Ferreira Gullar - Carta aberta

                                                                 
                   
 Folha de S. Paulo

Desculpe se em vez de uma carta pessoal escrevo-lhe na página de um jornal, tornando público o que tenho a lhe dizer. A razão disso é que o assunto que pretendo abordar nada tem de íntimo. Pelo contrário, diz respeito a todos nós. Trata-se de sua posição em face de tudo o que está acontecendo neste nosso país governado, há quase treze anos, pelo seu partido, o PT.

Entendo que você, a certa altura da vida, tenha acreditado que Lula era um verdadeiro líder operário e que, como tal, conduziria os trabalhadores e o povo pobre na luta pela transformação da sociedade brasileira, a fim de torná-la menos injusta.

Era natural que fizesse essa opção, uma vez que lutar contra a desigualdade sempre fez parte de seus princípios. E muita gente boa, antes de você, também pusera sua esperança neste novo partido que nascia para mudar o Brasil. Alguns dos mais notáveis intelectuais brasileiros fizeram a mesma escolha que você.

É verdade também que, com o passar dos anos, essa convicção se desfez: Lula não era o que eles pensavam que fosse, e o seu partido não se manteve fiel ao que prometera. Mas você, não, você continua confiando em Lula e votando em todos aqueles que Lula indica, ainda que não os conheça ou, o que é pior, mesmo sabendo que não são nenhuma flor que se cheire.

Sei que há petistas mais cegos que você, como aqueles que foram às ruas para tentar impedir a privatização da Telefônica, alegando que se tratava de uma traição ao povo brasileiro. Lembra-se? Pois bem, a privatização foi feita e, graças a ela, o faxineiro aqui do prédio tem telefone celular. Mas, quando alguém fala disso, você muda de assunto.

Sei muito bem que política é coisa complicada. A pessoa defende determinada posição do seu partido, discute com os amigos, briga e, depois, aconteça o que acontecer, não dá o braço a torcer.

E, às vezes, chega ao ponto de defender atitudes indefensáveis, mas que, por terem sido tomadas por Lula, você se sente na obrigação de justificar. Por exemplo, quando Lula abraçou Paulo Maluf, quando se aliou ao bispo Edir Macedo, fazendo do bispo Crivela ministro do seu governo e quando viaja à custas da Odebrecht.

Não sei o que você diz a si mesmo quando, à noite, deita a cabeça no travesseiro. Como justificar o mensalão? Você poderia acreditar que Delúbio, tesoureiro do PT, tenha armado toda aquela patranha, sem nada dizer ao Lula, durante os churrascos que preparava para ele, todo domingo, na Granja do Torto. Tinha de acreditar, pois, do contrário, teria de admitir que Lula foi o verdadeiro mentor do mensalão.

Custa crer como você consegue dormir em meio a tanta mentira. E pior é agora, no chamado petrolão, que é o mensalão multiplicado por dez, já que, enquanto naquele a falcatrua era de algumas dezenas de milhões de reais, neste chega a bilhões. E, mesmo assim, consegue dormir? Não é para sacanear, mas você ainda repete aquele lema em que o PT dizia ser "o partido que não rouba nem deixa roubar"?

Quero crer que, pelo menos nisso, você se manca, porque as delações premiadas deixaram claro que ele não apenas deixa, como rouba também.

E a Dilma, que Lula tirou do bolso do colete e fez presidente da República, sem que antes tivesse sido sequer vereadora? Não chego a considerá-la paspalhona, como a chamou Delfim Neto, embora, com sua arrogância, tenha arrastado o país à bancarrota em que se encontra agora. Essa situação crítica a obrigou a adotar um programa econômico que sempre rejeitou e combateu.

Mas, ainda assim, tem o desplante de dizer que esta crise é apenas uma transição para a segunda etapa de seu plano de governo. Noutras palavras: a primeira etapa foi para levar o país à bancarrota e a segunda, agora, é para tentar salvá-lo. Ou seja, estava tudo planejado!

Não me diga que acredita nisso, camarada.

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