Pequenos agricultores jejuam contra a reforma da Previdência
Mário Luiz Vargas conta que começou a trabalhar capinando lavoura de mandioca aos 4 anos. Aos 52, ele é hoje um pequeno agricultor no município de Amaral Ferrador, no interior do Rio Grande do Sul. Planta para subsistência milho, feijão, batata-doce, mandioca, melancia, melão, tomate, pepino, ervilha, moranguinho, etc. Também cria para consumo próprio porco, galinha, pato e ganso. O que sobra vende para obter remuneração. É um trabalho de sol a sol, que, com o passar do tempo, se torna cada vez mais difícil. “Hoje, às 5h eu já estou levantado. Quando chega 6h, 6h10, já estou na lavoura trabalhando. A cada ano que vai passando, tu já nota a diferença. Já não tem aquela resistência para trabalhar, o rendimento é menor”, afirma.
A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 13-12-2017.
Na manhã desta quarta-feira (13), Mário foi um dos agricultores e representantes de movimentos sociais que iniciou um jejum de 48 horas contra a reforma da Previdência, que está para ser votada pela Câmara dos Deputados ainda em dezembro. Ele ainda não se aposentou e, apesar de a reforma prever uma regra de transição que levará em conta todo seu tempo de trabalho, teme que as gerações que o sucederem precisem continuar trabalhando na lavoura mesmo depois de já não terem mais forças para isso. “A nossa preocupação é que esse direito que já tínhamos adquirido possa ser perdido. Hoje, nós estamos participando do jejum para que milhões de pessoas não passem fome no futuro”, diz.
Além de Mário, que faz parte do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), começaram o jejum, às 10h30, na esplanada do Palácio Farroupilha, sede de Assembleia Legislativa do RS, outros dez integrantes de movimentos sociais, que, além do MPA, incluem MST, CUT-RS, FTIA-RS e Levante Popular da Juventude. Inicialmente, os jejuantes devem permanecer no local até a manhã de sexta-feira — mas o período pode ser prorrogado.
A ideia é que eles durmam no local. Segundo os movimentos que participam da ação, eles só tomarão água durante os próximos dias e serão acompanhados por médicos ligados ao MST e por enfermeiros ligados a sindicatos. A manifestação se soma a uma greve de fome realizada por agricultores há 9 dias na Câmara dos Deputados. Outros atos semelhantes também estão ocorrendo em outras partes do País.
Atualmente, trabalhadores rurais podem se aposentar com 60 anos, no caso dos homens, e 55, no das mulheres. Quem atua na economia familiar não precisa contribuir para o INSS, mas precisa comprovar 15 anos de atividade agrícola ou em zona rural. A primeira versão da reforma previa que os agricultores rurais teriam as mesmas regras dos urbanos, isto é, mínimo de 65 anos, independente de homens e mulheres, e 25 anos de contribuição, mas o texto da reforma foi alterado desde então para reduzir a idade mínima, mantendo o tempo de contribuição. Porém, ainda não há definição de como será a redação final da reforma para os trabalhadores rurais.
Paulo Mioranza, da coordenação do MST e assentado em Nova Santa Rita, destaca que o jejum tem um papel importante na divulgação da luta organizada contra a reforma da Previdência. “A reforma da Previdência é o retrocesso para o povo brasileiro, em especial nós agricultores, camponeses da reforma agrária. Nós estamos aqui em defesa de toda a classe, mas também para dizer que não vamos retroceder nesse processo de luta até que essa reforma destituída por completo”, destaca.
Fátima Soares, da direção da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA-RS), destaca que decidiu participar da ação para representar as mulheres, especialmente as trabalhadoras negras do setor da alimentação. “Estou aqui em prol das pessoas mais novas que, com certeza, não vão conseguir suas aposentadorias. São pessoas que vão lutar a vida inteira e não vão alcançar o objetivo que todo mundo quer”, diz.
Após o início do jejum, foi realizado um ato de apoio ao grupo. Na ocasião, além de expressarem apoio, deputados do PT se comprometeram a participar de pelo menos uma parte do jejum. No início da tarde, já tinham começado a jejuar os deputados Tarcísio Zimmermann e Stela Farias. Eles serão substituídos amanhã pelos parlamentares Jefferson Fernandes e Nelsinho Metalúrgico. Outros deputados também devem participar de alguma parte do jejum, mas, por questões médicas, não podem acompanhar a ação por um período mais prolongado, como é o caso de Altemir Tortelli.
“Estamos juntos, apoiando, e parte dos deputados estarão diretamente envolvidos”, diz Tortelli, acrescentando que a ação é uma das prioridades da bancada na luta contra a reforma da Previdência. “Nós estamos acompanhando a nossa bancada federal em Brasília e a movimentação que os sindicatos estão fazendo para que, se houver votação na semana que vem, a linha que a CUT-RS está tirando é a linha que nós vamos estar mobilizando nossos vereadores, prefeitos, lideranças, no sentido de fazer as paralisações em todas as cidades do Brasil”, diz o deputado.
O ato foi encerrado por volta do meio-dia, com uma celebração religiosa comandada por um frei franciscano. Ele lembrou que avanços sociais sempre foram conquistados “a custa de sangue”. Além de pedir para que os presentes lembrassem os mártires do passado, declamou uma benção da resistência para pedir proteção aos jejuantes de Porto Alegre e dos demais estados.
(Com a IHU)
Comentários