O Daiquiri, Hemingway e os 200 anos do Floridita (Você poderá ver um pouco de Hemingway e da Floridita no filme "Papa, a verdadeira história",no Netflix. José Carlos Alexandre)
Na esquina das ruas Obispo e Monserrate, em Havana Velha, exatamente no bar mais famoso da Ilha, nasceu a coquetelaria cubana.
Na esquina das ruas Obispo e Monserrate, em Havana Velha, exatamente no bar mais famoso da Ilha, nasceu a coquetelaria cubana. Foto: Otmaro Rodríguez
NA esquina das ruas Obispo e Monserrate, em Havana Velha, ali onde está o bar mais famoso da Ilha, nasceu a coquetelaria cubana. Criado em 1817 como La Piña de Plata, depois La Florida e finalmente Floridita, o bar-restaurante deve sua marca ao pai da cantina antilhana, o imigrante espanhol Constantino Ribailagua (Constante).
Visto pelos especialistas do mundo como um templo do coquetel e premiado incontáveis vezes dentro e fora do país, o Floridita transcendeu como o berço do Daiquirí. Se bem se diz que esse coquetel foi ideado em uma praia de Santiago de Cuba, atribui-se a Constante tê-lo «levado a um laboratório» para aperfeiçoar sua receita e aos mestres e barmen cultivar seu legado.
Entre as contribuições de Constante ao chamado Daiquiri Clássico se encontra demonstrar que, além de limão, açúcar e rum branco, em sua elaboração deviam ser adicionadas umas gotas de marrasquino e gelo seco triturado. Por se tratar de um coquetel nobre, que sem álcool podem inclusive as crianças beber, o Floridita desenvolveu já 17 tipos de Daiquiri: morango, hortelã, banana, manga, goiaba… alguns dos sabores utilizados.
Calcula-se que o que se converteu, também, na década de 1920, no primeiro bar em usar a batedeira em Cuba, recebe mais de um quarto de milhão de clientes por ano e que 80% dos norte-americanos que visitam Havana chega ali. Atualmente, aproximadamente 50% de seu público é estadunidense.
Não poucos dos que degustaram alguns dos mais relevantes coquetéis do Floridita, como o Presidente, o Papa´s ou o muito conhecido Daiquiri, converteram-se em cúmplices de sua tradição. Por ali passaram famosas figuras da arte, da cultura, da política, dos esportes e dos negócios.
Gary Cooper, Tennessee Williams, Marlene Dietrich, Ingrid Bergman, Graham Greene, Jean-Paul Sartre, Derek Jeter, Joe Torre, Rocky Marciano, Ava Gadner, Samuel Elliot Morrison, Buck Lanham, Hebert Matthews, Errol Flynn e Jane Fonda destacam entre as personalidades estrangeiras que o visitaram. De Cuba sobressaem Compay Segundo, Pablo Milanés, Javier Sotomayor e Silvio Rodríguez.
A GLÓRIA DE HEMINGWAY
Contudo, o assento mais privilegiado nas memórias do Floridita, classificado pela revista Esquire, em 1953, entre os sete melhores bares do mundo, guarda-se para o romancista norte-americano Ernest Hemingway, assíduo visitante do lugar e amigo de Constante.
De acordo com o diretor do bar-restaurante há três anos, Ariel Blanco, o Floridita foi «o refúgio, o escritório, o paraíso tropical de Hemingway». O merecedor do Prêmio Nobel de Literatura, em 1954 encontrou no bar, vida, inspiração «e em troca legou sua presença eterna».
Segundo arquiva a história, com seu estilo Regency inglês e uma decoração que ainda revive a década de 1950, o Floridita foi o local preferido de Hemingway na capital da Ilha Maior das Antilhas. Junto a sua cadeira habitual nesse bar, uma estátua de bronze lembra o autor do romance O Velho e o Mar.
Nas palavras do diretivo, com dois séculos o Floridita continua tendo «sua própria aureola, um glamour histórico e profissional que reserva a mesma intensidade e o amor que convidam a viver um momento único em um espaço enigmático».
Refere o multipremiado maître do Floridita, Orlando Blanco, que quando escrevia o rascunho de Por quem os sinos dobram, Hemingway comparou o gelo triturado do Daiquiri com a espuma do mar.
Contam que em sua primeira chegada ao Floridita, em abril de 1928, o escritor pediu a Constante algo mais forte porque ele era diabético. Daí surgiu o Papa´s, uma bebida feita exclusivamente para o norte-americano, que se distingue por duplicar a quantidade de rum e utilizar toranja. Do Papa´s diria Hemingway: «Estou bebendo glória».
Embora as vendas aumentassem consideravelmente depois da abertura ao mercado norte-americano, Ariel Blanco ressalta que o maior desafio do Floridita, que pertence hoje ao grupo empresarial extrahoteleiro Palmares, está em se renovar, sem perder a tradição, sem romper sua linha clássica.
Em 1992, o Floridita recebeu o Prêmio Best of the Best Five Star Diamond Award, da Academia Norte-americana das Ciências Gastronômicas como o Rei do Daiquiri e restaurante especializado em peixes e frutos do mar mais representativo.
REI DE REIS
Como parte do 200º aniversário da emblemática instalação turística cubana terá lugar, nos próximos dias 5 e 6 de outubro o Evento Internacional de Cantina Rei de Reis. Pela primeira vez, colocando por trás do balcão os vencedores das oito edições do Rei do Daiquiri, o próximo certame permitirá aos mestres da coquetelaria do Floridita eleger quem melhor elabora o Daiquiri no mundo.
Da perspectiva de Blanco, o Rei de Reis, que agrupará uma dúzia de concorrentes, defenderá a gastronomia e a coquetelaria cubanas como fatos relevantes dentro da cultura universal. A maioria dos concorrentes é cubana e pertence ao setor estatal e privado.
Chegará convidado da Argentina, Christian Delpech, 19 vezes campeão mundial de flair (modalidade acrobática da coquetelaria), e John Christian Lemeyer, dos Estados Unidos. Este último participará por ter sido o primeiro norte-americano que concorreu no Rei do Daiquiri, quando esse encontro tomou caráter internacional, há dois anos.
Igualmente, assistirão ao encontro, cujas competições serão transmitidas ao vivo fora do bar, entre 200 e 400 bartenders. Por outro lado, será oficialmente lançado um rum Premium Havana Club, que se dedicará à bicentenária existência do espaço gastronômico e o Grande Hotel Manzana Kempinski, situado justo em frente do Floridita, inaugurará seu bar principal, com o nome de Constante.
(Com o Granma)
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