Não cabe glamour na arte de escrever
Carlos Lúcio Gontijo
Quem busca glamour, fama e dinheiro na literatura e poesia em país como o Brasil, no qual é baixo o estoque de leitores e bastante altos os custos de impressão, na certa está equivocado. O advento da internet nos deu a oportunidade de descortinar melhor o palco da cultura mundo afora, por intermédio de autores que enfrentam as dificuldades de trazer à luz a materialização gráfica de seus livros.
Idealistas como a poetisa Carmo Vasconcelos, que mantém a edição on-line de autores de língua lusófona em espaços como as revistas “eisFluências” e Fênix prestam grande serviço à cultura, ao possibilitar o intercâmbio e a consequente troca de experiências entre escritores e poetas. Recentemente, perdemos o horizonte virtual do Portal CEN (Cá Estamos Nós), que sob o comando do saudoso Carlos Leite Ribeiro criou importante ponte de convivência cultural entre autores portugueses e brasileiros.
Foi nessa salutar convivência virtual que pudemos fundamentar melhor nossa visão de autor independente e até mesmo dar sentido aos nossos passos no âmbito da produção custeada com nossos parcos recursos, que são lastreados sob o manto de muito sacrifício. Claro que o simples contato com outros protagonistas culturais não quebra ou retira as pedras no caminho, mas nos dão a certeza de que não estamos sozinhos.
Muitas vezes, somos levados a pensar que é apenas brasileiro o problema do encaminhamento da produção de livros. Talvez o nosso drama seja maior pelo fato de haver por aqui um projeto oficial (do próprio governo) contrário ao acesso de nossa gente a produtos culturais de relevo e valor, agindo em prol de uma população incapaz de refletir sobre a realidade na qual vive. Contudo, uns mais outros menos, o descaso com o segmento cultural é norma países afora, auxiliado pelo advento da internet e ampliação da prevalência da imagem sobre a palavra.
Sabe-se que a leitura é item insubstituível no desenvolvimento intelectual e cognitivo das pessoas – se não fosse assim, se a imagem bastasse por si só, ainda estaríamos nos comunicando com desenhos nas cavernas. Porém, no imediatismo em que vivemos, a procura se restringe às coisas que nos chegam prontas, desde a comida até a opinião, forçando-nos a agir em manada, ao toque de um “plim plim” qualquer.
Em contato com autores de além-mar, conhecemos virtualmente o criativo e experiente trovador/poeta Nelson Carvalho, que me pôs a par das dificuldades dos escritores portugueses para editarem seus trabalhos e, quando conseguem realizar o sonho editorial, também esbarram na falta de leitores. Todavia, não é preciso navegar por outras plagas, para ir tomando pé da lamentável situação tatuada pela opção por produtos culturais descartáveis e a serviço exclusivo da indústria de entretenimento.
Quando do lançamento de nosso livro “Tempo impresso” em Belo Horizonte (dia 4 de julho de 2016), na biblioteca Luiz de Bessa, tivemos a oportunidade de conhecer o talentoso escritor gaúcho Antônio Salazar Fagundes, detentor de admirável estilo próprio apresentado nos excelentes livros “Pela noite” e “Um amor em Porto Alegre”. Residente em Porto Alegre (até aquele momento amigo apenas no Facebook), Salazar não se fez de rogado e deu-nos o ar de sua presença, possibilitando o encontro de dois semeadores na malcuidada lavoura cultural brasileira.
Temos andado por muitos municípios levando nossos livros, gratuitamente, a escolas públicas, nas quais observamos o mais completo distanciamento entre autores e público leitor, panorama que está a gritar por um projeto capaz de saciar a sede de crianças e jovens em relação ao contato com escritores e poetas. Somente os autores que já se dispuseram a alguma vez na vida entregarem-se a tal missão têm a exata dimensão da importância do que ora relatamos. Foi a compreensão dessa conjuntura o fator que nos conduziu à produção de livros infantis, da qual extraímos, em contato com as crianças, fluidos de luz – o combustível de que se alimenta a nossa alma.
No mês de abril deste ano de 2018, lançaremos o 21º livro de nossa carreira (a 5ª obra infantil), intitulado “A tartaruga Georgina”, numa parceria com o ilustrador Júlio César Campos, sustentando no peito a mesma energia do primeiro livro, mas sem qualquer euforia, pois não cabe glamour na arte de escrever e a pedra cantada por Drummond continua atravancando a trilha percorrida pelos escribas menores como nós.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br
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