Feminismo para os 99%: as mulheres em greve no 8 de março

                                                     

An­gela Davis, uma das au­toras do texto que con­voca uma greve geral in­ter­na­ci­onal das mu­lheres para o  8 de março

Várias Autoras

Ano pas­sado, no 8 de março, nós, mu­lheres de todos os tipos, mar­chamos, pa­ramos de tra­ba­lhar e to­mamos as ruas em cin­quenta países ao redor do mundo. Nos Es­tados Unidos, nos ma­ni­fes­tamos, mar­chamos, dei­xamos as louças para os ho­mens em todas as grandes ci­dades desse país e em in­con­tá­veis ci­dades me­nores. Nós in­ter­rom­pemos o fun­ci­o­na­mento de três dis­tritos es­co­lares para provar ao mundo, mais uma vez, que en­quanto sus­ten­tamos a so­ci­e­dade nós também temos o poder de fecha-la. Oito de março está che­gando no­va­mente e as coisas pi­o­raram para as mu­lheres nesse país.

Nesse pri­meiro ano de go­verno Trump, não fomos apenas ata­cadas com abuso verbal e ame­aças mi­só­ginas sob o dis­farce de de­cla­ra­ções ofi­ciais. O re­gime Trump co­locou em prá­tica po­lí­ticas que con­ti­nu­arão tais ata­ques contra nós de formas pro­fun­da­mente ins­ti­tu­ci­o­nais.

As re­formas tri­bu­tá­rias e tra­ba­lhistas (Tax Cuts e Job Acts) ceifam isen­ções que be­ne­fi­ciam tra­ba­lha­dores de sa­lá­rios mais baixos, cuja vasta mai­oria é com­posta de mu­lheres. Há planos para des­truir o Me­di­caid e o Me­di­care, os dois únicos pro­gramas que restam nesse cruel ce­nário ne­o­li­beral que pro­tegem os idosos e os po­bres, os do­entes e os de­fi­ci­entes, o pla­ne­ja­mento fa­mi­liar e as cri­anças – e, por­tanto, as mu­lheres, as quais fazem a maior parte do tra­balho de cui­dados. 

E en­quanto o ato nega as­sis­tência mé­dica para cri­anças imi­grantes, in­troduz pou­pança uni­ver­si­tária para “cri­anças não nas­cidas” (nas­ci­turos), uma ma­neira ar­re­pi­ante de es­ta­be­lecer por de­creto legal “di­reitos” às “cri­anças não nas­cidas”, desse modo, as­sal­tando nosso di­reito fun­da­mental de tomar de­ci­sões sobre nosso pró­prio corpo.

Mas essa não é toda a his­tória. Com todas essas frentes de guerra abertas contra nós, não nos aco­var­damos. Nós de­vol­vemos com luta.

Quando, no ou­tono pas­sado, mu­lheres com vi­si­bi­li­dade pú­blica e acesso à mídia in­ter­na­ci­onal de­ci­diram romper o si­lêncio sobre as­sédio e vi­o­lência se­xual, as com­portas foram fi­nal­mente abertas e uma tor­rente de de­nún­cias pú­blicas inun­daram a rede.

As cam­pa­nhas #MeToo, #UsToo e #Ti­mesUp tor­naram vi­sível aquilo que a mai­oria das mu­lheres já sabia: seja no am­bi­ente de tra­balho ou em casa, nas ruas ou nos campos, em pri­sões ou em cen­tros de de­ten­ções do ICE (Im­mi­gra­tion and Cus­toms En­for­ce­ment), a vi­o­lência de gê­nero com seu efeito ra­cista di­fe­ren­ciado as­sombra a vida co­ti­diana das mu­lheres.

O que também se tornou claro é que o si­lêncio pú­blico sobre algo que sempre sou­bemos, su­por­tamos e lu­tamos contra, não existe apenas porque temos medo ou ver­gonha falar: o si­lêncio é for­çado. O si­lêncio é im­posto por leis do Con­gresso que fazem as mu­lheres passar por quase um ano de acon­se­lha­mento obri­ga­tório e me­di­ação caso ousem prestar uma queixa ofi­cial. Ele é afe­tado pelo sis­tema de jus­tiça cri­minal que ro­ti­nei­ra­mente re­jeita re­latos de mu­lheres usando ca­madas adi­ci­o­nais de in­ti­mi­dação e vi­o­lência. 

Em campi uni­ver­si­tá­rios, ad­mi­nis­tra­dores dis­postos en­con­tram meios “le­gais” in­te­li­gentes para pro­teger a ins­ti­tuição e o cri­mi­noso en­quanto jogam as mu­lheres aos lobos. Os fun­da­mentos ra­cistas desses pro­ce­di­mentos le­gais exigem uma res­posta.

#MeToo, #UsToo e #Ti­mesUp não apenas ex­pu­seram es­tu­pra­dores in­di­vi­duais e mi­só­ginos, elas ras­garam o véu que es­condia as ins­ti­tui­ções e es­tru­turas que os au­to­ri­zava.

