Prevista repressão a movimentos sociais durante Olimpíadas de agosto
Manifestações sociais durante as Olimpíadas poderão ser brutalmente reprimidas em nome da segurança dos Jogos, tal como na Copa de 2014. Foto: NINJA
Eduardo Vasco
A “Guerra ao Terror” em escala mundial deve aumentar a repressão contra a população e os movimentos sociais durante os Jogos Olímpicos deste ano no Rio de Janeiro.
Os atentados em Paris em novembro do ano passado inauguraram uma nova era na chamada “Guerra ao Terror” que, com a desculpa de combate ao terrorismo, poderá levar repressão, violação dos direitos humanos e inclusive xenofobia a toda a parte.
O Brasil merece especial atenção nesse assunto, já que este ano receberá o maior evento esportivo mundial e, como aconteceu durante a Copa do Mundo de 2014, protestos devem ser vistos principalmente no Rio de Janeiro, sede principal dos Jogos.
Os movimentos sociais estão preocupados com a possível aprovação de uma Lei “Antiterrorismo”, que pode ser usada para reprimir manifestações populares.
“A proposta representa um grande retrocesso para os direitos de participação política no Brasil, porque deixará nas mãos de delegados e promotores o filtro para dizer se tal conduta é ou não de movimento social”, denuncia um manifesto de repúdio à tipificação de terrorismo, divulgado no ano passado e assinado por intelectuais e movimentos sociais.
Ele se refere ao Projeto de Lei 2016/15, aprovado em outubro de 2015 no Senado, que busca a aplicação de uma lei “antiterrorista”. Segundo o PL, que devido a alterações em relação ao texto original voltará à Câmara dos Deputados, a pessoa considerada “terrorista” poderá pegar até 24 anos de prisão, e se o ato resultar em morte, pode ficar até 30 anos presa.
O ponto principal do projeto é que ele dá brecha para diversas interpretações, ou seja, é baseado no subjetivismo. Desse modo, os movimentos sociais podem ser criminalizados, se forem considerados praticantes de “extremismo político” – qualquer ato que atentar gravemente contra a estabilidade do Estado Democrático, com o fim de subverter o funcionamento de suas instituições, argumentam os defensores do projeto no Senado.
Para o jurista Germano Schwartz, PhD em Direito e Sociedade, a cultura do medo difundida pelos jornais e pelo “Congresso mais conservador da história” tem exatamente a finalidade de aplicar uma lei de repressão aos movimentos sociais.
“O Brasil não teve ataque terrorista, mas o medo [de um atentado] provavelmente vai motivar uma legislação que irá ferir os direitos humanos e as liberdades individuais”, afirma.
No estado do Rio de Janeiro, foi decretada pelo então governador Sérgio Cabral (PMDB) no dia 11 de setembro (coincidência?) de 2013 a Lei nº 6528, que proíbe o uso “de máscara ou qualquer outra forma de ocultar o rosto do cidadão com o propósito de impedir-lhe a identificação”. São Paulo fez a mesma coisa, quando em agosto de 2014 o governador Geraldo Alckmin (PSDB) promulgou a Lei nº 15.556, quase idêntica.
Essas seriam as preliminares do que pode vir por aí. Mas, segundo Schwartz, uma lei desse tipo não poderia nunca ser elaborada pelos estados: “é uma lei francamente impulsional, porque só quem pode produzir lei penal é a União”, explica. Porém, as autoridades ainda não revogaram a lei. “O STF ainda precisa declarar a sua inconstitucionalidade”, diz.
Tudo leva a crer que o Estado brasileiro está fechando cada vez mais o cerco às manifestações populares, com a desculpa de “combate ao terrorismo”, mesmo não havendo grupos terroristas no Brasil.
Os Estados Nacionais estão sendo incentivados a desenvolverem leis antiterroristas em seus territórios, o que é visto como uma questão de segurança internacional, segundo a sociológa Syntia Alves. “É um movimento internacional e nós não ficaremos fora disso”, prevê.
Diversos países já criaram leis desse tipo, atendendo principalmente às pressões dos Estados Unidos, por meio do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), por exemplo, que faz uma série de recomendações pressionando os governos a apresentarem legislações mais rigorosas contra ações consideradas terroristas.
“A questão será o que o Estado brasileiro vai definir como 'terrorismo' e é nesse sentido que os movimentos sociais podem ser afetados em sua liberdade. Não acredito que seja aplicado o estado de exceção no Brasil, mas a restrição da liberdade dos movimentos sociais, que podem ser enquadrados como terroristas, isso certamente pode acontecer”, avalia a socióloga.
Segurança reforçada contra o 'terrorismo' nos Jogos
Tal como ocorreu no período da Copa do Mundo de 2014, o autoritarismo do Estado deverá estar presente em peso durante os Jogos Olímpicos.
O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, declarou recentemente que já existe um plano de segurança reforçada contra o “terrorismo” nas Olimpíadas.
“Até podemos achar que o Brasil não tem história com esses terroristas [referindo-se aos atentados de Paris], mas sempre trabalhamos com essa possibilidade. Existe toda uma estrutura preparada para isso. Posso dizer que nós hoje estamos prontos”, afirmou.
Beltrame é o responsável pelas operações da Polícia Militar nos morros cariocas e um dos idealizadores das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), que, ao invés de pacificar, reprimem a população da periferia. Que o digam Amarildo e Cláudia, moradores da favela da Rocinha e do Morro de Congonhas, respectivamente, mortos brutalmente pela polícia “pacificadora” em 2013 e 2014.
Essa repressão deve se estender a toda a população durante os Jogos. No final de julho de 2015, foi anunciada a “maior operação de segurança da história do Brasil” durante as Olimpíadas. Serão 85 mil homens atuando, dos quais 47 mil de segurança, defesa civil e ordenamento e 38 mil das Forças Armadas.
Haverá um Centro Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo (CIET), além de segurança privada. O orçamento em segurança é de R$ 1,98 bilhão, divididos entre o Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro.
Na visão de Syntia Alves, certamente nos Jogos Olímpicos serão aplicadas todas as leis e medidas para se manter a “ordem”, “e o mantenimento da ordem por parte do Estado é sempre uma medida repressiva”.
Isso também preocupa Schwartz. Segundo ele, mesmo sem nunca terem passado por um atentato terrorista na vida, provavelmente durante as Olimpíadas os cidadãos “não terão direito a habeas corpus e à liberdade de locomoção”, principalmente quem estiver no Rio de Janeiro.
(Com o Diário Liberdade)
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