A área do Xingu vira verdadeira "Sucursal do Inferno"
A área desmatada na floresta amazônica que cerca a bacia do Rio Xingu chegou a 12.342 hectares apenas em abril. O número é mais que o dobro do registrado no mês anterior, quando cerca de 5 mil hectares foram desmatados entre os estados de Mato Grosso e do Pará, cortados pelos quase 2 mil quilômetros de extensão do rio.
Os dados coletados pelo satélite Sentinel-1, processados pelo Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento na Bacia do Xingu (SiradX) e divulgados pelo Instituto Socioambiental (ISA), indicam que o desmatamento disparou no estado de Mato Grosso, que concentra 81% da área desmatada.
A reportagem é de Isabella Macedo, publicada por Congresso em Foco, 20-05-2018.
Segundo o ISA, o aumento do desmatamento na região pode ser atribuído à diminuição das chuvas e à abertura de uma área de quase 4 mil hectares no município de Querência. Não se sabe se o proprietário da área possui licença para o desmate da área, que deve ser destinada à lavoura de grãos com base no uso e ocupação do solo.
Desde o início do ano, quando o monitoramento por meio do satélite Sentinel-1 começou, pelo menos 23.860 hectares foram desmatados na região. A bacia do rio Xingu, um dos afluentes do Rio Amazonas, tem sua nascente no Parque Indígena do Xingu, que abriga diversas terras indígenas e unidades de conservação e proteção ambiental. A região representa 12% da Amazônia Legal.
Garimpos preocupam
As finalidades dos desmatamentos nos dois estados são diferentes. Enquanto no Pará o desmatamento é focado em exploração garimpeira, no Mato Grosso a agropecuária é o principal motivador dos desmates. Apesar de ter os índices de desmatamentos mais baixos em relação ao estado vizinho, mais da metade das derrubadas no Pará aconteceram em terras indígenas e em unidades de conservação, o que é ilegal.
Esses desmatamentos na área paraense da bacia do Xingu representam uma atividade “preocupante”, de acordo com o ISA, especialmente as registradas na terra indígena Kayapó. Por ser uma região que concentra ouro nos leitos dos rios, é especialmente atraente para garimpeiros. Além disso, a chegada da seca, que diminui o nível dos rios, pode facilitar a passagem de maquinários pesados para o local.
Já existem dois garimpos de ouro na região, um na vizinhança da terra indígena e outro em uma região isolada dentro da área Kayapó, ligada a garimpos maiores com atividade residual.
“Há necessidade de se realizar ações firmes para frear a intensificação do garimpo. As operações de fiscalização, apesar de serem pontualmente efetivas, não têm conseguido estancar a exploração ilegal”, diz o relatório, que recomenda ainda que as operações contem com ações de inteligência para rastrear a chegada de mercúrio e fiscalizar a comercialização do ouro e das vias de acesso aos garimpos.
Além da Kayapó, a terra indígena Ituna/Itatá também é considerada crítica pelos altos índices de desmatamento. De acordo com o primeiro relatório do SiradX, a área é alvo de um processo de ocupação desde 2014, que atingiu o ápice no segundo semestre de 2017. Em 2013, a região registrou desmatamento de apenas 7 hectares, número que saltou para 1.349 em 2017.
Além dos prejuízos ambientais com o desmatamento e possibilidade de contaminação da água e do solo durante a exploração do mineral, o avanço do garimpo também pode ter impactos na vida dos povos indígenas. Em janeiro deste ano, por exemplo, o movimento Munduruku Ipereg Ayu comunicou, por meio de carta, que uma aldeia na terra indígena Munduruku, também no Pará, foi extinta por causa do garimpo ilegal.
“O garimpo invadiu tudo, corrompeu com doenças nossos parentes e matou a floresta e as roças, trazendo doenças, prostituição, uso de álcool entre os homens e mulheres e drogas entre os mais jovens”, diz trecho da carta direcionada ao Ministério Público Federal (MPF) e à Fundação Nacional do Índio (Funai) .
SiradX
O aumento no ritmo do desmatamento na região pode ser observado desde janeiro deste ano, com o auxílio do satélite Sentinel-1, da Agência Nacional Europeia (ESA, na sigla em inglês), que possui uma tecnologia que permite gerar imagens “através das nuvens”. O ISA criou uma série de algoritmos para processar as informações coletadas pelo satélite. Os dados e imagens passam ainda por analistas e são verificados em campo pela Rede de Monitoramento do Xingu, que também inclui o Instituto Kabu, a Associação Floresta Protegida e o Instituto Raoni.
Com o monitoramento sem dependência de boas condições climáticas, a fiscalização pode ser mais eficaz, aponta Rodrigo Balbueno, do Instituto Kabu. Antes era necessário aguardar o processamento e análises de imagens satélite, o que podia levar semanas. “Estávamos trabalhando sempre com o fato consumado. Quando a fiscalização chegava na região, a madeira já tinha ido embora e não tinha rastro de nenhuma atividade. Nossa ação era sempre posterior ao dano”.
O especialista em geoprocessamento do ISA, Juan Doblas, também afirma que agora é possível monitorar a região durante todo o ano, medida que era considerada urgente. “A pressão no Xingu está crescendo com a construção de empreendimentos, abertura de áreas para lavoura de grãos, intensificação da grilagem, roubo de madeira e mineração ilegal”, afirma.
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