O que o fim da internet livre representa para os usuários
Carlos Castilho (*)
A forte possibilidade dos Estados Unidos acabarem com a chamada neutralidade na internet terá repercussões no mundo inteiro, inclusive aqui no Brasil, porque afeta o princípio da igualdade de acesso à informação e principalmente ao processo de produção de conhecimento, hoje um item básico à geração de inovações tecnológicas essenciais ao crescimento da economia digital.
O princípio da Neutralidade da Internet (Net Neutrality, em inglês) baseia-se no direito à igualdade de acesso à rede para qualquer usuário, seja ele um indivíduo, empresa, governo ou entidade sem fins de lucro. Até agora, tecnicamente, todos tem as mesmas condições em matéria de velocidade e amplitude de banda para acessar sites de notícias, redes sociais, bancos de dados, correio eletrônico, vídeos e áudios.
Caso a tendência sinalizada pela decisão da FCC norte-americana se consolide isto marcará um retrocesso na ampliação do alcance da internet que se tornou o veículo de comunicação com o maior índice de crescimento em toda a história da humanidade. A rede alcança hoje ao redor de dois bilhões de seres humanos, ou seja, quase 1/3 da população mundial, isto tudo em pouco mais de três décadas.
Trata-se de um duro golpe na ideia da internet como um serviço público , livre de interferências políticas e econômicas para que a rede possa funcionar como um mega ambiente para troca de dados, fatos, eventos e opiniões. Esta troca é vital para escolas, universidades, cientistas, institutos de pesquisa e serviços de assistência social porque permite o aprendizado e geração de novos conhecimentos.
Todo o processo de recombinação de dados passa agora a ser orientado e condicionado pelo interesse financeiro de quem controla o fluxo de textos, dados, vídeos e áudios dentro da rede, o que inevitavelmente provocará distorções na busca de soluções para os desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. Haverá também uma intensificação do processo de marginalização de regiões com pouca conectividade como as áreas rurais, ilhas com baixa densidade demográfica ou territórios mais isolados.
Aqui no Brasil, operadoras como Claro, Tim, Vivo e Oi controlam as telecomunicações nacionais e terão uma influência estratégica no desenvolvimento do país, tanto na economia como na política e na cultura, caso o Congresso Nacional se submeta às pressões para seguir a recomendação da FCC. As operadoras podem vir a determinar quem tem acesso privilegiado à informação contida na internet e consequentemente maior poder de influencia em decisões financeiras e administrativas.
Se levarmos em conta que a informação é hoje um item obrigatório e fundamental na forma como decidimos o nosso quotidiano, tudo o que vier a interferir na forma como ela é produzida, disseminada e compartilhada nos afeta diretamente. Projetos como a enciclopédia virtual Wikipedia, que se tornou uma referência mundial como fonte de informações produzidas a partir de voluntários, podem vir a enfrentar enormes problemas para sobreviver.
Outra consequência é que aumentarão as dificuldades para que empresas iniciantes, as start ups, consigam emplacar os seus trabalhos já que dependem de acesso fácil e rápido à internet tanto para desenvolver tecnologias como principalmente para chegar aos seus potenciais clientes.
Em suma, estamos diante de um divisor de águas em nosso desenvolvimento tecnológico, econômico, social e até político, pois a internet já é uma ferramenta eleitoral e legislativa indispensável. Os candidatos e lobbies políticos que tiverem acesso privilegiado à internet largam na frente dos demais, com uma vantagem dificilmente alcançável pelas vias normais. Visto por quase todos os ângulos, o provável fim da neutralidade da internet significa aumento da, já considerável, desigualdade entre usuários da rede.
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(*) Carlos Castilho é jornalista e pesquisador acadêmico. Publica um blog na plataforma medium
(Com o Observatório da Imprensa)
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