Do direito de indignar-me não abro mão
Carlos Basílio (*)
Sim eu tenho o direito de me indignar. De protestar aos gritos e mais gritos, em que pese o aviso fixado no local de quem desrespeitar o servidor público pode resultar em processo e em prisão...
.Mas olhe que tudo começou quando cheguei às sete e pouco ao posto de saúde do bairro Hawaí, no conjunto Estrela Dalva.
Depois de uns duas horas na fila, equilibrando-me precariamente com bengala e auxílio da parede, uma funcionária ( médica, me pareceu) atendeu-me com muita cortesia. E disse que me encaminharia para o serviço médico da UNIBH. Tudo bem.
Pedi-lhe que pelo menos medisse a minha pressão e fui prontamente atendido. Estava no maior limite possível, daquele que é para ser encaminhado para internação. Repito o tudo bem. Afinal tenho a síndrome do jaleco branco, expliquei-lhe. Ela esboçou leve sorriso e despedi-me.
Na UNIBH fui atendido. Também se não fosse reclamaria com meu filho que lá estuda...Embora sei que nada poderia fazer...Passei por um quase junta médica. Ou seja; junta de estudantes de Medicina. Boas moças, tentando fazer o possível na aula improvisada...
Até que passei pela professora-médica. Com cuidados excessivos para com minha hipertensão e minhas pernas já não tão fortes, por exemplo, de quando subia morros para defender trabalhadores favelados de despejo, fundar Uniões de Defesa Coletiva ou preparar comícios como os das Panelas Vazias e lutas como as da defesa do Salário-Família e do 13º salários, depois conquistadas no governo do primeiro-ministro Tancredo Neves. Com um parêntese: o salário família sempre foi uma merreca...
Agora que mal ando, não consigo tomar um transporte coletivo pela impossibilidade de flexão dos chamados "membros inferiores", volto minha indignação contra a BHtrans que me recusa uma plaqueta de estacionamento para quem tem "dificuldades ambulatoriais"...
De volta ao posto de saúde, para renovar a receita ( quase um calhamaço, dado a minha pressão arterial agravada com depressão etc.) eis que não sou atendido. E depois de algum tempinho na fila...É que a funcionária cismou que pertenço a outro posto que não o do Palmeiras, para onde fui encaminhado há cerca de três meses...
__Seu posto é do Hawaí.
__ Não pode ser. Estive lá e me encaminharam para a UNIBH e tenho de voltar ao posto para renovar a receita.
__Dirija-se, pois ao Posto do Hawaí...
__Mas há três meses sou atendido na farmácia deste posto ( o do Palmeiras)...
A funcionária não acredita e telefona para o posto do Estrela Dalva. E, triunfante, confirma que tenho de madrugar no posto do Estrela Dalva...
Vou parar lá, claro. Mas antes, não sem participar dos movimentos de rua. Ainda que não consiga lutar contra as bombas de feito moral, gás lacrimogêneo etc.
Embora ainda me lembre das dicas de defesa passadas pela Guerra de Guerrilha, de Che Guevara...
Uma delas, molhar bastante um lenço e levá-lo ao nariz...Improvisar com cuspe, se necessário...
Nas ruas vou lutar pela melhoria do sistema de saúde, com manutenção do SUS mas com a força dos médicos cubanos.
Vou lutar pela Constituinte com Dilma, anulando minha assinatura do abaixo-assinado pelo seu impeachment...
Impeachment para colocar quem no poder? O Henrique Alves? O Renan Calheiros? Trazer o Sarney de volta? O Collor ou o Lula?
Nada disso. Quero uma Constituinte que faça uma reforma política para valer, a começar pelo estabelecimento do sistema Unicameral, com o país economizando milhões e milhões de reais por ano ao ficar livre do Senado e seu biônicos ( não os da época da ditadura mas os suplentes, que assumem sem ter tido um voto sequer)...
E quero o voto facultativo.
E a reforma agrária decente, pelo menos aquela que sairia nos tempos de João Goulart e só não saiu porque veio um primeiro de abril que durou mais de 20 anos...
E quero transporte público de graça ou quase de graça...
E educação para todos, da pré-escola à pós-graduação, tudo pago pelo governo pois saúde, educação e segurança são obrigações dos governos...
E quero lazer de graça, sem essa de vale-educação...
E , de quebra, o enterro definitivo do Capitalismo, que um novo regime já desponta no horizonte, nas asas salvadoras da Alba...
(*) Carlos Basílio é ex-repórter e ex-colunista sindical de "Novos Rumos", jornal comunista que circulou de 1958 a 1º de abril de 1964.
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