Soledad Barret será homenageada em show esta semana em São Paulo
Catalina Britez e João Guilherme (*)
Soledad Barret, militante comunista que integrou os quadros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), nasceu em 1945, no Paraguai, e foi brutalmente assassinada em 1973, durante a ditadura militar brasileira, no episódio que ficou conhecido como “Chacina da Chácara de São Bento”.
Na próxima semana, será lançado na cidade de São Paulo um disco em sua homenagem intitulado Soledad pelo grupo de músicxs composto por Michel de Moura, Thiago Pereira, Rafael Tosta e Bjanka Vijunas.
O show de lançamento do disco Soledad acontecerá na quinta-feira, dia 1º de setembro, no Teatro da Rotina, na Rua Augusta, nº 912, com início às 21h. Os ingressos podem ser adquiridos através do site https://www.meuingresso.com/soledad
A íntegra da entrevista concedida por Michel Moura e Bjanka Vijunas.
CB/JG: Poderia comentar sobre o grupo e as pessoas envolvidas nesse projeto?
Bjanka: Michel de Moura, Thiago Pereira, Rafael Tosta e eu, Bjanka Vijunas, já tocávamos juntos na banda Projeto da Mata, de música autoral. Nossas últimas pesquisas musicais giraram em torno da canção engajada produzida em resposta aos anos de chumbo.
Nosso último projeto musical foi o "Projeto da Mata canta Zumbi", uma homenagem aos 40 anos do disco "Edu canta Zumbi", que foi a trilha sonora da peça do Arena conta Zumbi, que criticava a não emancipação da população negra brasileira.
Então, nossos olhares já se voltavam para os temas da crítica social e da canção enquanto forma artística que dialoga com seu espaço, com o meio, com a sociedade e seus entraves, suas incongruências.
O Igor Souza é multi-instrumentista e, também, um grande amigo que tem uma produção musical extremamente atual de desconstrução de sonoridades e experimentações. Acompanho seu trabalho solo “Alvenaria” e o de referências à música oriental “Ajnab” e, fazia tempo que queria que engatássemos uma parceria artística. O apresentei pra os meninos da banda e a sonoridade da experimentação sonora com o barulho e as frequências dissonantes, pareceu uma saída sonora muito interessante pra costurar o Soledad.
CB/JG: Pode nos dizer brevemente quem foi Soledad Barret? Por que o disco lançado leva seu nome?
Bjanka: Soledad Barret Viedma foi uma militante paraguaia, além de poetisa (como indicam alguns textos sobre ela). Esteve engajada na luta de guerrilha, integrou a Vanguarda Popular Revolucionária. Sua família era militante, seu pai. Soledad acaba por escolher o caminho da transformação, assim como ele, desde a infância viveu exílios, morou no Chile e em Cuba, fugida de represálias.
Soledad é morta no Brasil em 1973, em Recife, em plena ditadura militar. Isso ocorreu numa emboscada armada por Fleury que, além de matá-la, mata também outros cinco de suas companheiras e companheiros de luta. O caso é ainda mais triste, pois sabemos que sua morte se liga a Cabo Anselmo, figura conhecida da ditadura militar brasileira que, infiltrado em Cuba e conhecido Soledad ali, delata o grupo e, informa a polícia militar do esconderijo dos militantes. Ainda pior foi saber que, na ocasião de sua morte, Soledad estaria grávida de Cabo Anselmo.
O disco leva seu nome, pois soubemos da sua história através do documentário “Orestes” do Rodrigo Siqueira, lançado em 2015 que trata de maneira muito reflexiva nossas noções de justiça e memória, entrelaçando histórias de militantes torturados e pais que perderam seus filhos mortos pela polícia, sem provas concretas dos crimes. Michel assistiu ao documentário e soube da história de Soledad.
Aí, um dia num ensaio do Projeto da Mata me indicou o filme, que logo assisti e me fez emocionar bastante, ele me disse que estava compondo sambas sobre traição. Me convidou pra cantá-los, aí logo começamos a bolar os arranjos e dar forma a esse nosso modo de recontar Soledad.
CB/JG: Como e de onde surgiu a ideia de prestar esta homenagem a Soledad?
Michel: A ideia surgiu como uma tempestade, após assistir ao filme “Orestes”, de Rodrigo Siqueira. Assombrado com a experiência que o filme proporciona (recontando a trágica história de Soledad à sua maneira), iniciei concomitantemente o processo de composição e pesquisa já com a intenção de fazer um disco que dialogasse com a potência histórica da trajetória da militante paraguaia.
