Qual o futuro da Coreia do Norte após o acordo com os EUA?

                                                                                
Eduardo Vasco

No último dia 12, Kim Jong Un, presidente da República Popular Democrática da Coreia, e Donald Trump, presidente dos EUA, realizaram um histórico encontro em Cingapura para discutir e entrar em acordos para alcançar a paz na Península Coreana, após mais de um ano de intensa crise diplomática, com ameaças de uma guerra nuclear.

Do encontro, foram definidos quatro pontos a serem desenvolvidos nas próximas negociações entre as partes, em uma aproximação sem precedentes e vista com grande apreensão por todo o mundo. São eles: 1) o compromisso mútuo em estabelecer novas relações conforme os desejos de paz de ambos os povos; 2) a união de esforços para construir um regime de paz duradoura e estável na península; 3) o comprometimento pela RPDC em trabalhar pela desnuclearização completa da península, reafirmando a Declaração de Panmunjon entre as duas Coreias; 4) EUA e RPDC se comprometem em recuperar os restos mortais dos presos e desaparecidos na Guerra da Coreia (1950-1953), incluindo a repatriação imediata dos que já foram identificados.

A grande questão levantada foi a possibilidade de a Coreia do Norte abandonar seu programa nuclear e destruir seus armamentos atômicos. Trump sempre exigiu isso do governo norte-coreano e o compromisso assinado por Kim Jong Un para a desnuclearização é considerado como um passo nesse sentido. Entretanto, Pyongyang vê esse processo de desnuclearização por outra óptica, segundo a qual ela apenas encerraria seu programa nuclear sem, no entanto, destruir suas armas.

Em entrevista ao canal RT en Español, o delegado especial da RPDC para o Ocidente, Alejandro Cao de Benós, afirmou que o país sentou na mesa de negociações com os EUA com as seguintes reivindicações principais: 1) a assinatura de um tratado de paz definitivo que ponha fim à Guerra da Coreia; 2) o levantamento progressivo das sanções; 3) a não interferência norte-americana na península, para que a reunificação seja alcançada.

Mais significativa foi sua declaração de que a Coreia do Norte “em nenhum caso” vai se desfazer do “material nuclear dissuasivo”, apenas se dispondo a não lançar novos mísseis intercontinentes nem transferir conhecimento nuclear a outras nações. Ele completou: “A RPDC não aceitará nenhuma ingerência em sua política interna, como o abandono do sistema socialista ou comunista, nem qualquer tipo de concessão que suponha uma perda de sua soberania.”

Vitória norte-coreana

Nesse sentido, a destruição no final de maio do polígono nuclear de Punggye-ri não representou a capitulação diante das pressões pelo desarmamento nuclear. Foi a consideração de que a Coreia do Norte não precisa desenvolver mais armas após ter finalizado com êxito seu programa nuclear, segundo Lucas Rubio, presidente do Centro de Estudos da Política Songun-Brasil, instituição que pesquisa e divulga as atividades militares norte-coreanas.

O acordo com os EUA “demonstrou, acima de tudo, uma vitória da RPDC” porque ela fez Washington “sentar na mesa de negociações para conversar de igual para igual”, opina.

O historiador e cientista político Diego Grossi, pesquisador e estudioso da história e da política norte-coreana, tem a mesma avaliação. “É importante ressaltar que (a reunião do último dia 12) é uma vitória da paz, capitaneada pela Coreia, por ter sido ela a verdadeira promotora desse processo em uma linha que ela já vem defendendo há muito tempo. Os coreanos não cederam, não estão colocando na mesa de negociação a sua política interna, a sua autodeterminação”, diz.

“Eles simplesmente estão negociando o seguinte: há um programa nuclear que é voltado para defender o país das ameaças evidentes do imperialismo; se o imperialismo concorda em ceder e parar com as ameaças, não há motivo para eles continuarem com essa política internacional de caráter até espartano”, completa.

