Reformas a golpes de matraca...

                                                                  Ian Langsdon/reprodução
       
O movimento de contestação e de revolta em França não cessa de se ampliar. E um dos factores de mobilização é a própria violência policial. Jovens das universidades e dos liceus são alvo de brutalidades, a somar às «reformas» que têm vindo a ser empreendidas, gerando novos obstáculos sociais e económicos ao acesso à educação.


Cena de uma vida agora habitual em França, nestes tempos atormentados. Quinta-feira, 6 de Dezembro, fim da manhã, diante das grades de um estabelecimento de ensino secundário de uma comunidade muito tranquila dos arredores parisienses. Uma centena de alunos de 15, 16 ou 17 anos começa a sair tranquilamente do seu liceu para ir almoçar, discutindo, brincando, felizes por terem terminado as aulas da manhã. 

Curiosamente, diante dos edifícios escolares, um grupo de policias bloqueia o acesso à rua que os jovens costumam percorrer no regresso a casa. Enquanto os alunos seguem por outra rua sem problemas, surge bruscamente em passo acelerado um grupo de uns vinte CRS, equipados com capacetes, couraças e escudos. Perante os adolescentes pasmados e aterrados, os CRS param e colocam-se em formatura, saem três da fila, armam as armas de gás lacrimogéneo. Um jovem grita: «Fujam eles vão atirar! Eles vão atirar!

E efectivamente disparam. Os alunos que não ficaram imóveis aterrados e estupefactos fogem a toda a pressa; os outros vêem-se repentinamente atacados, selvaticamente atingidos, insultados. Um deles cai por terra, é espancado por dois CRS que lhe gritam: «Filho da mãe!» uma rapariga atacada à bastonada, a boca em sangue, ouve outro CRS gritar: «Cabra!» Sob o assalto dos que, mesmo em casos semelhantes, são chamados «guardiães da paz», os jovens conseguem todos escapar, correndo para o liceu para aí se refugiar, ou espalham-se pelas ruas adjacentes. Que tinham feito estes alunos do liceu? Nada. Rigorosamente nada, saíam das aulas, regressavam a casa, e os CRS atacaram-nos. Sem qualquer razão.

Incompreensível, inaceitável, inquietante. Coisas no género têm acontecido dezenas e dezenas de vezes no decorrer destes últimos dias em França. Nesta França que o presidente Emmanuel Macron «reforma». A golpes de matraca. Na véspera, quarta-feira 5, vários alunos de liceu tinham sido gravemente feridos com balas de borracha: um (16 anos, atingido na fronte) na região dos países do Loire, outro (da mesma idade no rosto) na Ilha de França. 

Vídeos desses factos foram imediatamente colocados nas redes sociais. Nos dois estabelecimentos referidos, as assembleias-gerais de ensino votaram comunicados afirmando o apoio solidário dos professores aos seus alunos e apelando ao bloqueio comum dos liceus.

Em 5 de Dezembro mais de 200 alunos foram barrados em todo o território nacional e muitos outros foram incomodados. A mobilização dos «coletes amarelos» alarga-se como mancha de óleo e a contestação ganha hoje o mundo estudantil. Ao apelo dos sindicatos dos liceus, ou por vezes mais espontaneamente, muitos jovens se manifestam contra a reforma neoliberal efectuada na Educação nacional e destinada a aumentar as propinas escolares e a endurecer a selecção à entrada da universidade a fim de afastar os filhos das famílias desfavorecidas.

A resposta do governo: enviar a tropa e lançar granadas de gás lacrimogéneo e balas de borracha. Indistintamente, ao acaso. Basta que um caixote do lixo arda…. Em todo o país, mais de 150 interrogatórios de adolescentes tiveram lugar a 5 de Dezembro. E no departamento mais popular de Paris, Seine-Saint Dennis, a cólera estende-se já aos colégios (ou seja, crianças de 11-14 anos).

Nesse mesmo dia, o bloqueio de vários locais da Universidade da Sorbonne (nos campos de Tolbiac em Paris I, de Paris III Censier…) foi igualmente decidido e aplicado. O movimento de contestação estudantil interrompido a 20 de Abril último pela irrupção do CRS para evacuar a «Comuna livre de Tolbiac» poderá recomeçar em força. 

Uma coisa é muito clara: um regime que maltrata assim a juventude, já ameaçada pelos riscos do desemprego, da precaridade, de dificuldades socioeconómicas múltiplas e contínuas, não tem futuro. Está condenado. Mas antes que haja mudança, vai utilizar (com que legitimidade?) os meios de violência que tem à sua disposição para tentar manter a sua ordem - iníqua, cínica e finalmente insustentável.

Quinta-feira, 6 de Dezembro de 2018

Tradução: Manuela Antunes

(Com Odiario.info/)

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