O miojo, o Chile e o STF
Marina Amaaral (*)
Goste-se ou não de Cristina Kirchner há que se admitir que ela não apenas é uma boa estrategista, mas tem sorte. A opção pela candidatura à vice-presidência – com Alberto Fernández na cabeça de chapa – tem se mostrado uma escolha acertada para a atual senadora e duas vezes presidente, que esse ano já ocupou duas vezes o banco dos réus em processos que é acusada por corrupção. O que ela define como “perseguição política”.
Pois bem. Se as pesquisas já indicavam a vitória da dupla peronista no próximo domingo, os protestos no Equador, e agora no Chile, devem impactar positivamente a candidatura opositora a Macri, igualmente adepto das políticas neoliberais que revoltaram a população nos dois países. Para os argentinos que já sofrem com a crise econômica que jogou 2,7 milhões de pessoas na pobreza nos últimos 12 meses, o exemplo não poderia ser mais contundente.
As rebeliões nos países hermanos também servem de alerta para nós, brasileiros, e não apenas pela admiração confessa de Paulo Guedes ao modelo do Chile, onde foi professor na universidade quando ela estava sob intervenção da ditadura de Pinochet.
As violações de direitos humanos cometidas nos dois países – com ênfase para o caso chileno onde pelo menos 18 pessoas foram mortas, e 77 feridas (53 delas por armas de fogo) – já provocaram o aplauso de nosso presidente, admirador dos torturadores da ditadura militar no Cone Sul.
Na quarta-feira, enquanto divertia a torcida cozinhando miojo no Japão, Bolsonaro declarou ter acionado o Ministério da Defesa para monitorar possíveis protestos no país. Duas semanas atrás ele havia baixado um decreto criando um cadastro para reunir informações pessoais dos cidadãos, inclusive características biométricas como digitais e íris. Uma combinação preocupante nas mãos de um presidente que não demonstra apego à democracia, nem mesmo ao seu próprio partido.
Há mais um fator a levar em consideração. No momento em que escrevo esse texto, a votação do STF se encaminha para o fim da prisão após a condenação em segunda instância, o que poderia restituir a liberdade ao ex-presidente Lula. Como ensinou a ministra Rosa Weber ao votar pelo restabelecimento da prisão após o trânsito em julgado da sentença penal, como prevê o artigo 5º da Constituição, “o Supremo Tribunal Federal é guardião do texto constitucional e não o seu autor”.
Vamos ver como reagem à eventual soltura de Lula do PT – o “cão” na definição da ministra Damares – aqueles que não têm o mesmo apreço pela Constituição.
(*) Marina Amaral é codiretora da Agência Pública
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