Em tempos de desmonte, um compromisso ético em favor dos direitos sociais

                                                                                
   
 Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos 

“Grandes mentes discutem ideias, mentes medianas discutem eventos, pequenas mentes discutem pessoas”
 (Eleanor Roosevelt). 

Em uma manhã de provocações, assim denominada por Solange Fernandes (PUCPR), na última terça-feira, 15 de agosto, demos início à terceira edição do ciclo de estudos e debates Trabalhadoras(es) do Sistema Único de Assistência Social, promovido pelo CEPAT, com o apoio do IHU. 

Fernandes trabalhou a partir do tema Sistema Único da Assistência Social: desafios frente a nova conjuntura. E já na abertura deste ciclo chamou a atenção a representativa participação de pessoas de diferentes cidades da Região Metropolitana de Curitiba, como Araucária, Colombo, Fazenda Rio Grande e Pinhais.  


Solange Fernandes destacou os difíceis tempos que estamos enfrentando, que não se trata apenas de uma nova onda neoliberal, mas, sim, de um tsunami neoliberal no Brasil. Tudo o que nós trabalhadoras(es) entendemos e construímos de seguridade social está sendo desmontado. 

Por enquanto, estamos sentindo o baque das decisões políticas do Congresso Nacional e da gestão Temer, mas como as mudanças são de curto e longo prazo, tudo pode piorar ainda mais, já que estão previstos progressivos cortes no orçamento da Assistência Social. 

Em 20 anos, significará um corte de 880 bilhões de reais. Infelizmente, voltaremos a viver a era do assistencialismo, um retrocesso inevitável a um Brasil de 20 anos atrás.

Para citar um exemplo, em 2017, já houve um corte de 9% no orçamento destinado às medidas socioeducativas, ou seja, da previsão inicial de 85 bilhões, reduziu-se o orçamento para 79 bilhões. E os cortes seguirão gradualmente nos próximos anos.

Outra informação assustadora: o governo fez um cruzamento de dados, via sistema, em relação ao Programa Bolsa Família, sem nenhuma avaliação técnica dos profissionais da Assistência Social nos Municípios, e simplesmente cancelou a participação de 469.000 famílias que recebiam o programa de transferência de renda. 

Além disso, outras 634.000 famílias tiveram os benefícios bloqueados por causa da renda per capita, ou seja, porque a renda familiar ultrapassou em 10 ou 15 reais o limite de corte. Em outros casos, as famílias possuíam financiamento de uma casa ou de um carro e foram bloqueadas. 

Precisamos nos perguntar: como uma mãe, carrega seu filho deficiente? Quantos atendimentos uma criança portadora de deficiência necessita? É o sistema quem sabe? Ou somos nós, trabalhadoras(es) da política da assistência social? É para isso que servem os pareceres sociais.  

Um outro ponto. O Benefício de Prestação Continuada - BPC, que atende idosos e deficientes, até então estava sob a responsabilidade da Previdência Social e da Assistência Social, contudo, a partir das mudanças oriundas do Governo Temer, a Assistência Social passou a ser uma mera gestora burocrática, sem qualquer autonomia sobre os recursos. 

Em que isto impacta na ação cotidiana do trabalho social? Justamente no tempo de trabalho destinado às escutas qualificadas das famílias, mediações, trabalhos com grupos de adolescentes, idosos, mulheres vítimas de violência doméstica, entre outros, bem como no trabalho com a comunidade. Tudo isto ficará prejudicado.

Segundo Fernandes, o Programa Criança Feliz é o golpe fatal para a Assistência Social, e é o retorno ao assistencialismo. Serão contratados 80.000 visitadores. Para o grupo de participantes do ciclo de estudos e debates, quando questionado por Fernandes, tais visitadores serão meros fiscalizadores da vida das famílias, sem nenhuma preocupação acerca do impacto social de seus trabalhos. 

Fernandes alerta que o desmonte não está focado somente na Assistência Social, também precisamos olhar o pacote da Terceirização, da Reforma da Previdência, da Reforma do Ensino Médio, o congelamento do orçamento em 20 anos para os direitos sociais, entre outros. 

Tal cenário impacta diretamente em nosso trabalho e na sociedade brasileira. Se as coisas continuarem assim, voltaremos à absolutização da pobreza, da miséria crônica, da violência e da criminalização. As pessoas ficarão sem perspectiva, sem força para viver. 

Apesar de todos os males, Fernandes também considera que a crise é uma possibilidade concreta para buscarmos respostas coletivas e qualificadas, pois a resposta para o fenômeno está dentro dele. É nessa perspectiva sócio-histórica que ela acredita. 

“Precisamos continuar nosso caminho”, propõe Fernandes. É tempo de retomarmos o trabalho e fazermos uma autocrítica, avaliando também o nosso modo de proceder no trabalho, promovendo uma nova escuta social. Precisamos priorizar o planejamento. 

É tempo de retomar o trabalho social com as lideranças, despertar novos atores sociais nos territórios. O momento é propício para se elaborar e executar um plano de formação política na defesa dos direitos humanos e das políticas públicas. É urgente a tarefa de ativar fóruns de debate. Além do mais, trata-se de um ato de resistência. 

Quando possuímos um conhecimento, há um compromisso ético em repassá-lo aos que ainda não o possuem, já que o profissional da assistência social é como um marco na estrada. Nosso papel é também o de oferecer caminhos.

(Com o Instituto Humanitas Unisinos)

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