O veneno que escorre do Congresso
Marina Amaral (*)
A garrafa com líquido vermelho escuro foi exibida como prova ao repórter Ciro Barros durante a série de reportagens sobre o Matopiba, publicada nas últimas semanas. “Foi assim que ficou o rio no inverno passado”, explicou ao jornalista o agricultor Juarez Celestino de Souza, morador da comunidade de Melancias, em Gilbués, no Piauí - o “pi” do Matopiba, considerado a última fronteira agrícola do país.
Juarez não tem dúvida sobre o que tingiu o riozinho que passa atrás do seu quintal, e garante a vida nos baixões do Piauí. “Em época de chuva, o veneno todo que eles jogam lá em cima desce aqui”, explica. Lá em cima – nas chapadas – ficam as plantações de soja de gigantes como a Insolo (do fundo de investimento de Harvard), SLC e Pinesso que deixam escorrer os agrotóxicos pelas encostas atingindo as fontes de água do cerrado, protegidas por famílias como a de Juarez.
Não satisfeito, o agronegócio associado às gigantes da indústria química faz lobby no Congresso pela maior liberação de “pesticidas” – incluindo os produtos que utilizam substâncias já proibidas em outros países por seu potencial teratogênico (que gera deformações em fetos) e cancerígeno. A aprovação do substitutivo do projeto de lei criado pelo rei da soja e ministro da Agricultura, Blairo Maggi, quando parlamentar, é dada como certa pelos ruralistas – que presidem a Comissão Especial da Câmara e fazem a relatoria do projeto.
A votação só foi interrompida na quarta-feira passada para aprovar com urgência o pacote de benefícios e isenções fiscais à transportadoras rodoviárias. Pode-se esperar a mesma união dos deputados em relação à lei dos agrotóxicos, prestes a ser chancelada pela Comissão Especial.
O que não se sabe ainda é o tamanho do impacto da nova lei sobre a saúde de todos nós, em especial entre os agricultores familiares, já combalidos pela alta da extrema pobreza, que predomina entre a população rural no Norte e no Nordeste – também a mais impactada pelos cortes do ajuste fiscal em programas sociais.
O lucro das votações no Congresso se multiplica entre multinacionais agroquímicas, especuladores do mercado e fazendeiros da soja, patronos da bancada ruralista. Quanto ao veneno, a garrafa de seu Juarez mostra bem aonde vai parar.
(*) Marina Amaral é codiretora da Agência Pública
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