Líderes religiosos se reúnem contra intolerância
Igor Waltz e Cláudia Souza (*)
Um ato público em solidariedade a cultos religiosos de matriz afro-brasileira, realizado no início da noite da última quarta-feira, 21 de maio, reuniu lideranças de diferentes credos na sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI. O evento, intitulado “Independente de Escolhas, Somente Unidos Somos Fortes”, foi uma resposta de repúdio ao juiz federal Eugênio Rosa de Araújo, que decidiu pela não retirada do ar de 17 vídeos com teor ofensivo ao candomblé e à umbanda. O magistrado havia considerado que tais manifestações não seriam religiões, mas voltou atrás depois que o assunto ganhou repercussão na mídia.
Participaram da mesa do evento, organizado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) em parceria com a Associação Nacional de Mídia Afro (ANMA), o babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR, Márcio Righetti, presidente da ANMA; Jayme Salim Salomão, presidente da Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj); Nelson Águia, secretário da comissão de diálogo interreligioso da Arquidiocese do Rio, entre outros. Veja abaixo a lista completa de participantes do evento.
Um dos objetivos do evento foi recolher assinaturas que serão enviadas ao Presidente da 17ª Vara Federal do Rio. Durante o ato, Ivanir anunciou ainda que ANMA, em parceria com a Fierj, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic-RJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil-RJ (OAB-RJ) vão entrar como amicus curiae na ação do Ministério Público Federal (MPF). O babalawo acredita que a decisão do juiz federal legitima ações de intolerância que vem se proliferando na internet.
“Essa decisão nos coloca na ilegalidade, pois diz aos nossos detratores que eles podem fazer o que quiserem conosco. O magistrado voltou atrás, mas não tirou os vídeos do ar. E fez apenas para livrar-se de uma ação no Conselho Nacional de Justiça”, apontou o líder religioso.
Na visão do interlocutor da CCIR, o caso gerou um debate amplo sobre intolerância religiosa, mas reflete uma “campanha de estigmatização” que vem acontecendo em outros setores da sociedade. “Assistimos a uma séria ameaça à democracia, que se manifesta, por exemplo, na perseguição de diretores de escola a crianças que seguem religiões de origem africana. São funcionários público que colocam suas crenças pessoais à frente de suas obrigações com o Estado laico. É um ataque ao direito de ser diferente, inclusive ao direito de não ter religião”, comenta.
Ivanir defendeu ainda que a escolha da ABI para sediar o evento não foi aleatória, uma vez que a casa é símbolo da liberdade. O jornalista Marcelo Reis também exaltou a participação ativa da entidade nos movimentos sociais do Brasil. Para ele, o juiz foi instigado a se posicionar sobre a veiculação de vídeos, área relevante aos profissionais de comunicação, e tentou criar jurisprudência sobre algo que ele não foi chamado a deliberar. “A sociedade pode ser religiosa o Estado é laico. Temos o direitos de sermos religiosos, ateus ou agnósticos, mas o Estado não pode deliberar sobre isso”, aponta.
União das minorias
Para Jayme Salim Salomão, é necessário que haja mais integração entre as minorias étnicas e religiosas para que o combate à discriminação seja bem sucedido. “A luta contra intolerância precisa mudar para adaptar-se às novas formas de manifestação da intolerância, principalmente por meios eletrônicos. A Federação tem um corpo jurídico experiente nesse aspecto, e estaremos solidários e atentos à causa. Mas é preciso que essa luta seja de todos os cidadãos, uma vez que a liberdade de manifestação religiosa é garantida pela Constituição”, acredita o presidente da Fierj.
O presidente da ANMA também defendeu a união de diferentes setores da sociedade brasileira em defesa das liberdades democráticas e dos direitos humanos. “A luta só vai acabar quando esses vídeos, que são exemplo de intolerância, prepotência e arrogância forem excluídos”, declarou Márcio Righetti.
A ação conjunta de diferentes matizes religiosas também foi a tônica do discurso do representante da Igreja Católica. “Não devemos fomentar o ódio entre as religiões. A palavra é união. Temos mais em comum do que diferente, todas as religiões trazem mensagens de paz e justiça”, comentou O secretário da comissão de diálogo interreligioso da Arquidiocese do Rio, Nelson Águia,.
A presidenta da Congregação Espírita Umbandista do Brasil, Mãe Fátima, acredita que a pressão da sociedade brasileira vai fazer com que a Justiça reconsidere. “Graças ao trabalho da CCIR, a intolerância vem diminuindo. Mas temos que avançar mais. Qual é o interesse desse juiz em dizer que a umbanda não é religião? Provavelmente ele está associado a alguém da bancada religiosa”, sugeriu.
Para o representante da Aldeia Maracanã, Evandro Akko, da etnia Assurini, do Pará, a decisão judicial atropelou os direitos constitucionais e ignora a história da formação cultural do povo brasileiro. “O juiz parece estar vivendo em um século passado e não viu o sofrimento de negros e indígenas. Ele também ultrapassou as leis, passou por cima da nossa Constituição. Acho muito importante que um evento como esse acontece na ABI, uma casa democrática que abriga as mais diversas matizes políticas e religiosas”, afirmou.
**Lista completa dos participantes da mesa do evento
Babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR;
Mãe Beata de Iemanjá;
Mãe Edelzuita;
Mãe Meninazinha do Oxum;
Mãe Fátima Damas;
Pai Pedro Miranda;
Diácono Nélson Águia, secretário da comissão de diálogo interreligioso da Arquidiocese do Rio, representando Dom Orani;
Bispo Dom Filadelfo, representante da Igreja Anglicana;
Pastor Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana;
Pastora Luz Marina, da Igreja Luterana;
Sami Isbelle, da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro;
Inaê Estrela Pinheiro, da Comunidade Fé Bahá’í;
Ubiratan Ângelo, da Grande Loja Maçônica do Rio de Janeiro;
Paulo Maltz, do Conselho Nacional de Igreja do Rio de Janeiro(Conib);
Raga Bhumi, representante Hare Krishna;
Ogan Rafael Soares de Oliveira, representante do Koinonia;
Iedo Ferreira, do Movimento Negro;
João Caetano, da Associação Racionalista de Céticos e Ateus (Arca);
Cristiane Karituna, representante dos povos indígenas;
Graça Ferreira, do Ministério Racional da Restauração (MIR).
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