Dos tímidos aos pessimistas, como votou a América
Bárbara Reis (*)
Não há uma explicação, há muitas. Não uma pista, mas dezenas. Capaz de nos surpreender como poucos países, da eleição de Donald Trump emergiu a América que não conhecemos, ou não queremos reconhecer que existe. Não foi só uma questão de rendimentos (que foi decisiva), nem de educação (fundamental) ou de raça (que ajudou). Padrões eleitorais com mais de 30 anos foram virados do avesso. Não foi só a vitória dos angry white men. Não foi só o medo dos imigrantes. Nem a frustração gerada por uma América cujo mercado de trabalho precisa de menos humanos e de humanos diferentes dos operários da era pré-digital e pré-globalização.
Cinturão da Ferrugem versus universitários
Se Hillary Clinton teve o voto de muitos pós-graduados (ainda não é certo se a maioria), Donald Trump ganhou o Rust Belt (Cinturão da Ferrugem), região que há meio século era o pujante Factory Belt (Cinturão Industrial), mas onde desapareceram milhares de postos de trabalho – em alguns estados chegou aos 60%. Clinton subestimou a região. Mal fez campanha na Pensilvânia (que era democrata há 24 anos) e no Michigan (democrata há 28) e desde o fim das primárias que não vai ao Wisconsin (democrata há 32 anos).
No Minnesota, que acabou por ganhar, nem sequer colocou anúncios. Além de confiar no padrão eleitoral, Clinton acreditou nas sondagens que indicavam que os brancos sem estudos superiores representavam apenas um terço dos eleitores. A avaliação foi clara: não havia espaço para perdas democratas na white working-class. Enganou-se.
O especialista Nate Cohn alertou há meses para o fato de se estar a tomar por certas sondagens à boca das urnas erradas e tentou demonstrar que, em 2012, votaram mais dez milhões de operários brancos do que se pensava. Se os democratas queriam ganhar, tinham de conquistar esse grupo. Sobretudo no Norte, onde Obama teve resultados inimagináveis.
Por outro lado, não só Clinton teve piores resultados do que Obama, como Trump ganhou mais votos de brancos sem educação universitária do que Mitt Romney. No conjunto, Clinton teve menos votos nas minorias, nos jovens e nos centros urbanos do que Obama.
Em traços gerais, é possível também dizer que a maioria dos ateus está com Clinton e a maioria dos protestantes evangélicos está com Trump – e que, tirando estes extremos opostos, os religiosos mainline (católicos e protestantes) estão distribuídos por igual entre os dois candidatos.
Terrorismo versus Ambiente
Perante uma lista de sete “grandes problemas” dos EUA proposta pelo Pew Research Center, os apoiantes de Trump acreditam no oposto dos de Hillary – em praticamente tudo. Para os pró-Trump são o terrorismo e a imigração; para os pró-Clinton, são o ambiente e a desigualdade social. Paradoxalmente, 80% dos apoiandores de Trump são contra o aumento do salário mínimo de 7,25 para 15 dólares por hora, quando 80% dos apoiantes de Clinton são a favor.
Quanto à necessidade de o Estado apoiar os pobres, o contraste é absoluto – se 70% do lado de Trump é contra, 70% do lado de Clinton é a favor. O mesmo para a regulação do mundo empresarial: 80% da ala pró-Trump diz que “prejudica as empresas” e 70% da ala pró-Clinton diz que é necessário para “proteger o interesse público”.
O contraste é igual quando se pede opinião sobre a ideia de os muçulmanos que vivem nos EUA serem sujeitos a um “escrutínio maior do que cidadãos de outras religiões”. Sem surpresa, 80% dos apoiantes de Trump querem mudar o curso das políticas de Barack Obama. Era assim este Verão. Nada terá mudado.
Voto anti-Hillary Clinton versus voto anti-Obama
O “voto negativo” foi muito mais forte nestas eleições do que em 2008, quando Obama foi eleito para o primeiro mandato na Casa Branca. Sobretudo entre os eleitores de Trump, onde o sentimento anti-Clinton foi muito expressivo. Mais até do que o sentimento pró-Trump. Entre os republicanos que disseram que iam votar em John McCain porque não queriam Obama e os que, agora, disseram que iam votar em Trump porque não queriam Clinton há uma grande diferença: 20 pontos percentuais.
Pessimistas versus otimistas
Oitenta por cento dos apoiantes de Trump acreditam que a vida nos EUA é pior hoje do que era há 50 anos e 70% acreditam que ainda vai ser pior para a próxima geração. Não é uma divisão de opostos perfeita, mas se não é “pessimistas versus otimistas”, está perto: 60% dos apoiantes de Hillary dizem o contrário – que a vida está melhor – e só 30% antecipam piores dias.
Céticos e desapaixonados
Há meses que lemos que só 9% dos eleitores dizem que Trump será um “ótimo presidente”. Quase 45% dizem que será “péssimo”. A descrença foi, aliás, transversal: da esquerda à direita, os eleitores foram votar com enorme ceticismo. A campanha não mudou isso. Dias antes da eleição, a ABC News noticiou que 61% dos norte-americanos não consideram Trump “presidenciável”.
Mulheres versus homens
Sem surpresa, mais mulheres estão ao lado de Clinton, mas Trump terá tido 60% do voto dos homens brancos e 52% das mulheres brancas. As sondagens de boca de urna mostram que as mulheres republicanas ficaram com Trump – apesar de Hillary (ou por causa disso).
Pele negra versus pele branca
O “fator Obama” (ser o primeiro presidente negro da história) também contribuiu para a vitória de Trump. Há cálculos que apontam para um efeito de menos 10% de votos, distribuídos por vários estados, incluindo o trio de estados swing que Trump ganhou – Florida, Carolina do Norte e Ohio. Se Obama foi eleito porque conseguiu atrair negros que nunca votavam, Trump conseguiu atrair brancos com pouco rendimento e pouca educação que estavam à margem da vida política.
Com Obama, o voto afro-americano subiu em 2012 para um pico histórico de 66%. Ao mesmo tempo, quando comparado com os predecessores republicanos, Trump teve melhores resultados em lugares com grande concentração de brancos, especialmente rurais. As sondagens à boca das urnas mostram que Hillary teve a maioria do voto negro, hispânico e asiático, mas em menor número do que Obama.
Silêncio e shy voters versus sondagens
Há meses que se discute a possibilidade de as sondagens subestimarem Trump porque os eleitores, quando questionados, teriam vergonha de assumir o voto e declaravam-se como “indecisos”. Essa dúvida vai provavelmente ficar por responder.
(*) Dias é jornalista do Diário Público, onde a matéria foi originalmente publicada.
(Com o Correio da Cidadania)
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