TECNOLOGIA NO TRIBUNAL
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Robôs permitem que juízes deixem de
lado função de gestor de processos e varas
Pedro Canário
O aumento do número de casos que chegaram aos tribunais a partir da Constituição de 1988, que pretendeu democratizar o acesso à Justiça, fez a demanda ir muito além da capacidade de trabalho imediato das cortes. Com isso, nasceu a figura do “juiz-gestor”, preocupado com o funcionamento da máquina e o andamento das filas de ações que abarrotam o Judiciário.
E a demanda cresce à medida que os tribunais se mostram produtivos, a ponto de haver um processo ajuizado por segundo no Brasil, segundo a professora Luciana Gross Cunha, fazendo com que país tenha atingido a marca de 100 milhões de processos em trâmite.
A solução para isso é devolver ao juiz o seu papel original: julgar. E deixar que a tecnologia se ocupe do resto, apostam especialistas.
É o que diz Tiago Melo, analista de inovação e coordenador do laboratório de ciência de dados para o Judiciário da Softplan, empresa que fabrica o software e-SAJ, usado por diversos tribunais e procuradorias de Estado. Nesta sexta-feira (25/8), ele apresentou a solução que o Tribunal de Justiça de São Paulo, um dos clientes do SAJ, pretende implantar para ajudar em sua administração.
É uma ferramenta que o jargão tecnológico chama de business inteligence, ou BI. Com base nas informações produzidas pelo tribunal, o sistema produz análises, desenha gráficos e tira conclusões para embasar o processo de tomada de decisões.
A base de dados não é singela. Com mais de 400 desembargadores, o TJ de São Paulo é o maior tribunal da América Latina e um dos maiores do mundo. Segundo a Softplan, tem uma base de dados de 300 TeraBytes de informação, cifra que tende a dobrar a cada dois anos.
Com isso, a ferramenta é capaz de analisar a atividade jurisdicional paulista dos últimos 12 meses e prever o comportamento da população em relação ao Judiciário pelos próximos 24. O programa já percebeu, por exemplo, que em algumas comarcas o número de demissões também aumenta o número de divórcios. Ou que mudanças em índices de correção monetária estimulam litígios judiciais envolvendo bancos e cadastros de restrição a crédito.
O projeto ainda é piloto, mas os software já estão prontos. O TJ prevê começar a usá-los dentro de cinco semanas. “Hoje já conseguimos prever quais processos vão atrasar, quantos, em que fases do andamento e até definir os prováveis motivos”, diz Tiago Melo. De posse dessas informações, o tribunal pode tomar decisões como a alocação de juízes, abertura de concursos, especialização de varas, correições extraordinárias e mais uma série de possibilidades que só o uso do programa vai dizer.
Robô-juiz
Quando a empresa fala em eliminar processos com base na intuição, não se refere apenas à administração da Justiça. Essa base de dados de 300 TB também contém um histórico de decisões e hoje robôs já são capazes de identificar o que já se tornou precedente e o que ainda é novidade na jurisprudência. Conseguem também aprender padrões de comportamento com base nas informações que os magistrados incluem no sistema.
A própria Softplan vem tentando vender a tribunais um sistema de análise de dados que separa sozinho, de uma petição, o que está sendo pedido, o que são relatos de fatos, os valores da causa, o que é doutrina citada etc. É o que o mundo da tecnologia da informação chama de “computação cognitiva”: um robô é programado para entender as linguagens e padrões praticados por advogados, procuradores e juízes, mas também para aprender conforme sua interação com seres humanos.
Esse tipo de interação permite que programas de computador se tornem assistentes digitais da magistratura. Quando um juiz recebe uma petição e já sabe exatamente o que ler dela, também é capaz de tomar decisões mais precisas e mais céleres – já que o mesmo robô informa qual é a jurisprudência a respeito de cada pedido.
Numa realidade em que o Código de Processo Civil estabelece a obediência aos precedentes como um dos critérios da jurisdição, mas o tribunal tem mais informação do que um cérebro humano é capaz de compreender as dimensões, esse tipo de tecnologia chega a ser inevitável.
“Já é possível que o juiz se preocupe apenas em concordar ou não com as conclusões do programa. Ele sempre vai ser necessário, porque processos tratam de problemas reais com implicações concretas, então precisa dizer se aquelas situações apontadas pelo sistema se aplicam ao caso ou não, ou se o pedido em questão é o mesmo sobre o qual se firmou determinada jurisprudência”, explica o analista de negócios da Softplan Alexandre Golin.
O grande desafio, segundo ele, é saber se a magistratura vai se empolgar com a ideia de ser assistida por assessores digitais. E se está disposta a ensinar a esses robôs como se comportar de acordo com padrões específicos de cada juiz, de cada gabinete, de cada grupo de assessores e de cada tribunal.
De acordo com Golin, o conhecimento será produzido toda vez que o sistema for usado. O que se precisa decidir é se esse aprendizado ficará restrito a cada gabinete ou se ele será jogado “na nuvem” para que todos possam aprender. “A tecnologia não é mais o problema. O que precisamos entender agora é o mundo do Judiciário”, analisa Tiago Melo. “Precisamos usar máquinas para trabalhos que precisam de máquinas e humanos para atividades que precisam de humanos.”
(Com a ConJur)
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