dentre outros), a publicação, de forma sorrateira, do referido decreto, representa um gigantesco golpe à política indigenista, uma vez que não representa uma verdadeira “reestruturação” do órgão, mas sim uma medida que reduz, drasticamente, a capacidade de trabalho eficiente junto aos Povos Indígenas, no que diz respeito à proteção e promoção dos direitos sociais.
É de conhecimento da presidência da FUNAI e do governo federal a realidade de enormes dificuldades e sucateamento das instâncias executoras do Órgão Indigenista, tanto as Coordenações Regionais quanto as Coordenações Técnicas Locais. A realidade da Coordenação Regional Nordeste II, e das CTLs que fazem parte de sua abrangência, não é diferente: falta de recursos; carência de pessoas para o cumprimento das ações; equipamentos danificados; frota de carros velhos e sem qualquer perspectiva de aquisição de novos veículos; locais de trabalho precários (alguns locais nem sequer há sede); desvalorização das pessoas e do trabalho que é realizado; são alguns elementos que fazem parte do nosso cotidiano de trabalho.
Esse quadro de abandono em que a Instituição está mergulhada nos causa imensa tristeza, intensificada quando percebemos que as medidas políticas efetuadas representam um aprofundamento desta realidade que vivenciamos. A extinção de cargos, propagada no referido decreto, é o anúncio de dias muitos mais difíceis na construção da política indigenista, uma vez que atualmente já existe um grande déficit do quadro de pessoal para atender as demandas dos Povos Indígenas. Os cargos extintos são estratégicos e fundamentais para o bom funcionamento das Regionais e das Coordenações Técnicas Locais, como já é sabido por todos (menos pelo Decreto).
No dia 30 de março, tivemos a notícia, através do Boletim de Serviço nº 03 da FUNAI, da relação das CTLs que estarão fechadas, em função do Decreto nº 9.010/2017. Dentre elas, estão as CTLs de Natal/RN e a CTL de Piripiri/PI em nossa circunscrição. Registramos que o fechamento de qualquer unidade da FUNAI traz enormes prejuízos aos Povos Indígenas e ressaltamos que estas duas CTLs são as únicas instâncias do Órgão Indigenista nos estados do Rio Grande do Norte e Piauí, respectivamente, onde o processo de invisibilidade e preconceito institucional contra os Povos Indígenas é bastante intensificado. Portanto, o fechamento destas CTLs é um ataque direto à dignidade e aos direitos indígenas nessas localidades.
Registramos ainda a falta de clareza dos critérios utilizados para extinção das CTLs, podendo este fato, inclusive, gerar um conflito e uma disputa que será prejudicial aos Povos Indígenas, tendo em vista que, inevitavelmente, todas a Coordenações Regionais lutarão para manter e reestabelecer suas Coordenações Técnicas Locais. Tudo isso é temerário. A nossa luta deve ser pelo fortalecimento institucional e por um diálogo transparente com a Presidência da FUNAI, suas Diretorias e o Ministério da Justiça.
Mencionamos, ainda, os colegas que, apesar de não pertencerem ao quadro de servidores efetivos da FUNAI cumpriam com grandeza e compromisso as suas funções e de repente se viram perdidos; pois sequer foram comunicados, tempestivamente, da extinção dos cargos que ocupavam. Soma-se a este quadro caótico, a dificuldade de vislumbrar a recomposição do quadro funcional, considerando que atualmente a única forma de restabelecimento do quadro da FUNAI é o Concurso Público realizado em 2016 com quantitativo insuficiente para suprir a real necessidade do órgão, diante de inúmeros processos de aposentadoria e perda dos colaboradores sem vínculo funcional. Expressamos, assim, toda nossa solidariedade a estes colegas e àqueles que, assim como nós, ficarão ainda mais sobrecarregados de atividades.
Fala-se em blindar e fortalecer a Fundação em sua sede e nas bases regionais, mas como fazer isso extinguindo cargos, CTLs e cedendo a pressões políticas para nomeação de pessoas que não tem qualquer trato ou familiaridade com a questão indígena? Não é desta forma que esse órgão que completa em 2017, 50 anos de existência, fundamental para o fortalecimento e sobrevivência dos povos indígenas, vai conseguir solucionar conflitos em áreas que ainda não foram demarcadas.
Precisamos entender como a diretoria da FUNAI vai “adequar a instituição à nova realidade”, como foi noticiado, priorizando as necessidades dos povos indígenas em cada região, se a quantidade de CTLs não corresponde à necessidade dos Povos Indígenas, exatamente porque houve redução de unidades locais e de cargos.
Se a extinção de 87 cargos e 51 CTLs não enfraquece a instituição, o que então enfraquece? O enfraquecimento da Funai reside no fato de fazermos críticas a esse decreto ou se trata de uma represália contra a resistência ao processo de desmantelo da Funai?
Acreditamos que, no Estado democrático, a construção da política indigenista se dá por meio de um diálogo franco e transparente. O silêncio demorado e a falta de respostas têm criado um muro na relação entre Coordenações Regionais, FUNAI Sede e os Povos Indígenas. A oficina de planejamento 2017-2019, tantas vezes adiada e sem perspectiva de acontecer por falta de recursos, poderia ser o início desse diálogo. Retomar as reuniões dos Comitês Regionais, que é um espaço de debate, planejamento, definições de prioridades, de controle social, de participação dos povos indígenas, é outro caminho.
O movimento indígena já demonstrou que não se calará e lutará, de forma incessante, para o fortalecimento da política indigenista e, consequentemente, da FUNAI, com um diálogo franco e construção coletiva. Essa luta está demonstrada na atual ocupação da sede da Coordenação Regional Nordeste II pelos representantes dos Povos Indígenas no Ceará, com apoio dos Povos Indígenas dos Estados do Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba, desde o dia 20 de março de 2017, por não aceitarem a nomeação de uma pessoa sem que houvesse tido qualquer consulta ao movimento indígena.
Nós servidores consideramos que os atos de manifestação e protestos realizados pelos povos indígenas são legítimos e merecem atenção do Estado brasileiro, pois, infelizmente, esta tem sido a única maneira dos Povos Indígenas serem ouvidos nesses últimos anos. No entanto, mesmo com a ocupação permanecendo desde o dia 20 de março, não há qualquer sinalização de diálogo por parte da Presidência da FUNAI. É preciso que a Presidência dê uma resposta imediata aos indígenas e aos servidores, pois nossas ações estão paradas e os conflitos em terras indígenas só tendem a se agravar.
Ao tomarmos ciência do Decreto nº 9.010/2017, nosso sentimento foi de tristeza, desânimo e total impotência frente a esse quadro de desmonte institucional. No entanto, a força do movimento indígena e a busca pelo fortalecimento da política indigenista fez transformarmos esse sentimento em uma enorme vontade de resistir e lutar por uma vida longa à nossa Fundação Nacional do Índio, tão massacrada por cumprir seu papel na demarcação das terras e na proteção dos direitos dos Povos Indígenas. Contra esse conjunto de ataques, o movimento indígena e os servidores, estarão juntos para resistir ao desmonte da política indigenista e fazer avançar na garantia dos direitos indígenas em nosso país.
Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba
31 de março de 2017.
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