A vi­o­lência de gê­nero ba­seada em raça é in­ter­na­ci­onal, como deve ser a cam­panha contra ela. O im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, mi­li­ta­rismo e co­lo­ni­a­lismo fo­mentam mi­so­ginia ao redor do mundo. Não é uma coin­ci­dência que Harvey Weins­tein, em seus longos anos ten­tando si­len­ciar e ater­ro­rizar mu­lheres, usou a em­presa de se­gu­rança Black Cube, que é feita de ex-agentes do Mossad (Ins­ti­tuto para In­te­li­gência e Ope­ra­ções Es­pe­ciais do Es­tado de Is­rael) e de ou­tras agên­cias de in­te­li­gência de Is­rael. 

Nós sa­bemos que o mesmo Es­tado que manda di­nheiro a Is­rael para bru­ta­lizar a pa­les­tina Ahed Ta­mimi e sua fa­mília também fi­nancia as pri­sões em que mu­lheres afro-ame­ri­canas como Sandra Bland e ou­tras mor­reram.

Por­tanto, em 8 de março nós es­tra­remos em greve contra a vi­o­lência de gê­nero – contra os ho­mens que co­metem vi­o­lência e contra o sis­tema que os pro­tege.

Nós acre­di­tamos que não foi ne­nhum aci­dente que foram as nossas irmãs com po­sição so­cial des­ta­cada que pri­meiro tor­naram vi­sível aquilo que todas sa­bíamos. A ca­pa­ci­dade delas para isso foi mais forte do que a de nossas irmãs de sa­lá­rios mais baixos, tantas vezes ne­gras, que limpam quartos na­quele chique hotel de Chi­cago ou de nossa irmã que colhe frutas nos campos da Ca­li­fórnia.

A vasta mai­oria de nós não se ma­ni­festa porque nos falta poder co­le­tivo em nosso am­bi­ente de tra­balho, e porque nos são ne­gados su­portes so­ciais como as­sis­tência mé­dica gra­tuita, fora dele. O tra­balho, com seu sa­lário baixo, com seu ge­rente as­se­di­ador e seu chefe abu­sivo, com suas longas horas, se torna a única coisa que te­memos perder, porque é a única forma de prover co­mida a nossas fa­mí­lias e cui­dados aos nossos do­entes e en­fermos.

Nós não nos ca­lamos. Nós somos for­çadas pelo ca­pi­ta­lismo a nos calar. Por­tanto, em 8 de março nós fa­la­remos, pes­so­al­mente, contra os abu­sa­dores in­di­vi­duais que ten­taram ar­ruinar nossas vidas, e nós fa­la­remos, co­le­ti­va­mente, contra a in­se­gu­rança econô­mica que nos im­pede de falar.

Nós en­tra­remos em greve porque que­remos expor nossos abu­sa­dores pes­soais. E en­tra­remos em greve porque pre­ci­samos de pro­gramas de bem-estar so­cial e tra­ba­lhos com sa­lá­rios dignos para ali­mentar nossas fa­mí­lias bem como do di­reito de nos sin­di­ca­lizar, caso se­jamos de­mi­tidas por nos ma­ni­festar contra seus abusos.

Por­tanto, em 8 de março nós en­tra­remos em greve contra o en­car­ce­ra­mento em massa, a vi­o­lência da po­lícia e as pa­tru­lhas de fron­teira, contra a su­pre­macia branca e o rufar de tam­bores das guerras im­pe­ri­a­listas norte-ame­ri­canas, contra a po­breza e a vi­o­lência es­tru­tural mas­ca­rada que fe­cham nossas es­colas e hos­pi­tais, en­ve­nenam nossa água e co­mida e nos negam jus­tiça re­pro­du­tiva.

E nós en­tra­remos em greve por di­reitos tra­ba­lhistas, di­reitos iguais para todos os imi­grantes, igual­dade sa­la­rial e sa­lário digno, porque a vi­o­lência se­xual no am­bi­ente de tra­balho é per­mi­tida quando nos falta meios de de­fesa co­le­tiva.

8 de março será o dia do fe­mi­nismo para os 99%: um dia de mo­bi­li­zação de mu­lheres ne­gras e mar­rons, cis e bi, tra­ba­lha­dores lés­bicas e trans, das po­bres e de sa­lá­rios baixos, das cui­da­doras não pagas, das tra­ba­lha­doras se­xuais e mi­grantes.

Em 8 de março, #En­tra­mo­sEm­Greve.

An­gela Davis, Bar­bara Smith, Cinzia Ar­ruzza, Ke­e­anga-Ya­mahtta Taylor, Linda Al­coff, Liza Fe­athers­tone Tithi Bhat­ta­charya, Nancy Fraser, Rosa Cle­mente e  Zillah Ei­sens­tein

(Com o Correio da Cidadania)

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