SANDRA STARLING


"A garra de viver dos mineiros chilenos
Talvez eu seja uma das poucas mulheres que saibam, no Brasil, o que sentem as pessoas no fundo de uma mina subterrânea.
Em 1987, houve um desastre na Mina Velha da Morro Velho, em Nova Lima. Eu era deputada estadual e requeri uma sindicância porque os mineiros haviam iniciado uma greve, recusando-se a entrar na Mina Grande, vizinha daquela onde tinha ocorrido o acidente, com receio de que essa também acabasse caindo. Confesso que não medi muito as consequências do requerimento. Quando dei fé, a comissão estava constituída e eu teria de vistoriar, com outros deputados, as condições de trabalho lá no fundo da terra. Morri de medo. Mas meu compromisso com os trabalhadores me obrigava a não fugir da situação. E lá fui fazer coisas que eu mesma duvidava ser capaz de fazer...
E descemos às profundezas: deputados e jornalistas, todos com roupas apropriadas e lanternas presas nos capacetes. Depois da primeira descida de gaiola (nome muito apropriado para os elevadores), teríamos de entrar em carrinhos que desciam uma rampa bem acentuada. Aí meu chão faltou. Aleguei não dar conta e fiquei para trás com um engenheiro, encarregado de minha segurança. Depois concluí que ficaria péssima em não ter ido com os demais e resolvi descer. Fiquei anos sem usar joia de ouro, incapaz de achá-las bonitas diante do horror do trabalho que vi para extração do metal.
Além do calor e das galerias com uma ventania que gelava os ossos, fiquei estarrecida com tudo que observava: fios de alta tensão sem capeamento, trabalhadores seminus nos locais de mineração e as marmitas, tristes marmitas, cheias de macarrão e ovo, nada mais que isso. Visitei também as jovens viúvas de mineiros. Os maridos se aposentavam após 15 anos de trabalho, mas já saíam com o pulmão estourado pela silicose e duravam pouco tempo mais. Além de que, jovens ainda, tendo filhos para educar, acumulavam a aposentadoria com um bico qualquer até não conseguirem mais respirar.
Por fim, com a ajuda do, à época, promotor de Justiça, Jacson Campomizzi, conseguimos melhorias nas condições de trabalho. A empresa, depois de muito regatear, admitiu pagar indenizações aos atingidos pela nocividade do trabalho. Contribuíram expedientes que eu adotava com gosto. Por exemplo, desafiar o ministro do Trabalho, Rogério Magri, a descer na mina e ver "in loco" o que viviam os trabalhadores. Curioso mesmo foi ter de pedir licença a mineiros e a aposentados para entrar porque, afinal, ainda imperava a velha superstição de que a mina afunda quando nela entram pessoas que usam saia: mulheres e sacerdotes! Acabei chegando a 2.600 metros de profundidade. E a mina não desabou.
Escrevo isso porque fiquei dias acompanhando a situação dos mineiros no Chile. Podia sentir o que eles deviam estar sofrendo. Agora, constato o óbvio: a garra de viver que transforma homens comuns em heróis, quando é possível manter a esperança!"

(Publicado em O Tempo, dia 13/10/2010)
(Imagem:Resgate de mineiros no deserto de Atacama, no Chile/Prensa Latina/Divulgação)

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