Carta aberta de Cesare Battisti
"Carta aberta de Cesare Battisti a Lula e ao
Povo Brasileiro
14 de Novembro de 2009
Como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas
suas convicções. Vale a pena! Por Cesare Battisti
“CARTA ABERTA”
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
SUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRA
AO POVO BRASILEIRO
“Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda”.
(O homem em revolta - Albert Camus)
Se olharmos um pouco nosso passado a partir de um ponto de vista histórico, quantos entre
nós, podem sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de
desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos. Pouquíssimos
são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam com um mundo diferente,
mais justo.
Entretanto, frequentemente, por pura curiosidade ou circunstâncias, somente alguns
decidiram lançar-se na luta, sacrificando a própria vida.
A minha história pessoal é notoriamente bastante conhecida para voltar de novo sobre as
relações da escolha que me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que
alguns morreram, outros estão presos, e muito exilados.
Sabíamos que podia acabar assim. Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e
que a história já nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos.
Não tudo! Os sonhos continuam!
Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo foram conquistadas graças
ao sangue derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos 70, assim
como muitos outros aqui no Brasil, inclusive muitos companheiros que hoje são
responsáveis pelos destinos do povo brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não
lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar a
humilhação de ser tratado de criminoso comum.
Por isso, frente à surpreendente obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver
o que era realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos; que
fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha culpabilidade referente
aos quatro homicídios a mim atribuídos; não reconhecem a revelia do meu julgamento; a
prescrição e quem sabem qual outro impedimento à extradição.
Além de tudo, é surpreendente e absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo
político e no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em
crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a
condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato.
E frente ao fato das enormes dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo
italiano, o qual usou de todos os argumentos, ferramentas e armas, não me resta outra
alternativa a não ser desde agora entrar em “GREVE DE FOME TOTAL”, com o objetivo
de que me sejam concedidos os direitos estabelecidos no estatuto do refugiado e preso
político. Espero com isso impedir, num último ato de desespero, esta extradição, que para
mim equivale a uma pena de morte.
Sempre lutei pela vida, mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos
meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim, e, embora
cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A verdade que alguns insistem em não
querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver.
Findo esta carta, agradecendo aos companheiros que desde o início da minha luta jamais
me abandonaram e da mesma forma agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas,
que têm a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o princípio de tudo. A
vocês os meus sinceros agradecimentos. E como última sugestão eu recomendo que vocês
continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!
Espero que o legado daqueles que tombaram no front da batalha não fique em vão.
Podemos até perder uma batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está
reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade
Cesare Battisti"
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