Um operário no Conselho de Estado indicado pelo PCP
Um operário vai sentar-se no Conselho de Estado, por indicação do PCP. Domingos Abrantes, 79 anos, funcionário do partido desde 1956, esteve preso 11 anos, primeiro em Caxias, de 1959 a 1961, depois em Peniche, de 1965 a 1973. Casou com a sua companheira da clandestinidade, Conceição, em 1969, estava ele preso. O 25 de Abril apanhou-o no exílio, de onde regressou com Álvaro Cunhal - e Conceição.
A notícia chegou ontem à tarde, numa breve nota enviada aos jornalistas pela assessoria de imprensa comunista, dando conta de um dos três nomes dos partidos da esquerda da lista de representantes da Assembleia da República no Conselho de Estado. "O nome proposto para o Conselho do Estado por parte do PCP é Domingos Abrantes, membro do Comité Central do PCP", lia-se na nota.
Domingos Abrantes nasceu a 19 de janeiro de 1936, é militante comunista desde 1954. De caminho esteve na MUD Juvenil, uma organização de oposição ao Estado Novo, por onde também passou Conceição Matos, a companheira de uma vida, mesmo nos quase cinco anos em que não se viram.
Domingos Abrantes é o nome do PCP para o Conselho do Estado
A fuga no carro de Salazar
Domingos Abrantes fez a quarta classe ("já era bom") e foi trabalhar. "Nasci em Vila Franca [de Xira], mas vim muito novo para o Poço do Bispo [em Lisboa]. Uma densidade de fábricas e trabalhadores colossal. Cresci num ambiente antifascista. Éramos cinco irmãos, mas, no meu tempo, já só quatro. Entrei numa fábrica aos 11 anos", contou numa entrevista (dada em conjunto com a mulher) ao Público, em abril de 2014, 40 anos depois da Revolução dos Cravos.
Conceição Matos explicou, na mesma entrevista, a massa de que se formaram: "Nasci em São Pedro do Sul mas fui com três anos para o Barreiro. Havia muita miséria. Isso ajuda a entrar na luta."
A luta fez-se no PCP - e nas prisões, por onde um e outro passaram. Ele passou primeiro por Caxias, em 1959 a 1961, de onde fugiu com outros camaradas do partido no carro blindado de Salazar oferecido ao ditador por Hitler, em dezembro de 1961.
Domingos confessou que foi a "paranoia securitária" que se instalou nas prisões do Estado Novo, depois da bem sucedida fuga de Álvaro Cunhal (e outros comunistas) da prisão de Peniche, a 3 de janeiro de 1960, que ajudou à sua fuga de Caxias.
A fuga deu-se numa segunda-feira e as dúvidas eram muitas. "Decidida a fuga com o carro, nascida da ideia do falso "rachado" [um delator], muitas questões se levantaram. Seria mesmo blindado? Aguentaria o choque do portão [exterior, por onde se faria a fuga]? Estaria gente para lá do portão? Que gente? Ponderados os riscos, decidiu-se avançar", de acordo com um relato disponibilizado no site do PCP. No dia da fuga, explicou Domingos, "vivia-se uma tensão serena". "Não íamos propriamente dar um passeio."
Depois da fuga, regressou à clandestinidade. Domingos voltou a ser preso em 1965. Conceição também o foi, mas ficou presa um ano e meio enquanto que o companheiro ficou até 1973, já no estertor da ditadura, com Salazar morto e Marcello Caetano posto no poder. Conceição foi torturada e nunca falou. Foi presa de novo em 1968, por uns meses.
Domingos explicou que o facto de não se verem por cinco anos e de se comunicarem por cartas vigiadas pela PIDE, fortaleceu a relação. "Conhecemo-nos numa determinada circunstância, sabíamos os riscos que corríamos, estávamos preparados. A ligação afetiva ou existe ou não existe. A nossa era forte."
Abrantes será conselheiro de Estado de um órgão que dificilmente o atual Presidente da República, Cavaco Silva, voltará a convocar. (Com o Diário de Notícias)
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