CB/JG: No Uruguai, versos do poeta e romancista Mario Benedetti e a canção homônima de Daniel Viglietti ajudaram a conservar a história de Soledad Barret. Eles serviram, de algum modo, de inspiração para a produção do disco Soledad?
Bjanka: Sim, conheci o texto do Benedetti nas pesquisas sobre Soledad e ouvi a canção. Acredito que servem sim de inspiração, mas de forma tangencial, o que nos inspirou de forma mais pungente foi o filme do Rodrigo Siqueira. Ali a traição era o ponto crucial, tema da grande maioria das canções do nosso álbum.
Acredito que essas produções citadas têm uma importância grande em ajudar a preservar a história de Soledad, sem dúvida. E, acredito, que nos dias de hoje, com o cenário político e social de desigualdade e o uso extremado e opressor das forças policiais, falar de Soledad é tentar chorar sua morte tenebrosa e invisibilizada, é uma maneira de pensar vários temas, a Comissão da Verdade e a abertura dos processos - vale lembrar que Cabo Anselmo segue solto - à violência contra as mulheres, a repressão policial e a matança sistemática dos jovens negros, a repressão dos movimentos sociais.
Ter sido mulher e militante, na década de 60 e 70 era extremamente avançado, mostra que as mulheres estiveram lá e sofreram com a repressão de suas ideias e ações tanto ou mais que os homens. Soledad, pra mim é mais um grito abafado, uma tentativa de olhar diante de tantas dores abafadas que ainda permanecem na sociedade. Lembrar dessa história, lembrar Soledad, é o mínimo que a gente pode fazer pra tentar trazer esses debates à tona, não esquecer desses temas, pra que não deixemos que ocorram nunca mais.
Ter sido mulher e militante, na década de 60 e 70 era extremamente avançado, mostra que as mulheres estiveram lá e sofreram com a repressão de suas ideias e ações tanto ou mais que os homens. Soledad, pra mim é mais um grito abafado, uma tentativa de olhar diante de tantas dores abafadas que ainda permanecem na sociedade. Lembrar dessa história, lembrar Soledad, é o mínimo que a gente pode fazer pra tentar trazer esses debates à tona, não esquecer desses temas, pra que não deixemos que ocorram nunca mais.
CB/JG: Em janeiro de 2015, o Estado brasileiro concedeu a anistia política post-mortem a Soledad. Agora, o disco Soledad, ao lado do livro “Soledad no Recife” de Urariano Mota, passa a integrar um pequeno acervo de referência à Soledad. Como é para vocês esse trabalho de manter viva a memória de Soledad?
Michel: Primeiro é preciso deixar claro que “Soledad” não tem como objetivo integrar um acervo de memória. Ainda mais porque o disco é uma peça experimental que se afasta de um protocolo mais convencional de patrimônio. Caso venha, de alguma forma, a contribuir para essa função, nos sentiremos orgulhosos. O livro de Urariano, que nos serviu de referência, cumpre esse papel de maneira atenciosa. Creio que buscamos, com “Soledad”, “poluir” a canção brasileira com os mortos e suas histórias veladas pelo “progresso”.
CB/JG: O que podemos esperar do disco em termos de ritmos, letras e instrumentos utilizados?
Michel: Não partimos de ritmos pré-determinados, apesar de algumas canções nos remeterem às tradições da música afro-brasileira. A partir de nossas ferramentas – duas guitarras, baixo acústico, periféricos eletrônicos e vozes – buscamos criar um tipo de canção que caminhasse entre a beleza e a morte.
CB/JG: Os títulos das músicas que compõem o disco parecem expressar a própria trajetória vivida por Soledad, é correta essa relação?
Michel: sim, podemos dizer, de maneira geral, que buscamos criar uma trajetória desde Cuba até o momento de seu cruel assassinato, além de anunciar como os velhos assassinos continuam impunes até os dias de hoje.
CB/JG: Há mais alguma coisa que vocês queiram comentar ou destacar?
Michel: “Soledad” se afasta de um conceito de canção enquanto entretenimento, discutindo a própria canção enquanto “conciliadora de classes”. É uma experiência auditiva e sensorial e espero que as(os) ouvintes permitam-se conhecer Soledad através de nossa narrativa.
(*) Catalina Britez é paraguaia e socióloga pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). João Guilherme é jornalista, estudante de direito da PUC-SP e coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito (GPMD).
(Com o Diário Liberdade)
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