Alguns resultados do encontro foram dados a conhecer nas horas posteriores. Trump anunciou a suspensão dos exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, bem como a disposição em retirar futuramente as tropas dos EUA que estão estacionadas em solo sul-coreano. Além disso, ele declarou à imprensa que tinha um pacote de 300 novas sanções prontas para serem aplicadas a Pyongyang, mas que voltou atrás e as congelou.

Enquanto essas são medidas concretas tomadas pela Casa Branca, Kim Jong Un apenas se comprometeu com a desnuclearização da península, o que já havia feito ao assinar a Declaração de Panmunjon, em 27 de abril, junto com o presidente sul-coreano Moon Jae In. Mas esse compromisso não informa nenhum detalhe do que seria especificamente essa “desnuclearização completa”, o que pode dar continuidade às interpretações contrárias de Washington e Pyongyang a esse respeito.

Oportunidades econômicas

Após serem divulgados os resultados do encontro, China e Rússia emitiram declarações pedindo a retirada de sanções contra a Coreia do Norte.

“Se caírem as sanções, os coreanos terão mais oportunidades para investir na qualidade de vida de seu povo”, prevê Grossi.

Alguns veículos de comunicação têm especulado que as recentes visitas de Kim Jong Un ao líder chinês Xi Jinping seriam para “pedir dinheiro” à China, como afirmou uma reportagem da CNN.

De qualquer forma, uma distenção e aproximação política com as principais potências poderia significar para a RPDC o fim do isolamento econômico e uma abertura para sua economia, essencialmente estatal. 

É o que esperam os grandes grupos econômicos dos Estados Unidos, com uma eventual queda do regime socialista. Outros, menos otimistas, pensam que uma abertura gradual ou parcial já seria uma grande oportunidade para adentrar o mercado de consumidores em potencial que é uma sociedade de 25 milhões de habitantes.

China e Rússia seriam grandes beneficiárias de uma integração econômica entre as Coreias do Norte e do Sul. A estatal russa de gás e petróleo, Gazprom, já retomou as negociações para construir um gasoduto que vá até a Coreia do Sul, passando pelo Norte. Moscou também tem em seus planos a construção de uma ferrovia intercoreana que se conecte à Transiberiana, o que se tornaria uma via de grande integração econômica para a RPDC.

Grossi, no entanto, acha improvável que a Coreia do Norte se torne uma economia de mercado, uma vez que isso não está posto na mesa de negociação com os EUA. Ele lembra que houve poucos casos de uma semi-abertura da economia norte-coreana nos últimos anos.

“Você não vê nos discursos das grandes lideranças uma defesa de mudanças internas no sentido de um 'socialismo de mercado' como fez a China”, ressalva. “Não me parece uma tendência dentro do (governante) Partido do Trabalho da Coreia para executar esse meio para a construção do socialismo”, constata, lembrando que a abertura econômica do gigante asiático é oficialmente justificada pelo Partido Comunista Chinês como um caminho para alcançar o socialismo com características chinesas.

Mesmo oprimida por pesadas sanções, a economia da Coreia do Norte cresceu 3,9% em 2016, seu maior crescimento em 17 anos. Lucas Rubio recorda que instituições ocidentais estimam que a economia norte-coreana estará em um alto patamar nos próximos 40 anos.

Desde o início dos anos 2000, o governo norte-coreano vem implementando a chamada “Política Byungjin”, uma linha de desenvolvimento militar e econômico simultâneos. Com a conclusão de seu programa nuclear e a transformação do país em uma potência nuclear, os norte-coreanos podem voltar seus recursos exclusivamente para o desenvolvimento econômico.

“Agora que eles não precisam mais gastar recursos militares, terão muito mais para investir na economia e infraestrutura, no bem-estar do povo, o que sempre foi a ideia do Partido do Trabalho”, considera.

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(Com o Diário Liberdade)

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