De 24 de maio a 13 de junho, o Cine Humberto Mauro exibe a mostra Mizoguchi, um dos principais cineastas japoneses de todos os tempos


                                                               
A Mostra Mizoguchi reúne 25 filmes do diretor japonês Kenji Mizoguchi, cuja produção se situa no prisma da II Guerra Mundial, retratando desigualdades do país, a ocupação americana e a situação da mulher na sociedade patriarcal japonesa. Conhecido por seu interesse em protagonistas marginalizadas e sua venerada técnica cinematográfica, Mizoguchi traz em seus filmes uma reflexão plástica e dramática da história do Japão.

Segundo Vítor Miranda, pesquisador de cinema e convidado que assina a curadoria em conjunto com Bruno Hilário da Gerência de Cinema, a produção de Mizoguchi é tão significativa que sempre retorna à programação do Cine Humberto Mauro. 

“A obra de Mizoguchi é clássica e muito aclamada pelos cinéfilos, porque diz muito da trajetória do Japão e de um cinema de extrema qualidade”, observa Vítor. “Mesmo muito ligado às tradições japonesas principalmente na sua produção pré-II Guerra, Mizoguchi influenciou cineastas do mundo inteiro”, explica.

Dos 85 filmes dirigidos por Mizoguchi, a maioria se perdeu e, na programação da Mostra atual, estão longas de 1929 a 1956, ano da morte do diretor. Com produções de viés autobiográfico e testemunhal, o cineasta imprimia em seus filmes os conflitos de classe e a brutal opressão patriarcal sofrida pelas mulheres japonesas. 

Kenji Mizoguchi cresceu num lar marcado pela violência de um pai abusivo, além de seus estudos terem sido pagos pela prostituição da própria irmã. Seu interesse pela injustiça e desigualdade resultou numa filmografia repleta de melodramas protagonizados por mulheres resilientes, o que lhe rendeu a alcunha tardia de “diretor feminista”.

Há, no entanto, teorias que atribuem a genialidade da produção de Mizoguchi às atrizes com as quais trabalhou, em especial Kinuyo Tanaka, que protagonizou 14 longas do diretor e com quem se envolveu romanticamente. “Ele deixava as atrizes se mostrarem e improvisarem em cena, em especial nas tomadas de plano sequência, que são a marca do diretor. 

Em contrapartida, era tido como um cineasta exigente, que repetia as tomadas muitas vezes e mudava o roteiro durante a filmagem”, conta Vítor, lembrando, também, que muito sobre Mizoguchi é fruto de especulação, já que o japonês faleceu há mais de 60 anos.

É por meio do plano sequência, inspiração para realizadores até muitas décadas depois, que Mizoguchi conferiu às suas produções um realismo social, utilizando quadros vivos e cheios que sufocam suas protagonistas e demonstram a impossibilidade de fuga dos contextos degradantes e agressivos em que estão inseridas. “A plasticidade e composição visual das produções do diretor são muito poéticas e traduzem os sentimentos das personagens imageticamente”, comenta o pesquisador.

Antes e depois da II Guerra 

A filmografia de Mizoguchi pode ser dividida entre os períodos de antes, durante e depois da II Guerra Mundial, já que os contextos de suas obras são o Japão feudal, a desilusão e destruição causadas pelo bombardeio de Hiroshima e a ocidentalização da cultura nipônica. “À medida em que o Japão se ocidentaliza com a invasão americana, os filmes de Mizoguchi também ganham esse tom. 

Acredito que ele falava de seu tempo e fazia reflexões sobre isso sem se posicionar contra ou a favor, mas sim como testemunho das mudanças sociais que vinham acontecendo no país”, avalia Vítor. “No geral, são filmes melancólicos e muito tristes, que emocionam o público”.

Na programação, se destaca Elegia de Osaka (1936), primeiro filme falado de Kenji Mizoguchi e que já traz seus característicos movimentos de câmera. Trata-se de uma história semelhante à do cineasta, que descreveu o filme como seu primeiro esforço real enquanto diretor. 

Na trama, uma jovem telefonista aceita ser amante do patrão para conseguir o dinheiro que seu pai deve à empresa onde trabalha, para que ele não seja denunciado por fraude. Já Crisântemos Tardios (1939) se destaca como um dos poucos filmes do diretor em que o protagonista é um homem. Trata-se da história do filho adotivo e sucessor de um mestre do teatro kabuki que acredita não estar à altura do pai.

Utamaro e Suas Cinco Mulheres (1946) é uma espécie de biografia do pintor Kitagawa Utamaro, que produzia imagens pornográficas e de nudez feminina. Na história, é um célebre pintor que busca por cortesãs da região de bares e bordéis em Tóquio para compor seus retratos. Enquanto as mulheres ao seu redor competem por suas paixões e seus objetivos, sua arte ocasionalmente lhe põe em apuros. Para os críticos, há uma aproximação entre o interesse de Utamaro e de Mizoguchi pelas mulheres.

Outros destaques são Os Amantes Crucificados (1954) e Rua da Vergonha (1956), exemplos da fotografia anti-voyerística de Mizoguchi, que afasta o sofrimento do olhar do espectador para não explorar cruelmente suas personagens. 

Enquanto o primeiro se passa no século XVII e trata da perseguição contra um casal apaixonado, o segundo é a última obra da vida de Mizoguchi. Retratando as trajetórias de vida das prostitutas de um bordel em Tóquio, o longa resume a obra do diretor por meio da diversidade das narrativas femininas e sua ocidentalização.


Local
Cine Humberto Mauro | Palácio das Artes | Av. Afonso Pena, 1537. Centro. Belo Horizonte

(Com a Agência Minas Gerais)

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