Efeito Trump: agora, Israel impõe em vez de negociar

      
                                                                      
Luiz Eça


O Likud, par­tido do pre­mier Ne­tanyahu, acaba de aprovar re­co­men­dação que pode vi­brar um golpe mortal na in­de­pen­dência da Pa­les­tina.

Querem anexar a Is­rael todas as re­giões onde há as­sen­ta­mentos. Isso sig­ni­fica in­cor­porar ao Es­tado de Is­rael muitas áreas dos ter­ri­tó­rios pa­les­tinos, dei­xando muito pouco para o fu­turo Es­tado pa­les­tino.

De acordo com ideia pra­ti­ca­mente con­sen­sual, apenas parte dos as­sen­ta­mentos e suas áreas vi­zi­nhas per­ma­ne­ce­riam com Is­rael. O quantum seria de­fi­nido em ne­go­ci­a­ções entre is­ra­e­lenses e pa­les­tinos.

Caso o Knesset (par­la­mento de Is­rael) aprove a re­co­men­dação do Likud – o que é pro­vável, pois o par­tido é ma­jo­ri­tário na co­a­lizão de di­reita que go­verna Is­rael – os so­nhos pa­les­tinos con­ti­nu­a­riam sendo apenas so­nhos.

Na si­tu­ação atual, existe um grande bloco de as­sen­ta­mentos junto à fron­teira com Is­rael, sendo que vá­rios ou­tros se es­pa­lham pela Cis­jor­dânia.

Vi­go­rando a po­sição do Likud, o Es­tado dos pa­les­tinos se cons­ti­tuiria de uma série de áreas não con­tí­guas, se­pa­radas entre si por as­sen­ta­mentos ju­daicos. Ver­da­deiros ban­tus­tões, como havia no re­gime de apartheid da África do Sul.

Di­vi­dido em muitas fa­tias, cuja co­mu­ni­cação se pro­ces­saria através de es­tradas de ro­dagem, cor­tando as­sen­ta­mentos e sob con­trole de check-ups do exér­cito de Is­rael, o fu­turo Es­tado teria es­cassas chances se vi­a­bi­lizar como po­tência autô­noma.

É o que Trump de­seja, con­forme o prín­cipe-go­ver­nante de fato da Arábia Sau­dita in­formou a Mah­moud Abbas, pre­si­dente da Au­to­ri­dade Pa­les­tina, e foi re­la­tado pelo New York Times (5-12-2017) e o Middle East Eye (22-11-2017).

Seria uma pá de terra na “so­lução dos dois Es­tados na Pa­les­tina”, de­fen­dida pela co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal até agora.

Não que­rendo ficar atrás do Likud, o Knesset  aprovou lei que pra­ti­ca­mente im­pos­si­bi­lita uma even­tual di­visão de Je­ru­salém entre pa­les­tinos e ju­deus. Ela dispõe que o go­verno só po­deria ceder parte do ter­ri­tório de Je­ru­salém com apro­vação de 2/3 dos votos do par­la­mento, o que re­pre­senta o apoio de 80 entre 120 do total dos de­pu­tados.

No mo­mento, a co­a­lizão si­tu­a­ci­o­nista é in­te­grada por pelo menos 61 de­pu­tados, sendo que muitos dos opo­si­ci­o­nistas também de­fendem Je­ru­salém in­di­vi­sível, ca­pital de Is­rael fo­rever.

Chances de uma ne­go­ci­ação fa­zendo de Je­ru­salém Ori­ental a ca­pital de um Es­tado pa­les­tino são pa­re­lhas às do Mar Ver­melho se abrir outra vez.
A nova lei é mais uma pedra, ou me­lhor, um ro­chedo, no meio do ca­minho de um acordo para re­solver a questão pa­les­tina.

Para Dov Henin, de­pu­tado da Lista Unida Árabe, ”a nova lei deve ter sido feita para evitar a paz”. E o líder da opo­sição, o de­pu­tado Isaac Herzog, afirmou que “o Par­tido Lar Judeu (co­pa­tro­ci­nador da lei) está le­vando Is­rael para um ter­rível de­sastre”.

O co­men­tário de Da­niel Sei­de­mann, di­retor do Ter­res­trial Je­ru­salem, é de­fi­ni­tivo: “nós não temos in­tenção de par­ti­lhar esta terra com nin­guém mais a não ser com uma mi­noria ra­ra­mente to­le­rada (os poucos pa­les­tinos que têm di­reito de re­sidir em Je­ru­salém)”.

