A existência do euro, causa primária dos "coletes amarelos"
Todd, Sapir, Gomez, Rosa, Hureaux, Werrebrouck, … [*]
Cerca de vinte anos após o lançamento do euro, a 1º de Janeiro de 1999, a situação da moeda única europeia é paradoxal. Por um lado, o fracasso deste projecto é patente, o que é reconhecido pela maior parte dos economistas competentes, inclusive numerosos prémio Nobel. Por outro, este assunto agora é tabu em França, ao ponto de que nenhum responsável político ousa abordá-lo de frente. Como se explica uma tal situação?
Ninguém faz a ligação do actual movimento dos "coletes amarelos" com o fracasso do euro. Ora, o empobrecimento da maior parte, de que ele é o sinal mais manifesto, decorre directamente das políticas executadas para tentar salvar, custe o que custar, a moeda única europeia.
Não se trata tanto da política de flexibilização quantitativa praticada pelo Banco Central Europeu, de resto pouco eficaz, para relançar a produção, mas políticas orçamentais de alta dos impostos e de baixa dos investimentos públicos, exigidas por toda a parte pela Comissão de Bruxelas. Estas, certamente, acabaram por corrigir as contas externas de certos países deficitários.
Em contrapartida, isto foi ao preço de uma "desvalorização interna", ou seja, de uma diminuição drástica dos rendimentos, associado a um estrangulamento da procura interna. Elas engendraram assim um afundamento dramático da produção na maior parte dos países da Europa do Sul e uma taxa de desemprego que se manteve muito elevado, apesar de um êxodo maciço das forças vivas destes países.
A zona euro é desde então aquela em que a taxa de crescimento se tornou a mais baixa do mundo. As divergências entre os países membros, longe de terem sido reduzidas, ampliaram-se grandemente. Ao invés de favorecer a eclosão de um mercado europeu de capitais, a "moeda única" foi acompanhada de uma ascensão do endividamento, público e privado, da maioria das nações.
Ora, a própria existência do euro, de que outrora ainda podia discutir os efeitos, agora tornou-se um assunto absolutamente tabu. Enquanto a sua ligação com o descontentamento actual é manifesto, os partidários do euro fazem reluzir aos franceses suas vantagens grandemente ilusórias (salvo a facilidade de deslocamento na Europa).
Eles esboçam um quadro apocalíptico da situação económica que se verificaria em caso de saída da "moeda única", com o objectivo de por em pânico franceses que não aprofundara o assunto.
Face a tais argumentos, é preciso hoje mostrar tudo o que o euro fez perder à França em matéria de crescimento económico (colapso das suas fatias de mercado na Europa e no mundo, enfraquecimento dramático do seu aparelho industrial). Os franceses já sofrem recuos em matéria de poder de compra, de emprego, de reforma, de qualidade dos serviços públicos, etc.
As política de "desvalorização interna", que são indispensáveis se se quiser manter o euro, ainda não foram executadas plenamente entre nós, ao contrário dos outros países da Europa do Sul, mas elas já provocam reacções de rejeição. O movimento dos "coletes amarelo" é a consequência directa.
É preciso explicar aos nossos compatriotas que o inconveniente principal do euro, para a França, é uma taxa de câmbio demasiado elevada que engendra, fatalmente, uma perda de competitividade da nossa economia, majorando os preços e custos salariais franceses em relação ao da maior parte dos países estrangeiros.
Evitemos baralhar os espíritos com a ideia de uma eventual coexistência entre um franco restabelecido e uma "moeda 2 comum", provida de todos os seus atributos, pois é uma via sem saída: uma tal moeda não poderia ser concebida validamente senão como uma simples "unidade de conta", análoga ao antigo ECU. Quanto à perda de soberania devida ao euro, ainda que seja indubitável, trata-se de um assunto teórico, longe das preocupações dos franceses. Estes são sensíveis sobretudo à sua situação concreta.
Por falta de compreensão das questões reais, muitos de nossos compatriotas mantêm, por enquanto, um medo que não desapareceu em relação a qualquer reviravolta do status quo, enquanto os apoiantes do euro urram toda vez que seu fetiche é posto em causa.
O que fazer nestas condições? Face ao descontentamento dos franceses, é evidente que nenhuma política de recuperação da França será possível se não recriarmos uma moeda nacional cuja taxa de câmbio seja adaptada ao nosso país. Mas também é certo que esta mudança deve ser feita sob condições que sejam viáveis e aceites pelo povo francês.
A primeira destas condições seria preparar uma transição harmoniosa para um pós-euro, se possível discutindo com nossos parceiros a organização de uma desmontagem concertada, mas se não for possível tomando a iniciativa de modo unilateral depois de ter estabelecido as medidas conservatórias apropriadas.
A segunda seria fazer nossos compatriotas compreenderem as vantagens de uma "desvalorização monetária" do franco novo, acompanhada de uma política económica coerente, dominando a inflação, como foi o caso em 1958 com o general de Gaulle, depois em 1969 com Georges Pompidou.
E a inflação seria ainda menos temível hoje devido ao sub-emprego das nossas capacidades de produção. A perda inelutável do poder de compra, resultante do encarecimento de certas importações, seria apenas modesta e passageira, sendo muito rapidamente compensada pela retomada da produção nacional.
A dívida pública do nosso país seria sobrecarregada, pois ela seria automaticamente convertida em francos (conforme a regra dita lex monetae que prevalece em matéria de finança internacional). A França e os franceses recuperariam assim as brilhantes perspectivas de futuro que, até o presente, o euro abafou constantemente.
Tribuna colectiva assinada por Guy BERGER, Hélène CLÉMENT-PITIOT, Daniel FEDOU, Jean-Pierre GERARD, Christian GOMEZ, Jean-Luc GREAU, Laurent HERBLAY, Jean HERNANDEZ, Roland HUREAUX, Gérard LAFAY, Jean-Louis MASSON, Philippe MURER, Pascal PECQUET, Claude ROCHET, Jean-Jacques ROSA, Jacques SAPIR, Henri TEMPLE, Jean-Claude WERREBROUCK, Emmanuel TODD
10/Dezembro/2018
O original encontra-se em www.les-crises.fr/...
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