Sobrevivente do Holocausto alerta para antissemitismo
Em sessão solene no Parlamento alemão em memória das vítimas do nazismo, Anita Lasker-Wallfisch conta como sobreviveu por quase um ano em Auschwitz e fala da atual crise migratória.
O Parlamento alemão dedicou sua sessão da tarde de quarta-feira (31/01) à lembrança anual das vítimas do regime nazista, alguns dias depois do 73º aniversário da libertação de Auschwitz. Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, membros de um partido de populista direita estavam sentados no Bundestag.
Desde a eleição de setembro passado, a legenda Alternativa para a Alemanha (AfD) tem 92 assentos de um total de 709 no Parlamento, e o partido já apresentou uma legislação com o objetivo de prevenir que refugiados levem suas famílias, que estão em países devastados pela guerra, para a Alemanha.
A principal oradora no Parlamento foi a sobrevivente do Holocausto Anita Lasker-Wallfisch, uma violoncelista judia-alemã de 92 anos que sobreviveu a 11 meses em Auschwitz-Birkenau, e foi forçada a tocar na orquestra do campo de concentração.
Depois de relatar a própria história, a sobrevivente do Holocausto usou seu discurso para estabelecer paralelos diretos com a recente crise de refugiados.
"Para nós, as fronteiras foram fechadas hermeticamente – e não como neste país, que foram abertas graças ao gesto incrivelmente generoso, corajoso e humano feito aqui", afirmou Lasker-Wallfisch, recebendo longos aplausos dos parlamentares.
O Comitê Internacional Auschwitz, com sede em Berlim, divulgou uma declaração na semana passada advertindo mais uma vez sobre o aumento do populismo de direita em toda a Europa – ainda que sem citar a AfD diretamente.
"Há muito tempo se tornou perfeitamente claro que o chamado populismo de direita está tentando, cada vez mais, desestabilizar parlamentos, mídia e instituições democráticas tanto do interior como do exterior, e incitar o desprezo [pelos refugiados] entre os cidadãos de muitos países europeus", disse Christoph Heubner, vice-presidente da organização.
Em novembro de 1944, Lasker-Wallfisch foi transferida do campo de Bergen-Belsen, no estado da Baixa Saxônia, juntamente com sua irmã Renate, que também estava na Bundestag nesta quarta-feira. Ela foi libertada pelas tropas britânicas em abril de 1945.
A orquestra tinha a tarefa de tocar música durante a chegada de novos trens, cujos ocupantes eram imediatamente assassinados em câmaras de gás. "É difícil acreditar, mas em Auschwitz havia música", lembrou Lasker-Wallfisch, que nasceu na cidade de Breslau, hoje Wroclaw, na Polônia.
"A orquestra ficava localizada no bloco 12, quase no final da estrada do acampamento, a poucos metros do crematório 1, com uma visão irrestrita da rampa", contou a sobrevivente. "Nós vimos tudo: as cerimônias de chegada, os sermões e as colunas de pessoas caminhando em direção às câmaras de gás para serem transformadas em fumaça."
Lasker-Wallfisch também estava em Auschwitz durante a famosa "Operação Hungria", realizada no verão de 1944, quando quase meio milhão de judeus húngaros foram deportados para o campo de concentração dentro de alguns meses, e as câmaras de gás e crematórios estavam funcionando dia e noite.
"As pessoas que não conseguiam espaço nas câmaras de gás eram baleadas", relembra Lasker-Wallfisch. "Em muitos casos, as pessoas eram jogadas vivas nos fornos de incineração. Eu vi isso também."
Ela também advertiu contra o ressurgimento do antissemitismo. "O antissemitismo é um vírus de 2 mil anos, aparentemente incurável", frisou. "É um escândalo que as escolas judaicas, mesmo os jardins de infância, precisem ser protegidos pela polícia. 'Judeus' não é um termo coletivo – eles são apenas pessoas."
Ela afirmou ainda que não se trata de sentimentos de culpa – "eles são totalmente mal colocados": "Trata-se da certeza de que isso nunca deverá acontecer novamente."
Antes, em uma entrevista para a rede de jornais alemães RND, a sobrevivente do Holocausto, que vive atualmente em Londres, também elogiou a chanceler federal Angela Merkel por receber refugiados no país durante a crise migratória europeia.
"Eu acredito que Merkel deu um passo muito corajoso em 2015", afirmou. "Mas eu também tenho medo de que esse passo tenha despertado o pior nos alemães."
O discurso de Lasker-Wallfisch foi precedido por um recital musical da peça Prayer, de Ernest Bloch, com o filho de Lasker-Wallfisch, Raphael Wallfisch, tocando o violoncelo.
Em seu discurso, a sobrevivente ainda relatou: "Para muitos, a música neste inferno foi um insulto absoluto. Já para outros, talvez, tenha sido a possibilidade, pelo menos por um momento, de sonhar com outro mundo."
Cerca de 1,1 milhão de pessoas foram assassinadas somente no campo de Auschwitz, libertado pelo Exército soviético em 27 de janeiro de 1945. A data é marcada, desde 2005, como o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.
(Com a Deutsche Welle)
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