O míssil era de Putin!
Pepe Escobar (*)
A tragédia do avião abatido sobre a Ucrânia tem duas interpretações: a de Washington e dos media ao seu serviço, que já sabem tudo: o que aconteceu, como aconteceu, e quem são os responsáveis. E a de outras fontes cuja informação começa a juntar as peças do acontecimento, que não tirou ainda conclusões, mas que começa a revelar dados muito significativos. Dados que podem talvez explicar a pressa do imperialismo em impor a sua versão.
Eis o veredicto da Guerra da contra-informação: a presente tragédia das linhas aéreas da Malásia – a segunda em quatro meses – é “terrorismo” perpetrado por “terroristas pró-russos”, armados pela Rússia, e Vladimir Putin é o principal responsável. Assunto arrumado. Se alguém tiver opinião diferente, que fique calado.
Porquê? Porque a CIA disse que foi assim. Porque Hillary “viemos, vimos, ele morreu” Clinton disse que foi assim. Porque a doida varrida Samantha “R2P” Power disse que foi assim – trovejando na ONU, e tudo devidamente impresso num Washington Post infestado de “neo-cons”. [1]
Porque os media corporativos anglo-americanos – da CNN à FOX (que tentou comprar a Time Warner, proprietária da CNN) disseram que foi assim. Porque o Presidente dos Estados Unidos disse que foi assim. E sobretudo porque Kiev tinha em primeiro lugar vociferado que foi assim.
Alinharam todos pela mesma cartilha – o invariável cortejo de “peritos” da “comunidade de informações dos EUA”, salivando literalmente contra a “perversa” Rússia e o “perverso Putin; especialistas de vigilância electrónica que, embora não tenham sido capazes de identificar um comboio de reluzentes Toyotas brancos atravessando o deserto para tomar Mosul, sentenciaram já que são desnecessárias mais averiguações, resolvendo instantaneamente o enigma do voo MH17.
Não importa que o Presidente Putin tenha sublinhado que a tragédia do MH17 deve ser investigada com objectividade. E “com objectividade” não significa certamente aquela fictícia noção de “comunidade internacional” construída por Washington – a habitual congregação de maleáveis vassalos/fantoches.
E então que se passa com Carlos?
Uma simples pesquisa revela que o MH17 foi efectivamente desviado 200 quilómetros para norte em relação à rota habitualmente seguida pela Malaysia Airlines nos dias anteriores – e que mergulhou directamente para o meio da zona de guerra. Porquê? Que tipo de comunicação recebeu o MH17 da torre de controlo de tráfego aéreo de Kiev?
Kiev tem permanecido silencioso acerca da questão. E no entanto a resposta teria sido simples, caso Kiev tivesse divulgado a gravação das comunicações entre a torre de controlo e o voo MH17; a Malásia fê-lo quando o voo MH370 desapareceu para sempre.
Essa divulgação não irá acontecer; a segurança da SBU (serviços de segurança ucranianos) confiscou a gravação. Ficou arrumada a hipótese de acesso a uma versão não manipulada da razão porque o MH17 se desviou da rota, e do que os pilotos viram e disseram antes da explosão.
O Ministério da Defesa Russo, por seu lado, confirmou que uma bateria de mísseis antiaéreos Buk controlada por Kiev estava operacional nas proximidades da zona onde caiu o MH17. Kiev tem colocado no terreno várias baterias Buk de mísseis terra-ar com capacidade de pelo menos 27 lançadores; são perfeitamente capazes de atingir aviões a jacto voando a 33,000 pés.
Os militares russos detectaram radiação emitida pelo radar Kupol de uma dessas baterias – instalado como parte integrante de uma bateria Buk-M1- localizado perto de Styla (uma vila cerca de 30km a sul de Donetsk). Segundo o ministério, o radar poderia estar a fornecer informação de trajectória a uma outra bateria a distância capaz de atingir o percurso de voo do MH17.
O limite máximo da capacidade de detecção de trajectórias do Sistema Buk é de 50 milhas. O MH17 voava a 500mph. Portanto, assumindo que os “rebeldes” dispunham de um Buk operacional e foram que abateu o avião, não teriam tido mais do que cinco minutos para esquadrinhar os céus, a todas as altitudes possíveis, e fixar o alvo. Por essa altura já teriam verificado que um avião de carga não podia voar a tal altitude. Sobre elementos em apoio da possibilidade de uma indicação falsa do ponto de onde foi lançado o míssil, ver aqui.
Depois, existe a cada vez mais curiosa história de Carlos, o controlador de tráfego aéreo espanhol trabalhando na torre de controlo de Kiev, que estava a seguir o MH17 em tempo real. Para alguns Carlos é real – não um código; para outros nem sequer trabalhou nunca na Ucrânia. Em qualquer caso, agarrou-se ao tweeter como louco. A sua conta – não por acaso – foi encerrada, e ele desapareceu; os seus amigos andam agora desesperadamente à sua procura. Consegui ler todos os seus tweets em espanhol enquanto a conta estava ainda em linha – e estão já disponíveis cópias e a tradução em inglês.
Estes são alguns dos seus cruciais tweets:
- “O B777 foi escoltado por dois jactos de combate ucranianos antes de desaparecer do radar (5.48 p.m.)”
- “Se as autoridades de Kiev quiserem admitir a verdade 2 jactos de combate estavam avoar muito próximo do avião alguns minutos antes do acidente, mas não o abateram (5.54 p.m.)”