A lei do Knesset também re­move da mu­ni­ci­pa­li­dade de Je­ru­salém duas grandes áreas ha­bi­tadas por pa­les­tinos e lo­ca­li­zadas do lado de fora de um muro que as se­para do resto da ci­dade.

Com isso será for­mada uma nova uni­dade ad­mi­nis­tra­tiva, re­ser­vada ex­clu­si­va­mente a árabes pa­les­tinos. E 150 mil deles, que já vivem lá, deixam de ser con­si­de­rados ci­da­dãos de Je­ru­salém. É uma forma prá­tica de au­mentar a por­cen­tagem de ci­da­dãos ju­deus da ci­dade.

Talvez de­vido à pre­pon­de­rância dos ele­mentos árabes nas co­mu­ni­dades além do muro, a ad­mi­nis­tração de Je­ru­salém não tem se in­te­res­sado muito pelo seu bem-estar. A pres­tação de ser­viços pú­blicos é pre­cária. Não há se­gu­rança – o crime or­ga­ni­zado deita e rola, em­ba­lado pelas ca­rên­cias na in­fra­es­tru­tura, pela imi­gração ilegal e por cons­tru­ções sem fis­ca­li­zação.

Não é exa­gero dizer que esse con­junto de áreas ur­banas cor­tadas pelo muro de se­pa­ração vai se tornar um ver­da­deiro gueto, ex­clu­sivo para árabes. Lá ju­deus serão proi­bidos de en­trar.

Es­pera-se que, em breve, Is­rael deve criar um con­selho para ad­mi­nis­trar esse gueto, ini­ci­al­mente sob con­trole do Mi­nis­tério do In­te­rior.

Afirma Esaqi-Freige, de­pu­tado no Knesset: “A nova lei de Je­ru­salém é uma lei ra­cista, sig­ni­fica ‘limpar’ Je­ru­salém de re­si­dentes árabes. De­pois do go­verno de Is­rael de­cidir er­guer um muro cor­tando Je­ru­salém, agora está pro­cu­rando re­mover 100 mil dos seus re­si­dentes para fora da ci­dade (Ha­a­retz, 2-1-2018)”.

Dizem ex­perts no site do Middle East Eye que o es­ta­be­le­ci­mento do novo con­selho nas áreas de Je­ru­salém cor­tadas pelo muro de se­pa­ração vai re­duzir em um terço a po­pu­lação árabe da ci­dade.

Du­rante o go­verno Obama, po­lí­ticos da linha-dura de Is­rael evi­tavam de­fender pro­postas ra­di­cais do tipo destas novas leis.

O New York Times tem uma ex­pli­cação para esta la­men­tável mu­dança de há­bitos, que co­meça a pro­li­ferar na Terra Pro­me­tida.

“O apoio de Trump mudou o jogo, le­vando mem­bros do go­verno Ne­tanyahu a con­cluírem que Is­rael po­derá tomar po­si­ções mais fortes sem medo de in­ter­ven­ções es­tran­geiras ri­go­rosas (New York Times, 31-12-2017)”.

Foi o que animou Avigdor Li­e­berman, mi­nistro da De­fesa, que mos­trou suas garras, cha­mando os de­pu­tados árabes is­ra­e­lenses de “cri­mi­nosos de guerra”, que estão no Knesset “por erro”. (Times of Is­rael, 11-12-2017). Não é só Trump que está vi­ta­mi­nando a ex­trema-di­reita de Is­rael.

A si­tu­ação ex­terna é muito fa­vo­rável, as coisas “mu­daram dra­ma­ti­ca­mente”, como diz Me­na­chem Klein, ci­en­tista po­lí­tico da Uni­ver­si­dade Bar-Ilan: “em vez de Obama, temos Trump. A União Eu­ro­peia está di­vi­dida. O Brexit pre­o­cupa a agenda bri­tâ­nica. A Ale­manha tem pro­blemas com a co­a­lizão. Não há con­senso na Eu­ropa, ne­nhuma po­lí­tica para pres­si­onar Is­rael. Por­tanto, é uma arena muito fácil para nós irmos adi­ante”.

As­sus­ta­dora aná­lise, es­pe­ci­al­mente por ser re­a­lista. Ai de ti, Pa­les­tina.

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(Com o Correio da Cidadania)

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