Como não pode domesticar a burguesia Macri procura disciplinar os trabalhadores
Julio C. Gambina*
A vitória de Macri nas últimas eleições trouxe já a tentativa de domesticar o movimento operário, o movimento sindical e o movimento de moradores e outras estruturas populares, muitas criadas como resposta ao “curralito” no final de 2001.
E o problema dos trabalhadores é como encontrar e derrotar os propósitos da classe dominante e as medidas do governo e «não cair na inevitabilidade de um ajustamento social para combater a inflação.
O custo pode transferir-se para os sectores de maiores rendimentos, o que implica lutar por reformas progressivas do regime tributário e, claro, discutir o modelo produtivo e de desenvolvimento, os seus beneficiários e o tipo de inserção internacional que privilegie a satisfação das necessidades sociais em vez dos lucros.»
O governo de Macri procura disciplinar o movimento sindical e por isso, juntamento com a passagem para o quadro de disponíveis dos funcionários públicos, a repressão e a criminalização do protesto social, pretende agora associar aos objectivos da gestão os dirigentes sindicais. Por isso, a reunião do governo limitou-se a receber os dirigentes das diversas versões do sindicalismo tradicional agrupado na Confederação Geral do Trabalho (CGT) [1].
Fora do diálogo ficaram a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA), que agrupa direcções e movimentos sociais que representam agora uma forte conflitualidade. Não está agora em causa a legalidade de ambas as centrais, mas o prevaleceu como objectivo governamental: a contenção e o isolamento do conflito social. É uma estratégia acompanhada de repressão e criminalização do protesto social.
A Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) convocou uma greve nacional para 24 de Fevereiro e crescem as adesões e a aceitação de uma medida que transcende os propósitos concretos contra a passagem ao quadro de disponíveis e em defesa do emprego público. Os trabalhadores estatais denunciam a passagem de cerca de 20.000 trabalhadores aos disponíveis nas três administrações estatais: municipal, provincial e nacional, um número muito mais do que o divulgado pelas autoridades, que só informam sobre o que acontece no Estado Nacional, não havendo acordo nos processos semelhantes das várias províncias, inclusive nas governadas pelo kirchnerismo.
A situação das direcções docentes é muito tensa e faz parte da actual conflitualidade. Os docentes do interior do país acabam de recusar uma nova oferta do governo provincial de 24,1% de aumento salarial, com uma exigência de 35%, no que pretende ser a primeira tomada do pulso a um debate nacional reiterado no início do ciclo escolar.
São muitas as expressões de solidariedade com a libertação de Milagro Sala [2] e contra a criminalização do protesto social, numa altura em que se tenta deslegitimar a experiência de auto-gestão desenvolvida especialmente durante a crise de 2001. A «normalização» da ordem capitalista local tem paralelamente a continuidade e a extensão de experiências de organização da vida quotidiana fora da acção do Estado, o que supõe a disputa de fundos públicos por parte do movimento social.
Em bom rigor, o problema não é apenas dos trabalhadores estaduais, já que as passagens aos quadros de excedentários e as suspensões estendem-se também ao sector privado. A Volkswagen e a FIAT anunciam suspensões massivas devido à redução da procura do Brasil. A crise mundial e o seu impacto recessivo no Brasil reflecte-se directamente sobre a Argentina e desmistifica o imaginário governamental da chuva de investimentos externos no país.
Disciplinar o conflito social é um objectivo central, já que no quadro da crise mundial da economia, o imaginário de recebimento de vultuosos investimentos externos ou empréstimos esvai-se e é crescente o rumo recessivo da economia local.
Como temos sustentado noutras ocasiões, salvo por créditos externos, as reservas internacionais continuam a baixar e não se conseguem com apelos à responsabilidade empresarial de reduzir os preços. Em Janeiro, de acordo com a medição na cidade de Buenos Aires, os preços subiram já 4,1%, com ps alimentos a subiram acima desta média, com uma projecção para o ano de 33%.
A burguesia mundial ou local privilegia a sua própria rentabilidade aos objectivos de «um bom governo» e «amigável» para com o mercado e as empresas sugerido pela burocracia macrista na gestão estatal.
Preços e salários
Pode dizer-se que ao não poder travar ou moderar a inflação, com apelos morais à responsabilidade e se capacidade para disciplinar os empresários fixadores de preços, atiram-se à redução dos salários e dos recebimentos populares.
Um exemplo claro disto são as pensões e outras prestações sociais da segurança social.
Acabam de difundir a actualização estabelecida pela Lei dos valores das pensões, o montante por filhos e outros familiares, com valores a pagar a partir de Março.
A pensão mínima dos reformados passará de 4.299 para 4.943 pesos mensais. São 644 pesos de actualização, ou seja, menos de 22 pesos diários, o que significa apenas um pouco mais de pão no consumo diário. Um pouco mais de 4 milhões de reformados situam-se neste escalão.
