A acumulação de nuvens tempestuosas
Paralisação de caminhoneiros no Brasil |
Prabhat Patnaik [*]
A última vez que a economia indiana enfrentou uma grave perturbação macroeconómico, o que é diferente do aumento mais ou menos constante da pobreza que acompanha o desempenho do seu crescimento, foi em 2013, quando houve uma desvalorização drástica da rupia. O facto de que desde então nenhuma perturbação semelhante ter surgido no horizonte, apesar do contínuo défice em conta corrente do país, foi devido a dois factores específicos: os reduzidos preços internacionais do petróleo bruto que mantiveram a factura de importação da Índia e portanto o seu défice em conta corrente; e a facilidade de influxos financeiros, devido a taxas de juro reduzidas nos EUA, as quais tornaram transferências de fundos para países como a Índia, que oferecem taxas comparativamente mais elevadas, uma proposta atraente para a finança globalizada.
Não é preciso muita perspicácia para ver que esta situação não poderia perdurar para sempre. Os EUA tinham de aumentar suas taxas mais cedo ou mais tarde para acalmar os interesses rentistas. Uma ascensão nas taxas de juro dos EUA já estava a acontecer e quando ela ganhasse impulso a Índia teria de qualquer modo de enfrentar uma crise de balança de pagamentos.
Mas mesmo antes que esta fonte de perturbação pudesse se verificar, uma outra fonte de perturbação emergiu: houve um aumento agudo nos preços internacionais do óleo, o que está a ameaçar a economia indiana. Os trabalhadores do país que sofrem tanto com o funcionamento "normal" da economia, e ainda mais coma perturbação deste funcionamento "normal", estão a enfrentar um ataque drástico nos seus padrões de vida. A aceleração na inflação que já está a ocorrer é apenas o primeiro sintoma.
O aumento drástico nos preços do petróleo, com barril do Brent elevando-se a US$80, o nível mais alto desde 2014, tem naturalmente um componente especulativo subjacente ao mesmo, o qual decorre das expectativas de sanções dos EUA contra o Irão na sequência do abandono por Trump do Acordo Nuclear Iraniano, e também a confusão política na Venezuela, com a direita, apoiada pelos EUA, a criar perturbações económicas. Mas completamente à parte dos factores especulativos, há uma causa mais básica para o aumento do preço do petróleo e que se relaciona com o facto de que a OPEP finalmente conseguiu actuar em conjunto.
Durante longo tempo houve divisões dentro da OPEP, com a Arábia Saudita a opor-se a qualquer corte na produção para reverter a queda que havia ocorrido nos preços do petróleo, com a argumentação de que isto permitiria a produtores dos EUA, incluindo os de shale oil, capturar uma fatia mais ampla do mercado petrolífero mundial.
Se os preços mundiais permanecessem baixos, então vários produtores estado-unidenses não considerariam lucrativo produzir petróleo e portanto cessariam as operações. Outros dentro da OPEP queriam que o cartel cortasse na produção e aumentasse os preços, mas eles não podiam ultrapassar a oposição saudita. Mas a própria Arábia Saudita, a qual é criticamente dependente das receitas do petróleo, começou a sentir a pressão dos preços baixos e teve de deflacionar a economia, cortando num certo número de subsídios e outras transferências, o que ameaça corroer o apoio político desejado pela monarquia.
Portanto, em Dezembro de 2016 a Arábia Saudita mudou a sua posição e foi alcançada uma decisão de cortar na produção, a qual anuída mesmo pela Rússia, outro grande produtor. Muitos naquela altura estavam cépticos sobre a possibilidade de este acordo realmente actuar; mas parece ter sido, o que é a razão principal por trás do presente aumento dos preços do óleo.
A Arábia Saudita desta vez não só está a aderir ao corte como também informou favorecer um aumento do preço do barril do Brent para US$100. Com tais preços não há dúvida de que a produção dos EUA se expandirá; e isto exerceria uma pressão baixista nos preços do óleo. Onde os preços finalmente se fixariam está para ser visto, mas pouca dúvida pode haver em que durante 2018 e grande parte 2019 os preços do petróleo não vão experimentar qualquer declínio. Isto por sua vez elevaria os preços de todo um conjunto de outras matérias-primas e portanto exerceria uma pressão altista sobre bens finais na economia mundial.
Esta pressão já é evidente no caso da Índia, onde a regra absurda do governo de que qualquer aumento no preço do óleo importado deveria ser repassado imediatamente levou a uma revisão em alta significativa dos preços da gasolina e do gasóleo na semana seguinte a meados de Maio. Mas totalmente à parte das suas consequências inflacionárias, o aumento do preço do petróleo anuncia sérias dificuldades de balança de pagamentos. Estima-se que a ascensão do Brent para US$80/barril custará à economia US$50 mil milhões adicionais na factura da importação. De facto durante o ano financeiro 2018-19, o défice em conta corrente como proporção do PIB é expectável que aumente para 2,5 por cento.
