Khaled al-Assad, um herói sírio
Filipe Diniz
A destruição de países que o imperialismo vem desencadeando não opera apenas no plano da destruição física, económica e social. Opera também no plano da cultura e da arte, no plano da destruição e saque do património e da memória. Os povos do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, agora da Síria, sofrem o roubo, a uma escala sem precedentes, da arte e da herança cultural das civilizações milenares que floresceram nas regiões onde habitam. A luta contra essa destruição tem também os seus heróis.
Khaled al-Assad (foto), 82 anos, perito em questões do património histórico e artístico da Síria, foi há pouco mais de três meses decapitado pelo Daesh (1) na praça central da cidade histórica de Palmira. O seu corpo mutilado foi pendurado de uma coluna romana.
A sucessão de agressões imperialistas nos Balcãs e no Médio Oriente mostra que a cultura e o património histórico e artístico da humanidade passaram a um muito destacado lugar entre as primeiras vítimas da guerra.
O património histórico do Afeganistão, do Iraque, da Síria foram e são alvo de roubo, destruição, contrabando para o estrangeiro. Objectos sem preço desaparecem dos museus, dos sítios arqueológicos, dos locais onde há seculos integravam um incomparavelmente diversificado testemunho de civilizações milenares.
E reaparecem nos leilões e nas colecções europeias e norte-americanas. Moedas sírias com 2.500 anos surgem em leilões do ebay. Um estudo no Reino-Unido estimou em 58 milhões de dólares o valor dos artefactos à venda nesse país contrabandeados do Médio-Oriente.
A UNESCO lançou o alerta: o saque no Iraque a na Síria tem uma escala sem precedentes. Se locais como a cidade de Dura-Europos, com 2.300 anos, a “Pompeia do deserto sírio” estão a ser pilhados metro a metro, a razão principal não é o fundamentalismo, é um negócio de milhões. E o seu núcleo mais valioso não passa certamente pelas mãos dos pequenos ladrões.
Os diferentes escalões do tráfico estão identificados: o contrabando pelas fronteiras do Líbano e da Turquia (por onde passa também o petróleo roubado pelo Daesh); a “legitimação documental” na Alemanha e Suíça; a venda nos antiquários e nas grandes leiloeiras de Londres e Nova Iorque. Para os enormes excedentes de capital fictício existentes, o investimento em antiguidades é uma mina.
Khaled al-Assad, 82 anos, perito em questões do património histórico e artístico da Síria, foi morto porque se recusou revelar ao Daesh o local onde artefactos valiosos tinham sido guardados.
Com que palavras qualificar o heroísmo de quem dá a vida em defesa do melhor que a humanidade criou na cultura e na arte, e de que o seu povo é um dos herdeiros?
Khaled al-Assad, sírio, um herói nosso.
(1) Estado Islâmico.
(*)Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2192, 3.12.2015 (Com odiario.info)
Comentários