O espelho búlgaro
Txente Rekondo(Gara)
Estes 23 anos representam para a Bulgária o caminho de uma suposta «democracia de recorte liberal e ocidental», o livre mercado, as privatizações selvagens, a austeridade económica e os desejos da elite de pertencer ao clube da União Europeia. É hoje um dos países mais empobrecidos do continente, com condições de vida muito medíocres e com uma corrupção estrutural. As empresas estatais foram liquidadas. A substituição do monopólio estatal no sector energético pelo das companhias privadas que operam sem qualquer regulação estatal e que sobem os preços à sua vontade produziu os primeiros protestos de Fevereiro.
Desde o passado mês de Fevereiro que boa parte da população búlgara vem saindo à rua em defesa das suas reivindicações. Se no início o detonador foi o preço da electricidade e o processo privatizador que permitiu a actual situação, rapidamente foi más além e se converteu num movimento popular contra a «velha elite política» e o sistema que a tem sustentado durante os últimos vinte e três anos. Essas primeiras manifestações acabaram com o primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borisov, e perante a recusa dos quatro partidos parlamentares em formar um governo, o presidente convocou eleições para o passado mês de Maio.
Eis a imagem do que surge da Bulgária após o acto eleitoral do passado 12 de Maio. Por um lado a participação pouco superou os 50%. Para além disso, as «falhas» ligadas à corrupção, ou seja «votos que no final não são contados», são elevadas e uma quarta parte dos votantes elege partidos que, não ultrapassando os 5 %, não conseguem entrar o parlamento, com o que voltamos a deparar com dois «triunfadores» (apesar de duramente castigados nas urnas): o partido Cidadãos pelo Desenvolvimento Europeu da Bulgária (GERB) e o Partido Socialista da Bulgária (BSP). Acompanham-nos o Movimento pelos Direitos e Liberdades (DPS), representante da minoria turca; e o ultradireitista e xenófobo Ataka.
Após várias tentativas o primeiro partido, GERB, não conseguiu alcançar os apoios necessários, pelo que o BSP constituiu o governo com o apoio do DPS e com a nomeação de vários independentes para o novo executivo.
A mais recente crise foi fruto da nomeação de Delyan Peeuski para a chefia da Agencia Estatal de Segurança Nacional (SANS), responsável pela segurança externa e interna do país.
Este personagem, político indiciado no passado por corrupção, conhecido oligarca e magnate da imprensa (a sua família possui cerca de 80 % da imprensa escrita), e sobretudo sem qualquer experiencia no citado sector, representa a simbiose da actual elite política búlgara, repudiada pela população nos protestos.
Embora no final o governo tenha feito marcha atrás, a maioria da população deixou claro o seu repúdio face a essa aliança entre interesses criminosos, económicos e políticos. Ou seja contra a corrupção, onde interesses políticos e criminosos andam de mão dada. Como assinala um analista local, «tornaram-se tão intocáveis e essa relação é tão evidente que começaram a ficar descuidados, não se preocupam nem com as aparências».
Face a tudo isto as pessoas vêm protestando contra a corrupção profunda e sistemática e contra o «sequestro» do Estado por parte de redes oligárquicas que são amplamente reconhecidas como aquelas que controlam efectivamente os principais partidos políticos e através deles as rédeas do governo.
Desde 1989, a repartição da representação política está sobretudo entregue a dois partidos, o GERB e o BSP. E depois de todo este tempo já não pode ocultar-se que o que acontece hoje em dia neste país tem uma relação directa com uma profunda crise de representação. Estes 23 anos representam para a Bulgária o caminho de uma suposta «democracia de recorte liberal e ocidental», o livre mercado, as privatizações selvagens, a austeridade económica e os desejos da elite de pertencer ao clube da União Europeia.
Juntamente com isto, é um dos países mais empobrecidos do continente, com elevados custos da energia, com condições de vida muito medíocres e com uma corrupção estrutural.
Através das privatizações as empresas estatais foram liquidadas. A substituição do monopólio estatal no sector energético pelo das companhias privadas que operam sem qualquer regulação estatal e que dispõem dos preços à sua vontade, o que encarece o produto e produziu os primeiros protestos de Fevereiro.
A liberalização da agricultura e o desmantelamento dos programas de assistência social contribuíram também para piorar a situação de amplos sectores da sociedade.
Na Bulgária, durante este período, foi também encarada a possibilidade de recorrer a essa nova figura tão em moda no Ocidente, os «governos tecnocratas», imagem do desprezo pela própria base daquilo que que estes mesmos actores definem como democracia.
A Bulgária está a despertar dessa amnésia de 23 anos, de uma transição e formalização de uma economia de mercado. Os manifestantes saíram à rua para mostrar que estão contra essa fusão das instituições públicas com grupos «cinzentos» da economia («Não à oligarquia»); contra essa forma de fazer política que se apoia em acordos políticos secretos e nas costas da cidadania («Transparência»); contra a defesa a qualquer preço de interesses empresariais, que apesar de vestir-se com um traje democrático se encontram nas antípodas do dito sistema («Não à democracia de fachada»); e contra as políticas xenófobas e isolacionistas de alguns, mas também contra os interessados em reduzir a realidade europeia à União Europeia («Bulgária é Europa»).
O complexo coquetel búlgaro de clientelismo, oligarcas, corrupção, tecnocratas e populismo enfrenta cada vez mais sectores que reclamam «justiça e igualdade».
Será por isso que na Europa não seja «politicamente correcto» acolher as reivindicações da população, talvez porque alguns possam ver-se reflectidos, juntamente com os seus interesses, no espelho búlgaro.
Fonte: http://gara.naiz.info/paperezkoa/20130721/414415/es/El-espejo-bulgaro
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