Isto por si mesmo não teria causado qualquer perturbação imediata se entradas financeiras da magnitude apropriada estivessem a chegar ao país. Mas há indicações de que a finança começa a virar as costas à economia indiana, o que é manifesto num declínio no valor da rupia para 68 por US dólar, apesar do facto de que o Banco de Reserva tem estado deprimido nas suas reservas de divisas estrangeiras para escorar a rupia.
Anteriormente, o influxo financeiro era suficientemente grande não só para cobrir o défice em conta corrente mas mesmo para aumentar as reservas de divisas estrangeiras do país à taxa de câmbio corrente (a qual o banco central tentou manter a fim de impedir uma perda de competitividade externa para bens indianos através de uma apreciação da taxa de câmbio). As reservas cambiais estrangeiras (forex) em consequência ultrapassaram os US$400 mil milhões há alguns meses, mas agora tem havido algum declínio porque os influxos financeiros não são bastante grandes para cobrir o défice em conta corrente.
As entradas financeiras líquidas provavelmente vão minguar ainda mais e mesmo tornarem-se negativas (isto é, transformarem-se em saída) por causa da própria depreciação da rupia que cria expectativa de uma nova depreciação por duas razões: primeiro, a persistência das dificuldades da balança de pagamentos que o país enfrenta; e segundo, por causa da aceleração da inflação que está a verificar-se. (Tipicamente espera-se que taxas de câmbio declinem quando a inflação no país está a ocorrer a uma taxa mais rápida do que no exterior; e isto aconteceria no caso da Índia se persistir a regra da "transmissão imediata" dos custos da importação de petróleo para os preços finais).
Isto levará a nova depreciação real da rupia, um caso de expectativas que se realizam por si próprias. E tal depreciação real por sua vez causará novas expectativas de uma depreciação e nova depreciação real através de uma espiral viciosa. Mas uma vez que a depreciação da rupia aumentar o custo de importação do petróleo mesmo que o preço mundial se estabilize nos US$80 por barril, sob a política do governo de "transferência" imediata dos custos mais altos de importação do petróleo para os compradores, haverá uma persistência da inflação. Tal persistência da inflação será então uma razão adicional para criar expectativa de depreciação da rupia e portanto para provocar depreciação real.
Sempre que expectativas entram em jogo, economias vulneráveis tendem a ser capturadas em espirais viciosas. E a economia indiana, a qual sempre foi vulnerável apesar do seu aparente alto crescimento, uma vez que tem sido criticamente dependente do influxo da finança especulativa para sustentar sua balança de pagamentos, está agora confrontada com as perspectivas de uma tal espiral.
Há outro elemento no quadro que também trabalha no mesmo sentido e que tem a ver com taxas de juro. Se outras coisas permanecessem as mesmas, então um aumento na taxa de juros da Índia só poderia ter sido um meio de romper esta espiral. Mas outras coisas não permanecem as mesmas. Uma vez que a alta nos preços do petróleo estimulará a inflação por toda a parte, incluindo os EUA, as taxas de juro nestes últimos serão elevadas para reduzir a procura agregada e aumentar o desemprego.
Isto é para impedir a classe trabalhadora dali de obter aumentos no salário monetário para compensar pela inflação, de modo a que a inflação com isso fique "controlada" (a expensas dos trabalhadores). Um tal aumento das taxas de juro nos EUA, e alhures, naturalmente agravará a crise capitalista mundial. Adicionalmente, impedirá o influxo líquido de montantes adequados de finança dentro da Índia para cobrir nosso défice em conta corrente.
Na verdade, a Índia pode elevar suas taxas de juro ainda mais para manter um diferencial em relação às taxas de juro dos EUA, de modo a que torne outra vez a Índia um destino atraente para influxos financeiros. Mas há limites para os quais as taxas de juro podem ser elevadas numa economia capitalista sem minar a sua própria viabilidade. (Elas não podem, por exemplo, exceder a taxa de lucro).
Uma elevação das taxas de juro dos EUA portanto será tipicamente acompanhada por uma redução do diferencial-de-taxa-de-juro entre os EUA e a Índia (isto vai ser ainda mais verdadeiro quando olhamos o diferencial "real" de taxas de juro, isto é, o diferencial entre taxa de juro nominal menos o diferencial da taxa de inflação). As perspectivas de influxos financeiros líquidos serem suficientemente grandes para cobrirem o crescente défice em conta corrente da Índia são provavelmente ainda mais negras por esta razão; e as perspectivas de a Índia cair dentro do círculo vicioso da espiral acima mencionada ainda maiores.
Tudo isto enfatiza a seriedade dos problemas que ameaçam a economia indiana se ela continuar com a política de operações de mercados sem restrições. Mas impedir tais operações sem restrições equivale a uma retirada do neoliberalismo e portanto exige a ultrapassagem da resistência da finança globalizada e da grande burguesia interna.
27/Maio/2018
[*] Economista, indiano, ver Wikipedia
O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2018/0527_pd/gathering-storm-clouds . Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
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