- Logo que o B777 da Malaysia Airlines desapareceu a autoridade militar de Kiev informou-nos de que fora abatido. Como é que o sabiam? (6.00)”
- Foi tudo registado pelo radar. Para aqueles que não acreditem, foi abatido por Kiev; sabemo-lo aqui (no controlo de tráfego) e o controlo militar do tráfego aéreo também o sabe (7.14)”
- “ O Ministério do Interior sabia que estavam aviões de combate na zona, mas o Ministério da Defesa não sabia (7.15)”
- “Os militares confirmam que foi a Ucrânia, mas desconhece-se de onde partiu a ordem (7.31)”
O testemunho de Carlos (uma compilação parcial dos seus tweets) está recolhido aqui: http://slavyangrad.wordpress.com/2014/07/18/spanish-air-controller-kiev-borispol-airport-ukraine-military-shot-down-boeing-mh17/ ): o míssil foi disparado por ordem do Ministério do Interior – Não do Ministério da Defesa. Acontece que as questões de segurança do Ministério do Interior estão sob a alçada de Andriy Parubiy, que trabalhou lado a lado com os neo-cons dos EUA e os neonazis do Banderastan no Maidan.
Assumindo-se que Carlos é credível, o testemunho faz sentido. Os militares estão divididos entre o rei do chocolate Petro Poroshenko – que gostaria de um desanuviamento com a Rússia essencialmente para prosseguir os seus obscuros negócios – e a Santa Yulia Timoshenko, que advoga publicamente o genocídio da etnia russa na Ucrânia Oriental. Os neo-cons e os “conselheiros militares” dos EUA no terreno jogam aos dois carrinhos, apoiando tanto a facção Poroshenko como a facção Timoshenko.
Então, a quem interessa?
A questão-chave permanece, evidentemente, o cui bono? Apenas alguém em estado de morte cerebral pode acreditar que abater um avião de passageiros traria qualquer benefício aos federalistas da Ucrânia Oriental, já para não falar do Kremlin.
Já no que respeita a Kiev, dispõem dos meios, do motive e da janela de oportunidade para o ter realizado – especialmente depois das milícias de Kiev terem sido efectivamente desancadas e se encontrarem em retirada no Donbass; e isto quando Kiev permanece obstinadamente apostado em atacar e bombardear a população da Ucrânia Oriental mesmo a partir dos ares. Não admira que os federalistas tenham tido que se defender.
E existe ainda a suspeita escolha do momento. A tragédia do MH17 sucedeu dois dias após os BRIC terem anunciado um antídoto ao FMI e ao Banco Mundial, à revelia do dólar-US. E precisamente quando Israel avança “cautelosamente” na sua invasão/lenta limpeza étnica de Gaza. A propósito, a Malásia é a sede da Comissão Kuala Lumpur de Crimes de Guerra, que considerou Israel culpado de crimes contra a humanidade.
Washington, está claro, também beneficia. O que o Império do Caos consegue neste caso é um cessar-fogo (de forma a que as desorganizadas e desancadas milícias de Kiev possam ser reabastecidas); a classificação dos ucranianos do leste como “terroristas” de facto (tal como Kiev, ao estilo Dick Cheney, sempre desejou); e um ilimitado arremessar de lama sobre a Rússia e sobre Putin em particular por tempos infindos. Nada mau por alguns minutos de trabalho. No que diz respeito à NATO, é o Natal em Julho.
A partir de agora, tudo depende dos serviços de informação russos. Eles têm vindo a vigiar/acompanhar tudo o que sucede na Ucrânia 24 horas por dia todos os dias. Nas próximas 72 horas, depois de se debruçarem sobre uma quantidade de dados de acompanhamento, utilizando despistagem por radar, satélite e telemétrica, saberão que tipo de míssil foi lançado e de onde, e talvez reproduzam comunicações da bateria que o lançou. E terão acesso a provas forenses.
Ao contrário de Washington – que já sabe tudo, sem qualquer espécie de prova (lembram-se do 11 de Setembro?) – Moscovo demorará algum tempo até conhecer os factos jornalísticos básicos acerca do quê, quando, onde, e quem e empenhar-se-á em provar a verdade e/ou em desmentir a contra-informação de Washington.
Os antecedentes históricos mostram que Washington simplesmente não divulgará informação se ela apontar para um míssil vindo dos seus vassalos de Kiev. Os dados poderão até apontar para uma bomba colocada no MH17, ou para uma falha mecânica – embora seja improvável. Se o que sucedeu foi um terrível erro dos rebeldes de Novorrossiya, Moscovo terá de o admitir, embora com relutância. Se foi Kiev o autor, a revelação será instantânea. Em qualquer caso já sabemos qual será a histérica resposta ocidental: aconteça o que acontecer, a culpa é da Rússia.
Putin estava mais do que certo quando sublinhou que esta tragédia não teria sucedido se Poroshenko tivesse aceitado prolongar um cessar-fogo, tal como Merkel, Hollande e Putin tentaram convencê-lo a fazer em Junho. No mínimo, Kiev é já culpado porque é responsável pela travessia segura do espaço aéreo que – teoricamente – controla.
Mas tudo isso está já esquecido sob o nevoeiro da Guerra, da tragédia e das manobras de diversão. E quanto às histéricas proclamações de Washington acerca da sua própria credibilidade, deixo-vos apenas uma referência: Iran Air 655.
Notas:
1. Missile Downs Malaysia Airlines Plane Over Ukraine Killing 298, Kiew Blames Rebels, Washington Post, 18 Julho 2014.
(*) Pepe Escobar é o autor de Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007), Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge (Nimble Books, 2007), e Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009).
http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/CEN-01-190714.HTML (Com odiario.info)
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