A actualização é de 15%, quando a inflação de Outubro de 2015 (última actualização) a Março de 2016, data da concretização do pagamento, pode ser superior a este número.
Para contribuições não contribuitivas passa de 3.009 para 3.460 pesos, 451 pesos mais, qualquer coisa como 15 pesos diários. Mais de 1,5 milhões de beneficiários.
Esta actualização também se aplica ao subsídio de filhos, com cerca de 3,6 milhões de beneficiários, que passa de 837 a 962 pesos, uma actualização de 125 pesos mensais, um pouco mais de 4 pesos diários. Actualizaram-se também os abonos de famílias dos trabalhadores dependentes.
São actualizações mínimas que envolvem mais de 10 milhões de pessoas, 25% da população, acentuando o empobrecimento em relação ao consumo sumptuário e aos lucros concentrados numa minoria da população.
O tema de fundo é que o mínimo para uma família tipo, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC), é superior aos 15.700 pesos, a preços de Dezembro de 2015. Os trabalhadores dos lagares dizem que em vez da percentagem, o salário mínimo exigido para um trabalhador do sector é de 20.000 pesos mensais.
A realidade é que o propósito do patronato e do governo não é resolver a equação da satisfação das necessidades salariais dos trabalhadores e outras camadas populares, na verdade, a maioria da população argentina. A orientação da política económica é pró empresas e a sua rentabilidade.
Por isso, o Banco Central da República Argentina (BCRA) deixa subir a divisa estadounidense e já se aproxima a cotação de 15 pesos por dólar, o que facilita a liquidação da soja armazenada nos silos, uma aspiração sustentada desde o primeiro dia do governo Macri. Além disso, estimula a tendência para a especulação contra a moeda nacional e suga o dinheiro da circulação para induzir, através de uma política monetária restritiva, a baixa da inflação. Trata-se de um regressodas velhas políticas monetaristas próprias das «metas da inflação» e da ortodoxia na gestão do Banco Central.
Limites da política governamental e possibilidades de alternativas
Como os investimentos não chegam e isso demora a abertura de crédito a taxas de juro mais baixas, o esforço do Ministério da Economia concentra-se nas oportunidades dadas aos fundos abutres (holdouts) e vê com satisfação um piscar de olho simpático do negociador da Justiça dos EUA e do próprio juiz do processo, pelo que, claro, o acordo pressuporá elevados custos para a sociedade argentina.
A expectativa do governo concentra-se na obtenção de crédito externo e, se possível, alguma radicação do investimento estrangeiro, razão por que recebe com expectativa as visitas dos governantes de França e Itália, enquanto cobre com iniciativa política a procura de consenso político para a sua gestão. É uma estratégia orientada para a burocracia política e sindical, revelando operações de manipulação ideológica por trás do republicanismo e do amplo diálogo político apregoado.
Não dúvida que o governo actua com grande iniciativa política e aproveita a desorientação política surgida em certos sectores perante a nova realidade de um governo favorável na Nação, na Capital e no Estado Buenos Aires e que sem maioria parlamentar demonstrou capacidade de intervenção na captação de vontades da oposição sistémica.
Essa actuação leva a pensar no necessário estímulo da iniciativa e da acção política organizada do amplo movimento social e político, com vontade de intervir na construção de uma alternativa.
A discussão é sempre se se pode propor qualquer diferente à lógica discursiva do poder e não cair na inevitabilidade de um ajustamento social para combater a inflação.
O custo pode transferir-se para os sectores de maiores rendimentos, o que implica lutar por reformas progressivas do regime tributário e, claro, discutir o modelo produtivo e de desenvolvimento, os seus beneficiários e o tipo de inserção internacional que privilegie a satisfação das necessidades sociais em vez dos lucros.
Nota do Tradutor:
[1] A CGT é a uma central conhecida como peronista, que em 1945-55 (1º consulado de Perón) se transformou num instrumento do poder. Conheceu várias divisões e hoje assume-se a existência de 3 CGT, uma favorável ao kirchenismo (2003-2015) liderada por Antonio Caló; outra dirigida por Hugo Moyano foi, desde 2012, opositora do kirchenismo, tornando-se mais próxima da CTA com quem se associou; uma última CGT, dirigida Luis Barrionuevo tem é uma estrutura pouco mais do que residual.
A Central de Trabalhadores da Argentina (CTA) também surge de uma divisão da CGT no início da década de 90 do século passado. É uma central que se assume de trabalhadores, não de sindicatos, pelo que inclui sindicatos, agrupamentos de sindicatos, trabalhadores por conta-própria e cooperantes de cooperativas diversas e passou a CTA dos Trabalhadores.
Desta central saiu a CTA Autónoma, unitária, independente do governo, do patronato e dos partidos, com uma acção formativa dos trabalhadores através do Instituto de Estudos e Formação da CTA A.
Buenos Aires, 13 de Fevereiro de 2016.
Tradução de José Paulo Gascão
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