Interesses de grupos se sobrepõem a um projeto nacional, afirma vice do STF, Dias Toffoli
Pedro Canário
O ministro Dias Toffoli, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, declarou nesta sexta-feira (23/2) que, embora o Brasil tenha conseguido se estabilizar numa democracia, não produziu uma articulação capaz de desenhar um projeto de país.
“Não temos uma elite que pense o Brasil nacionalmente, e na ausência de um projeto nacional, o que vencem são interesses corporativos de grupos, e não o interesse nacional”, afirmou o ministro durante debate na FGV Direito SP, na capital paulista.
Nesse cenário, analisa o ministro, o Congresso também passa a votar como querem determinados grupos, e não com interesses nacionais, o que também obriga a sociedade a compactuar com elites locais e gera dificuldade em identificar quem é quem.
“Antigamente, tínhamos três projetos. O PFL com um projeto liberal de direita, o PSDB com um projeto social-democrata e o PT, com seu projeto trabalhista, mais à esquerda. Hoje, o que temos? Quais são os projetos? O que defendem DEM, PSDB e PT?”, critica Toffoli, que foi advogado eleitoralista e presidiu o Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições de 2014.
“Estamos há seis meses do início do período eleitoral, no dia 15 de agosto, e qual é o projeto nacional que está na mesa? Não tem! Não tem um projeto nacional, tem pessoas. Infelizmente, continuamos tendo pessoas”, afirmou no evento. “Não havendo vozes de poder, ganham os interesses.”
O ministro foi à escola de Direito da Fundação Getulio Vargas para falar sobre transparência e a necessidade de pesquisas empíricas no Judiciário. Segundo ele, são áreas em que o Brasil tem sério déficit em relação à maioria dos países democráticos do mundo.
“O papel do Judiciário é ver, julgar e agir. Se não vejo o problema em sua real dimensão, tenho que me basear em experiências pessoais. E se não vejo, como posso julgar, fazer valorações?”, critica. “Outros países acertam mais porque têm mais análises empíricas, mais dados, e um olhar mais verdadeiro, com poder de discutir democraticamente.”
Segundo Toffoli, o Judiciário de hoje é resultado de um arranjo institucional construído pela Constituição de 1988 depois que os formatos anteriores falharam e deram no golpe militar de 1964. Em Os Donos do Poder, Raymundo Faoro afirma que o Supremo Tribunal foi criado, em 1890, para exercer o papel do Poder Moderador, que cabia ao imperador.
Ainda nos anos 1960, antes de os militares tomarem o poder, Eugênio Godinho defendia que, como o Supremo havia falhado em sua missão, as Forças Armadas passaram a ocupar esse espaço. A conclusão partiu das intervenções militares no golpe de 1930, no golpe do Estado Novo e na crise de 1954, quando Getúlio Vargas, presidente, se matou.
“Em 64, o problema foi que os militares intervieram e ficaram”, concluiu Toffoli. Durante a Assembleia Constituinte, portanto, havia um passado a preocupar os autores do texto constitucional. E o Ministério Público foi elevado ao papel de moderador, como representante da sociedade perante o Judiciário, o poder que arbitra conflitos e reconhece direitos.
O resultado é que “hoje um juiz de primeiro grau tem mais poder que eu, ministro da Suprema Corte”, disse Toffoli. “Pelo artigo 97 da Constituição, nenhum integrante de colegiado pode declarar lei inconstitucional sozinho. Um juiz pode. E pode cassar políticas públicas por meio de ações civis públicas.”
De acordo com o ministro, o sistema transformou o juiz em superego da sociedade, “e eles podem cometer o mesmo erro dos militares”. “Democracia causa medo, e para viver numa democracia é preciso coragem. Quando se atacam instituições, quando se ataca a democracia, é porque se tem medo dela.”
(Com a ConJur)
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